Neste estudo e no subsequente,
recorreremos às investigações dos cientistas contemporâneos, respigando em seus
estudos, tão claros e convincentes, mas, acautelando-nos para introduzir, na
boa medida, o elemento perispírito, tornando, assim, compreensíveis os
fenômenos, e dando-lhes uma explicação lógica, que de outra forma lhes
faltaria.
Distingamos, preliminarmente, a sensação da percepção. Quando um agente externo impressiona os sentidos,
produz-se no aparelho sensorial uma certa alteração a que chamamos sensação. Essa modificação é transmitida
ao cérebro pelos nervos sensitivos e, depois de um trajeto mais ou menos longo,
chega às camadas corticais.
Nesse instante, dois casos podem
apresentar-se: ou bem a alma toma conhecimento da alteração sobrevinda ao
organismo e dizemos que há percepção,
ou bem a alma não é advertida da ocorrência, a sensação registra-se sem embargo, mas fica inconsciente. Como anteriormente
observamos, essa transformação da sensação
(fenômeno físico) em percepção (fenômeno
psíquico).torna-se absolutamente inexplicável desde que se não admita a
existência do eu, ou seja, do ser
consciente.
Isto posta, examinemos mais
atentos os fatos sucessivos que se encadeiam, do choque inicial à percepção.
Já sabemos que tudo é movimento
na natureza. Os corpos que nos parecem em repouso não o estão nem
exteriormente, de vez que participam do movimento da Terra, nem interiormente,
de vez que as moléculas são incessantemente agitadas por forças invisíveis, que
lhes dão as suas propriedades físicas particulares: estados sólidos, líquidos,
gasosos e, para os sólidos, consistência, brilho, cor etc.
Também os tecidos do corpo estão
em movimento, e, durante a longa travessia pelas formas inferiores, vimos como
certas partes do corpo se diferenciar pouco a pouco do conjunto, para engendrar
os órgãos dos sentidos.
Essas modificações fixadas no
perispírito iam cada vez mais se encarnando na substância, à medida que
aumentava o número de passagens pela Terra, e nós verificamos que não foram
necessários menos do que milhões de anos para graduar o organismo ao nível em
que o vemos hoje.
Qual a natureza das modificações
produzidas?
Ensaiemos demonstrar que ela
reside nos movimentos. Toda sensação
– visual, auditiva, tátil ou gustativa – procede, originalmente de um movimento
vibratório do aparelho receptor. O raio luminoso que impressiona a retina, o
som que faz vibrar o tímpano, a irritação dos nervos periféricos da
sensibilidade, tudo isso se traduz por um movimento, diferente, segundo a
natureza e a intensidade do excitante. O abalo propaga-se ao longo dos nervos
sensitivos e, depois de um certo percurso no cérebro, chega, conforme a
natureza da irritação, a uma zona especial da camada cortical, sendo aí que o
movimento origina a percepção.
Tocamos, aqui, no ponto obscuro, pois nenhum filósofo, nenhum naturalista pôde
jamais explicar o que então ocorre.
Uns, como Luys, dizem que a
força exalta-se, espiritualiza-se, o que vale por nada dizer; outros se
contentam em dizer que a percepção
pertence ao sistema neuropsíquico, quando modificado de certa maneira, o que
vale por dotar a matéria das faculdades da alma, sem que nenhuma indução o
justifique. A célula nervosa é o elemento que recolhe, armazena e reage.
Operará por vibrações, como a
corda tensa que oscila, quando deslocada da posição de equilíbrio? Ou, antes,
consistirá o fenômeno numa decomposição química do protoplasma?
É questão não resolvida, mas o
que há de certo é que uma alteração ocorreu. Desde então, a força vital
modificou-se num certo sentido, sofreu um movimento vibratório particular, este
se comunicou ao perispírito. É então que se dá o fenômeno da percepção, se a atenção for despertada.
O Espírito não conhece
diretamente o mundo exterior. Entaipado num corpo material, não percebe os
objetos circundantes senão pelos sentidos, que lhes revelam. Ora, a luz, o som,
só lhe chegam sob a forma de vibrações, diferentes segundo a cor, para a vista,
e segundo a intensidade, para o som. Ele atribui um nome a tal ou qual natureza
de vibrações, mas não conhece intrinsecamente a luz nem o som.
Exemplificando: a luz vermelha
tem vibrações diferentes, em número, da luz violeta, e desde a infância nos
ensinaram que a tal espécie de vibrações chama -se vermelho, e a tal outra,
violeta. Pela mesma razão, tal vibração deverá atribuir-se ao som, aos odores,
aos sabores etc., de sorte que o espírito não vê, mas sente a vibração
correspondente ao vermelho; não sente tal odor, mas percebe a vibração que o
determina, e o que lhe dá a impressão de uma nota musical é o número de
vibrações perispirituais que, num segundo, correspondem a esse som.
O que dizemos de uma cor aplica
-se a todas as cores, de modo que o globo ocular, que recebe milhões de
vibrações diferentes, ao contemplar uma paisagem, ao ver uma ópera, transmite
ao cérebro milhões de movimentos vibratórios, que se registram em sua
substância e no seu perispírito, ao mesmo tempo e de um modo indelével.
Já houve quem comparasse a
célula psíquica ao fósforo, que, depois de sofrer a ação da luz, permanece
luminoso na obscuridade. Nós, porém, como analogia, preferimos a comparação da
placa sensível, que, impressionada pela luz conserva para sempre graças a uma
reação química fixa e indelével o traço da excitação luminosa.
Poder-se-á superpor nessa placa
uma série de imagens, qualquer que seja o número destas, em se sobrepondo
incessantemente às precedentes, não as apagarão jamais.
Haverá sempre uma adição, um
amontoamento de imagens e nunca uma destruição, uma extinção das primitivas
pelas supervenientes.
Todo mundo está de acordo em que
as modificações produzidas nas células são permanentes.
Maudsley diz: “Na célula
modificada produz-se uma aptidão e com ela uma diferenciação do elemento, ainda
que nos não assista razão para acreditar que, originariamente, esse elemento
diferisse das células nervosas homólogas.”
Delboeuf opina: “Toda impressão
deixa um traço inapagável, isto é: uma vez diversamente dispostas e forçadas a
vibrar de outro modo, as moléculas jamais retornarão ao estado primitivo.”
E Richet: “Assim como na
natureza não há, jamais, perda de energia cósmica, mas, apenas, transformação
incessante, assim também nada se perde do que abala o espírito humano”.
“É a lei de conservação da
energia, sob um ponto de vista diferente. Os mares ainda se agitam do sulco
neles deixado pelas galeras de Pompeu, pois o abalo equóreo não se perdeu e
apenas se modificou, difundiu-se, transformou-se em infinidade de pequenas
ondas, que, a seu turno, se transmudaram em calor, em ações químicas ou
elétricas. Semelhantemente, as sensações
que abalaram o meu espírito há 20 ou 30 anos, deixaram -me o seu sulco, ainda
que esse sulco seja desconhecido de mim mesmo. Então, mesmo que não possa
evocar a sua lembrança, ignorada e inconsciente em mim, posso afirmar que ela
não se extinguiu e que essas velhas sensações,
infinitas em número e variedades, exerceram sobre mim uma influência assaz
poderosa.”
É fato averiguado que a
repetição de palavras e frases de um idioma acaba por tornar -se uma operação
automática para o espírito. Ele não mais procura palavras e frases, que lhe
acorrem de si mesmas. É uma verdade incontroversa, máxime em se tratando da língua
materna. A memória consciente se esvanece e perde -se no inconsciente. Pois o
que sucede com a linguagem ocorre com qualquer outra aquisição intelectual,
seja matemática, física ou química etc.
Em todos nós, a tábua de
multiplicação tornou-se automática; e, contudo, começamos por decorá-la
conscientemente. Estas afirmativas colocam-nos justo em face do problema que
assinalamos – a ressurreição das lembranças prístinas, a despeito da renovação
integral e global das células.
Maudsley presume que a rapidez extraordinária
das permutas nutritivas do cérebro, parecendo, à primeira vista, uma causa de
instabilidade, explica, ao contrário, a fixação das lembranças: “A reparação,
efetuando-se sobre o trajeto modificado, serve para registrar a experiência”.
Não é uma simples integração o
que se dá, e sim uma reintegração. A substância restaura-se de um modo
especial, o que faz com que a modalidade produzida seja, por assim dizer,
incorporada ou encarnada na estrutura do encéfalo.
De acordo, quanto ao resultado.
Também acreditamos que os novos movimentos perispirituais, os que houverem sido
determinados pela modificação da força vital da célula destruída, imprimem às
células que se reformam as mesmas modificações que influenciaram as primeiras.
Mas, se não houver perispírito, que será que imprime nas células novas o antigo
movimento? E a eterna questão: quem faz a restauração? Poder-se-á presumir não
seja a célula inteiramente destruída; que o seu remanescente tomou o novo
movimento e que as moléculas substituintes adotem o novo ritmo vibratório.
Vamos supor que assim seja. Mas,
em se dando nova permuta, haverá, necessariamente, diminuição de intensidade: 1
– por causa do tempo transcorrido; 2 – por causa da inércia das antigas
moléculas a vencer. Renovada inúmeras vezes à operação – o que é tanto mais
certo quanto extrema é a rapidez das permutas nutritivas –, o movimento
primordial será tão fraco que se poderá dizê-lo quase desaparecido. E o que é
verdade para uma célula também o é para um conjunto de células, de sorte que as
sensações delas dependentes, e que,
por associação, formam uma lembrança, ficarão quase apagadas na velhice do
indivíduo. Tais lembranças deveriam, pois, ser as primeiras a desaparecerem.
Ora, o que se verifica é justamente o contrário, de vez que, nas pessoas
idosas, as lembranças da infância são as mais persistentes.
Em suma: se adotássemos essa
hipótese, nenhuma sensação poderia
conservar-se no ser, senão por tempo assaz limitado. Demonstrando-nos a
experiência que assim não é, importa procurarmos outra explicação.
Quando afirmamos ser no
perispírito que reside a conservação do movimento, damos como prova direta a
manifestação da alma após a morte. Ela, a alma, se nos revela dotada de todas
as faculdades e lembranças, não apenas de sua última encarnação, mas abrangendo
longos períodos pretéritos.
Acreditamo-nos, portanto, mais
próximos de uma explicação adequada aos fatos do que aqueles que atribuem o
pensamento à massa fosfórica de há muito destruída, quando a alma é imortal.
Condições da percepção
Para que uma sensação seja percebida, ou por outra,
para que se torne um estado consciencial, há que notar duas condições
indispensáveis, a saber: a intensidade
e a duração.
1 – A intensidade é condição de tipo assaz variável, mas faz-se preciso
um mínimo para que se verifique a percepção.
Nós não ouvimos os sons muito brandos, nem temos sabores de somenos.
Temos logrado meios de diminuir,
graduar a intensidade, graças ao invento de aparelhos que nos aumentam os
sentidos, quais o microscópio, o telescópio, o telefone etc. É por não
guardarem intensidade constante que as percepções
diminuem insensivelmente, até não mais poderem ficar presentes ao espírito,
caindo, assim, “abaixo dos domínios da consciência”.
2 – A duração – O tempo necessário para que uma sensação seja percebida, ou por outra, para que o espírito tome
conhecimento do movimento perispiritual, foi determinado há uma trintena de
anos para as diversas percepções.
A do som faz-se ao fim de 0,16”
a 0,14”; a do tato em 0,21” a 0,18”; a da luz em 0,20” a 0,22”.
Para o mais simples ato de
discernimento, o mais próximo do reflexo, temos 0,02” a 0,04”.
Se bem que os resultados variem
conforme os experimentadores, as pessoas, as circunstâncias e a natureza dos
atos psíquicos estudados, ficou, pelo menos, estabelecido que cada ato psíquico
requer uma duração apreciável, e que a pretensa velocidade infinita do
pensamento não passa de metáfora.
Isto posto, é claro que toda
ação nervosa, cuja duração seja inferior à requerida pela ação psíquica, não
pode despertar a consciência. Para que uma sensação
se torne consciente é imprescindível que o movimento perispiritual tenha uma
certa duração, sem o que se fará o registro sem que a alma tenha dele conhecimento.
Tal como o fazemos em relação à
intensidade, notaremos que um ato inicialmente dificultoso, e que demanda um
certo tempo, torna-se mais fácil e mais rápido, quanto mais repetido. Ao fim de
muitas repetições, o tempo exigido será tão curto que o eu não mais o percebe e ele se torna, então, inconsciente.
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