Stevens Rehen
Alicia Ivanissevich - 04/11/2015
Ciência
Hoje entrevista o neurocientista brasileiro Stevens Rehen[2],
que se dedica ao estudo de células-tronco pluripotentes. Ele apresenta as
vantagens da produção de minicérebros e outros organoides para a pesquisa sobre
o corpo humano e discute as questões éticas envolvidas, além de comentar
estudos recentes nessa área.
Seu reino é o laboratório. Ali,
observa, analisa e propõe estratégias para estudar vários tipos de doenças em
nível celular. Cultiva neurônios humanos e minicérebros para avaliar traços
típicos de transtornos mentais. Seu grupo de pesquisa é o que mais publica na
área de células-tronco reprogramadas no país. O neurocientista brasileiro
Stevens Rehen, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e pesquisador do instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), pode ser
considerado hoje ‘o senhor das células-tronco pluripotentes’ no Brasil e, por
que não, dos ‘organoides’.
Chefe do Laboratório Nacional de
Células-tronco Embrionárias do Rio de Janeiro (LaNCE) do Instituto de Ciências
Biomédicas da UFRJ desde 2009, Rehen acredita que estamos vivendo uma revolução
na biologia e que já começamos a colher os frutos de uma medicina
personalizada, que adotará medicamentos desenvolvidos especificamente para o
paciente, com mais eficácia e menos efeitos colaterais.
Nesta entrevista à Ciência Hoje, ele fala das conquistas
que alcançou e das dificuldades que enfrenta em suas pesquisas com
células-tronco.
Sua equipe está usando células
reprogramadas para estudar estratégias que ajudem a tratar transtornos como a
esquizofrenia, a epilepsia e o TDAH [transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade]. Antes de falarmos sobre suas pesquisas, gostaria que nos
contasse um pouco da história dessas células.
Estamos vivendo uma grande
revolução nas áreas biomédicas e biológicas por conta da possibilidade de utilizar
células reprogramadas [células do próprio paciente induzidas a se transformar
em qualquer célula do corpo]. Modelos biológicos buscam reproduzir situações
que sabemos que ocorrem no nosso corpo, uma vez que em muitas pesquisas é
impossível trabalhar diretamente com humanos. Por isso é que usamos células,
animais ou tecidos pós-morte; porém, cada um desses modelos tem suas
limitações. Muitas das células utilizadas não são humanas ou não são aquelas
afetadas nas doenças estudadas; e muitos resultados descritos originalmente nos
modelos animais não se repetem em seres humanos. Por exemplo, uma substância
pode ser tóxica para animais e não para humanos, e vice-versa. Além disso, os
cultivos celulares em geral são feitos em 2D – com as células acomodadas em
cima de uma placa. Com a reprogramação celular, surgiu a possibilidade de criar
tecidos e tipos celulares especializados que têm o mesmo material genético da
própria pessoa doadora. É o melhor dos mundos ter o modelo mais próximo ou
fidedigno daquilo que queremos estudar sobre o ser humano.
Com a reprogramação celular,
surgiu a possibilidade de criar tecidos e tipos celulares especializados que
têm o mesmo material genético da própria pessoa doadora.
Como se cultivam
tecidos em 3D ou organoides?
Hoje se fala muito em
organoides, minicérebros, minifígados etc., mas esse tipo de preparação teve
início na década de 1950. Aaron Moscona, então na Universidade de Chicago
[EUA], desenvolveu um modelo inovador para estudar como células interagiam
entre si. Ele separava células de embrião de galinha e depois as juntava
novamente. As células se reorganizavam em agregados com estrutura semelhante à
original. Podemos dizer que Moscona foi o primeiro a trabalhar com organoides.
Fernando Garcia de Mello, do
Instituto de Biofísica da UFRJ, foi outro pioneiro. Ele cultivava células de
retina de embrião de galinha, que formavam agregados com as mesmas camadas
existentes na retina. Esses agregados também eram organoides! Era fascinante!
Acompanhei de perto o trabalho do Fernando e equipe quando comecei minha
iniciação científica no laboratório do Rafael Linden, na década de 1990.
Em 2000, fui para os Estados
Unidos e comecei a cultivar cérebros de camundongos fetais no laboratório de
Jerold Chun, na Universidade da Califórnia, em San Diego. Os cérebros eram
divididos em dois: um hemisfério para cada lado. Um deles foi tratado com o
ácido lisofosfatídico (LPA) e observamos que era capaz de formar os giros e
sulcos tão característicos do córtex cerebral de humanos. Em outras palavras,
descobrimos que essa substância contribuía para a formação das dobraduras do
cérebro.
O cientista japonês Yoshiki
Sasai, por sua vez, foi um dos pioneiros na criação de organoides humanos. Mais
recentemente, entraram em cena Madeline Lancaster, do Medical Research Council
[Inglaterra] e Jürgen Knoblich, do Institute of Molecular Biotechnology
[Áustria], que elevaram o cultivo de minicérebros humanos a outro nível.
Quais são as vantagens
desses organoides com relação a outros modelos de pesquisa?
A equipe de Flora Vaccarino, da
Escola de Medicina Yale [EUA], comparou organoides cerebrais de pacientes
autistas com controles e demonstrou que há um grande desbalanço neuroquímico.
Lancaster observou alterações no crescimento de organoides criados a partir de
células reprogramadas de pacientes com microcefalia. Isso seria impossível de
ser observado em cultivos celulares 2D pela falta da complexidade peculiar aos
organoides.
As concentrações [de
elementos-traço relacionados a dieta e transtornos mentais] observadas em
cérebros humanos reais são muito próximas daquelas presentes nos organoides
cerebrais criados em laboratório, o que corrobora a ideia de que são bons
modelos do cérebro humano.
Você já publicou
artigos que envolvem pesquisas com minicérebros?
Com minicérebros humanos, temos
um submetido à publicação e outros sendo finalizados. Desenvolvemos um
protocolo um pouco diferente daquele usado por M. Lancaster, com rendimento
superior para a geração de organoides. A professora Simone Cardoso, do Instituto
de Física da UFRJ, levou esses nossos organoides para o Laboratório Nacional de
Luz Síncrotron, em Campinas, para estudar a presença ou ausência de alguns
elementos-traço que têm relação com dieta e transtornos mentais. Fizemos a
primeira caracterização desses elementos. O interessante foi notar que as
concentrações observadas em cérebros humanos reais são muito próximas daquelas
presentes nos organoides cerebrais criados em laboratório, o que corrobora a
ideia de que são bons modelos do cérebro humano. Agora precisamos aguardar para
saber se os revisores também gostaram desses resultados [risos].
Quais são as
implicações éticas dessa abordagem de pesquisa – o uso de minicérebros?
Há várias e é natural que
existam. Lembro-me de quando se discutiu no Supremo Tribunal Federal (STF) a
Lei de Biossegurança, que autoriza a utilização para pesquisa de embriões
humanos congelados há mais de três anos, que seriam descartados pelas clínicas,
com anuência dos gestores. Aquilo foi um exemplo da delimitação de um novo
limite ético criado pela ciência. Um dos pontos debatidos na ocasião foi sobre
qual seria um marco para definir o início da vida. Esse marco pode ser o começo
de formação do sistema nervoso central – a partir do 14° dia de gestação.
Perguntas que surgem agora: já é
possível criar um protótipo tridimensional desse sistema nervoso central? Com o
progresso na confecção dos minicérebros, os mesmos conseguirão gerar
‘pensamentos’, ou se comunicar, ou ter consciência? Podemos especular também
sobre a possibilidade de unir chips e dispositivos eletrônicos a esse tecido
cerebral organizado no laboratório e assim criar computadores humanoides, com
um grau de processamento bem mais elevado. Por enquanto, ainda é ficção
científica e, ao mesmo tempo, uma provocação. Afinal, quando começa a vida?
[2] Stevens Rehen é pesquisador da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e, desde 2009, está à frente do Laboratório Nacional de
Células-tronco Embrionárias.
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