domingo, 8 de novembro de 2015

O ALVO DA VIDA[1]



Por esses dados, em torno de nós se estabelece a ordem; o nosso caminho se esclarece; mais distinto se mostra o alvo da vida. Sabemos o que somos e para onde vamos.
Desde então não devemos mais procurar satisfações materiais, porém trabalhar com ardor pelo nosso adiantamento. O supremo alvo é a perfeição; o caminho que para lá conduz é o progresso. Estrada longa que se percorre passo a passo. À proporção que se avança, parece que o alvo longínquo recua, mas, em cada passo que dá, o ser recolhe o fruto de seus trabalhos, enriquece a sua experiência e desenvolve as suas faculdades.
Nossos destinos são idênticos. Não há privilegiados nem deserdados. Todos percorrem a mesma vasta carreira e, através de mil obstáculos, todos são chamados a realizar os mesmos fins. Somos livres, é verdade, livres para acelerar ou para afrouxar a nossa marcha, livres para mergulhar em gozos grosseiros, para nos retardarmos durante vidas inteiras nas regiões inferiores; mas, cedo ou tarde, acorda o sentimento do dever, vem a dor sacudir-nos a apatia, e, forçosamente, prosseguiremos a jornada.
Entre as almas só há diferenças de graus, diferenças que lhes é lícito transpor no futuro. Usando do livre-arbítrio, nem todos havemos caminhado com o mesmo passo, e isso explica a desigualdade intelectual e moral dos homens; mas todos, filhos do mesmo Pai, nos devemos aproximar d'Ele na sucessão das existências, para formar com os nossos semelhantes uma só família, a grande família dos bons Espíritos que povoam o Universo.
Estão banidas do mundo as Ideias de paraíso e de inferno eterno. Nesta imensa oficina, só vemos seres elevando-se por seus próprios esforços ao seio da harmonia universal. Cada qual conquista a sua situação pelos próprios atos, cujas consequências recaem sobre si mesmo, ligam-no e prendem. Quando a vida é entregue às paixões e fica estéril para o bem, o ser se abate; a sua situação se apouca. Para lavar manchas e vícios, deverá reencarnar nos mundos de provas e ali purificar-se pelo sofrimento. Cumprida a purificação, sua evolução recomeça. Não há provações eternas, mas sim reparações proporcionadas às faltas cometidas. Não temos outro juiz nem outro carrasco a não ser a nossa consciência, pois essa consciência, assim que se desprende das sombras materiais, torna-se um julgador terrível. Na ordem moral como na física só há efeitos e causas, que são regidos por uma lei soberana, imutável, Infalível. Esta lei regula todas as vidas. O que, em nossa ignorância, chamamos injustiça da sorte não é senão a reparação do passado. O destino humano é um pagamento do débito contraído entre nós mesmos e para com essa lei.
A vida atual é a consequência direta, inevitável das nossas vidas passadas, assim como a nossa vida futura será a resultante das nossas ações presentes, da nossa maneira de viver. Vindo animar um corpo novo, a alma traz consigo, em cada renascimento, a bagagem das suas qualidades e dos seus defeitos, todos os tesouros acumulados pela obra do passado. Assim, na série das vidas, construímos por nossas próprias mãos o nosso ser moral, edificamos o nosso futuro, preparamos o meio em que devemos renascer, o lugar que devemos ocupar.
Pela lei da reencarnação, a soberana justiça reina sobre os mundos. Cada ser, chegando a possuir-se em sua razão e em sua consciência, torna-se o artífice dos próprios destinos. Constrói ou desmancha, à vontade, as cadeias que o prendem à matéria. Os males, as situações dolorosas que certos homens sofrem, explicam-se pela ação desta lei. Toda vida culpada deve ser resgatada. Chegará a hora em que as almas orgulhosas renascerão em condições humildes e servis, em que o ocioso deve aceitar penosos labores. Aquele que fez sofrer sofrerá a seu turno.
Porém, a alma não está para sempre ligada a esta Terra obscura. Depois de ter adquirido as qualidades necessárias, deixa-a e vai para mundos mais elevados. Percorre o campo dos espaços, semeado de esferas e de sóis. Ser-lhe-á arranjado um lugar no seio das humanidades que os povoam. E, progredindo ainda nesses novos meios, ela, sem cessar, aumentará a sua riqueza moral e o seu saber. Depois de um número incalculável de vidas, de mortes, de renascimentos, de quedas e de ascensões, liberta das reencarnações, gozará vida celeste, tomará parte no governo dos seres e das coisas, contribuindo com suas obras para a harmonia universal e para a execução do plano divino.
Tal é o mistério de psique — a alma humana —, mistério admirável entre todos. A alma traz gravada em si mesma a lei dos seus destinos. Aprender a soletrar os seus preceitos, aprender a decifrar esse enigma, eis a verdadeira ciência da vida. Cada farrapo arrancado ao céu da ignorância que a cobre, cada faísca que adquire do foco supremo, cada conquista sobre si mesma, sobre suas paixões, sobre seus instintos egoísticos permite-lhe uma alegria pura, uma satisfação íntima, tanto mais viva quanto maior for o trabalho executado.
Eis aí o céu prometido aos nossos esforços. O céu não está longe de nós, mas, sim, conosco. Felicidades íntimas ou remorsos pungentes, o homem traz, nas profundezas do ser, a própria grandeza ou a miséria consequente dos seus atos. As vozes harmoniosas ou severas que em si percebe são as intérpretes fiéis da grande lei, tanto mais potentes e imperiosas quanto mais elevado ele estiver na escala dos aperfeiçoamentos infinitos. A alma é um mundo em que se confundem ainda sombras e claridades, mundo cujo estudo atento faz-nos cair de surpresa em surpresa. Em seus recônditos todas as potências estão em germe, esperando a hora da fecundação para se desdobrarem em feixes de luz. A medida que ela se purifica, suas percepções aumentam. Tudo o que nos encanta em seu estado presente, os dons do talento, os fulgores do gênio, tudo isso nada é, comparado ao que um dia adquirirá, quando tiver atingido as supremas altitudes espirituais.
Já possui imensos recursos ocultos, sentidos íntimos, variados e sutis, fontes de vivas impressões, mas o pesado e grosseiro invólucro embaraça-lhe quase sempre o exercício.
Somente algumas almas eleitas, destacadas por antecipação das coisas terrestres, depuradas pelo sacrifício, sentem as primícias desse mundo; todavia, não encontram palavras para descrever as sensações que as enlevam, e os homens, em sua ignorância da verdadeira natureza da alma e das suas potências latentes, os homens têm escarnecido disso que julgam ilusões e quimeras.



[1] Depois da morte – Léon Denis

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