sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Pobreza também é um fenômeno psicológico, diz professor[1]


João Pedro Caleiro, de EXAME.com

 São Paulo - Pela primeira vez na história, a parcela de pessoas que vivem em extrema pobreza no mundo ficou abaixo dos 10%, de acordo com o Banco Mundial.
Mais de 1 bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema desde 1990. A meta da ONU (Organização das Nações Unidas) é erradicar o problema até 2030.
As armas para isso são bem conhecidas: crescimento econômico com distribuição de renda e programas sociais com garantia de acesso a serviços básicos.
Ao invés da suposta oposição entre "dar o peixe" ou "ensinar a pescar", os últimos estudos têm pensado a pobreza como um fenômeno de várias dimensões - inclusive a psicológica.
Não significa dizer que os pobres são culpados pela pobreza, e sim que ela molda o cérebro com certos incentivos difíceis de entender por quem nunca passou por ela.
Alguns exemplos: o que significa pensar no futuro quando você não sabe se terá o que comer amanhã? Qual é o valor do chamado autocontrole quando suas recompensas são incertas? Dá para fazer boas decisões com fome?
"Quem não é pobre tem o luxo de pensar em resultados de longo prazo porque suas necessidades imediatas já estão supridas; as pessoas pobres, não", diz o professor de psicologia americano Elliot Berkman.
Como diretor do Laboratório de Neurociência Social e Afetiva da Universidade do Oregon, ele estuda como o cérebro é parte da armadilha da pobreza e pode prejudicar até quem já conseguiu escapar dela.
Por e-mail, Berkman respondeu a algumas perguntas de EXAME.com. Veja a seguir:
 
EXAME.com - Quais são as diferenças na estrutura psicológica de pessoas pobres e não pobres?
Elliot Berkman - Não são diferenças na estrutura, e sim nos fatores salientes para quem é pobre ou não pobre e que contam nas suas decisões.
Quem não é pobre tem o luxo de pensar em resultados de longo prazo porque suas necessidades imediatas já estão supridas; as pessoas pobres não tem esse luxo, ou pelo menos não no mesmo grau.
 
EXAME.com - Por que é difícil para um indivíduo na pobreza praticar o autocontrole?
Berkman - Isso depende da sua definição de autocontrole. Uma definição comum entre psicólogos é escolher o longo prazo em detrimento do curto.
Um exemplo disso é ver o que uma pessoa faz com 5 dólares - ela gasta agora ou guarda para depois? Se alguém está faminto e gasta isso para comer agora, é correto chamar isso de falta de autocontrole? É essencialmente o que muitas sociedades fazem.
EXAME.com - Você diz que a pobreza faz as pessoas viverem sempre no "agora". Isso não é algo positivo?
Berkman - Entre pessoas de classe média ou alta, existe uma idealização da ideia de "viver no momento" baseado em práticas de atenção e consciência.
Mas este foco no presente deve ser voluntário e não forçado; caracterizado por uma abertura à experiência e não por uma luta constante para sobreviver ao dia.
E mesmo entre quem tem recursos suficientes para não precisar pensar na próxima refeição, o foco no presente não é sempre a melhor ideia. Algumas horas você precisa pensar no futuro e antecipar obstáculos.
 
EXAME.com - Você pode dar alguns exemplos de barreiras psicológicas que se fazem presentes mesmo quando as pessoas conseguem escapar da pobreza?
Berkman - Muitas são relacionadas ao aprendizado. Uma criança que cresceu pobre pode não saber como guardar dinheiro ou se planejar para o futuro.
Não é algo que se aprenda na escola. Se os pais não te ensinarem a criar uma conta de poupança para a faculdade, não há porque esperar que alguém saiba como fazer isso.
Atletas profissionais nos Estados Unidos são um bom exemplo: muitos cresceram pobres, e mesmo sendo espertos de forma geral, muitos acabam torrando quantias enormes de dinheiro simplesmente porque não sabem economizar e se planejar.
 
EXAME.com - Isso tem relação com o conceito de "exaustão cognitiva", a ideia de que as preocupações graves da pobreza consomem os recursos mentais e levam a decisões ruins, como mostram alguns estudos importantes?
Berkman - Talvez. A "exaustão cognitiva" ou "esgotamento do ego" é sempre demonstrada em laboratório e geralmente não é comparando pessoas pobres ou não pobres.
O esgotamento do ego pode ter mais a ver com manter algum equilíbrio entre "trabalho" e "diversão", ou com pessoas sentindo que já satisfizeram o experimentador e perderam a motivação de trabalhar duro.
Em contraste, pessoas pobres frequentemente tem muita motivação para trabalhar duro e ter vários empregos. É que elas colocam o foco na sobrevivência no momento presente ao invés do sucesso de longo prazo.
 
EXAME.com - O que pode ser feito, de uma perspectiva de política pública, para ajudar as pessoas pobres a superarem estes obstáculos?
Berkman - A resposta mais óbvia seria garantir que ninguém precise se preocupar se vai sobreviver até o final do dia, o que significa garantir para todos comida, abrigo e talvez até uma renda mínima.
Libertar as pessoas da preocupação da sobrevivência diária é a melhor forma de garantir que eles foquem no futuro.
Educação sobre orientação futura também é um bom plano: literalmente, ensinar as pessoas a pensar e planejar para o futuro já seria um grande avanço.
 
Matéria publicada em Exame.com, em 22 de outubro de 2015.
 
Jorge Hessen[2] comenta
O problema da pobreza é muito diverso e complexo. Talvez o ser pobre significa ter falta de segurança e estabilidade, portanto não é só uma questão de carência de dinheiro. O mundo atual tem alguns vencedores e muitos perdedores. Os pobres se encaixam na categoria dos perdedores, daqueles que não podem surfar na onda de mudança e que, de certa forma, são esmagados por ela.
A palavra “pobre” deriva do latim pauper, radicado em paucus (pouco). No conceito original, “pobre” não era o deserdado, mas o terreno agrícola ou gado que não produzia o suficiente. Sob outro ponto de vista, entre alguns grupos, especificamente os religiosos, a pobreza é considerada como necessária e desejável, e deve ser aceita para alcançar um certo nível espiritual, moral ou intelectual.
Nesse aspecto, o papa Francisco assevera que a Igreja deve articular com a verdade e também com o testemunho da pobreza. Não é possível que um fiel fale de pobreza e dos sem teto e leve uma vida de faraó. Na Igreja há alguns que, ao invés de servir, de pensar nos demais, se servem da Igreja. São os arrivistas, os apegados ao dinheiro. Quantos padres e bispos deste tipo já vimos? É triste dizer, não? Pronunciei o pontífice ao jornal holandês "Straatnieuws", de Utrecht.
A pobreza é considerada como um elemento essencial de renúncia por budistas e jainistas enquanto que para o catolicismo romano, como vimos acima, é um princípio evangélico e é assumido como um voto por várias ordens religiosas e é entendida de várias formas. A ordem franciscana, por exemplo, abandona tradicionalmente todas as formas de posse de bens. Neste caso, a pobreza voluntária é normalmente entendida como um benefício para o indivíduo, uma forma de autodisciplina através do qual as pessoas se aproximam de Deus.
O professor de psicologia Elliot Berkman, diretor do Laboratório de Neurociência Social e Afetiva da Universidade do Oregon/EUA, estuda como o cérebro é parte da armadilha da pobreza. As pessoas pobres frequentemente têm muita motivação para trabalhar duro e ter vários empregos porque colocam o foco na sobrevivência no momento presente ao invés do sucesso de longo prazo. Libertar as pessoas da preocupação da sobrevivência diária é a melhor forma de garantir que eles foquem no futuro. Afiança Berkman.
Para o Espiritismo, a pobreza, tal como a riqueza, nada mais é que uma prova pela qual o Espírito necessita passar, tendo em vista um objetivo mais alto que é o seu progresso. Deus concede, pois, a uns a prova da riqueza, e a outros a da pobreza, para experimentá-los de modos diferentes. A pobreza é, para os que a sofrem, a prova da paciência e da resignação.
Ao que nasce na pobreza é dado aprender o valor do trabalho árduo, resistir às tentações do ganho fácil, descobrir os valores reais do espírito, e não raro se vê entre os pobres as mais dignas demonstrações de solidariedade. Na pobreza aprendemos a nos compadecer dos males alheios fazendo-nos compreendê-los melhor.
É evidente que a desigual repartição de bens materiais, culturais e políticos exclui um vasto número de pessoas deserdadas dos processos de participação e consente a coexistência em formas inumanas de sobrevivência e de insignificante protagonismo social. Por isso mesmo, diante dos deserdados, a nossa primeira e obrigatória ação deve ser a do auxílio.
Mas primeiramente suavizemos o sofrimento dos pobres, abraçando-o fraternalmente, manifestando de tal modo o nosso sentimento de acolhida a fim de estabelecer o laço de confiança essencial e poder ajudá-los. Em seguida, nos informemos a respeito da situação transitória de seu sofrimento. Dessa forma, não cairemos nas armadilhas que consideram o pobre como “coitadinho’, não vendo nele as potencialidades de Espírito imortal e de indivíduo capaz de, com as devidas oportunidades, prover dignamente a própria existência”.
Aliás, a síndrome do “coitadinho” é uma das moléstias oportunistas mais comuns da sociedade atual, onde muitos deserdados têm medo de encarar a vida de frente e de cabeça erguida, sendo maduros e responsáveis. A principal característica de uma pessoa que sofre da síndrome do “coitadinho” é colocar-se como “vítima” das circunstâncias, e como tal passa a ideia de que a culpa de sua pobreza é dos outros. Aliás, os arautos das ideias do socialismo ATEU adoram fazer isso!
Diante dos pobres, procuremos nos informar de suas lutas materiais e verifiquemos se a oferta de trabalho e de orientação espírita não será mais eficaz do que a aviltante doação da esmola em seu favor. Recordando aqui que a esmola dentro da lógica assistencialista é uma ação que atende a deficiência material sem o móvel educativo e que envilece a humanidade do sujeito, adestrando-o à condição da mendicância ou da dependência. Como tal, não atende ao projeto regenerador do Espiritismo para Humanidade.
Não se pode esquecer que a Lei do Trabalho e do Progresso, promulgada em O Livro dos Espíritos, relata justamente a importância de o indivíduo romper com o acomodamento e ultrapassar os obstáculos existenciais, o que inclui buscar sair também da penúria material (pobreza) através de seu esforço.


[2] Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.

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