quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A lei dos destinos[1] - 2




As considerações que acabamos de fazer demonstram que, para assegurar a depuração fluídica e o bom estado moral do ser, tem-se de estabelecer uma disciplina do pensamento, de se seguir uma higiene da alma, assim como é preciso observar uma higiene física para manter a saúde do corpo. Em virtude da ação constante do pensamento e da vontade sobre o perispírito, vê-se que a retribuição é absolutamente perfeita. Cada um colhe o fruto imperecível de suas obras passadas e presentes; colhe-o, não por efeito de uma causa exterior, mas por um encadeamento que liga em nós mesmos o pesar à alegria, o esforço ao êxito, a culpa ao castigo. É, pois, na intimidade secreta de nossos pensamentos e na viva luz de nossos atos que devemos procurar a causa eficiente da nossa situação presente e futura.
Colocamo-nos segundo nossos méritos e no meio ao qual nos chamam nossos antecedentes. Se somos infelizes, é porque não temos suficiente perfeição para gozar de melhor sorte; mas nosso destino irá melhorando na medida em que soubermos fazer nascer em nós mais desinteresse, justiça e amor. O ser deve aperfeiçoar, embelezar incessantemente sua natureza íntima, aumentar o valor próprio, construir o edifício da consciência – tal é o fim de sua elevação.
Cada um de nós possui a disposição particular a que os druidas chamavam awen, isto é, a aptidão primordial de todo ser para realizar uma das formas especiais do pensamento divino. Deus depositou no íntimo da alma os germens de faculdades poderosas e variadas; todavia, há uma das formas de seu gênio que, acima de todas as outras, é chamada a desenvolver com trabalho contínuo até que a tenha levado a seu ponto de excelência. Essas formas são inumeráveis. São os aspectos múltiplos da inteligência, da sabedoria e da beleza eternas: a música, a poesia, a eloquência, o dom da invenção, a previsão do futuro e das coisas ocultas, a ciência ou a força, a bondade, o dom de educação, o poder de curar etc.
Ao projetar a entidade humana, o pensamento divino impregna-a mais particularmente de uma dessas forças e assina-lhe, por isso mesmo, um papel especial no vasto concerto universal.
As missões do ser, seu destino e sua ação na evolução geral ir-se-ão definindo cada vez mais no sentido de suas próprias aptidões, a princípio latentes e confusas no começo de sua carreira, mas que vão despertar, crescer, acentuar-se à medida que ele for percorrendo a imensa espiral. As intuições e as inspirações que ele receber do Alto corresponderão a esse lado especial de seu caráter. Consoante suas necessidades e apelos, será sob essa forma que ele perceberá, em seu íntimo, a melodia divina.
Assim, Deus, da variedade infinita dos contrastes, sabe fazer brotar a harmonia tanto na Natureza como no seio da humanidade.
E se a alma abusar desses dons, se os aplicar às obras do mal, se, por causa deles, conceber vaidade ou orgulho, ser-lhe-á preciso, como expiação, renascer em organismos impotentes para sua manifestação. Viverá, gênio desconhecido, humilhado entre os homens, por tanto tempo quanto seja necessário a que a dor triunfe dos excessos da personalidade e lhe permita continuar o voo sublime, a carreira, por um momento interrompida, para o ideal.
Almas humanas que percorreis estas páginas, elevai os vossos pensamentos e resoluções à altura das tarefas que vos tocam. As vias para o infinito abrem-se, semeadas de maravilhas inexauríveis, diante de vós. A qualquer ponto que o voo vos leve, aí vos aguardam objetos de estudo com mananciais inesgotáveis de alegrias e deslumbramentos de luz e beleza. Por toda parte e sempre, horizontes inimagináveis suceder-se-ão aos horizontes percorridos.
Tudo é beleza na obra divina. Reservado vos está, em vossa ascensão, apreciar os inumeráveis aspectos, risonhos ou terríveis, desde a flor delicada até os astros rutilantes, assistir às eclosões dos mundos e das humanidades; sentireis, ao mesmo tempo, desenvolver-se vossa compreensão das coisas celestiais e aumentar vosso desejo ardente de penetrar em Deus, de vos mergulhardes nele, em sua luz, em seu amor; em Deus, nossa origem, nossa essência, nossa vida!
A inteligência humana não pode descrever os futuros que pressente, as ascensões que entrevê. Nosso Espírito, encarcerado num corpo de argila, nos laços de um organismo perecível, não pode encontrar nele os recursos necessários para exprimir esses esplendores; a expressão ficará sempre aquém das realidades. A alma, em suas intuições profundas, tem a sensação das coisas infinitas, de que participa e às quais aspira. Seu destino é vive-las e gozá-las cada vez mais. Mas, em vão procuraria exprimi-las com o balbuciar da fraca linguagem humana, debalde se esforçaria por traduzir as coisas eternas na linguagem da Terra. A palavra é impotente, mas a consciência evolvida percebe as radiações sutis da vida superior.
Dia virá em que a alma engrandecida dominará o tempo e o espaço. Um século não será para ela mais do que um instante na duração e, num lampejo do seu pensamento, transporá os abismos do céu. Seu organismo sutil, apurado em milhares de vidas, há de vibrar a todos os sopros, a todas as vozes, a todos os apelos da imensidade. Sua memória mergulhará nas idades extintas. Poderá reviver à vontade tudo o que tiver vivido, chamar a si as almas queridas que compartilharam de suas alegrias e de suas dores e juntar-se a elas.
Porque todas as afeições do passado se encontram e se ligam na vida do espaço, contraem-se novas amizades e, de camada em camada, uma comunhão mais forte reúne os seres numa unidade de vida, de sentimento e de ação.
Crê, ama, espera, homem, meu irmão, depois, exerce tua atividade! Aplica-te a fazer passar para tua obra os reflexos e as esperanças de teu pensamento, as aspirações de teu coração, as alegrias e as certezas de tua alma imortal. Comunica tua fé às Inteligências que te cercam e participam de tua vida, a fim de que te secundem na tua tarefa e de que, por toda a Terra, um esforço poderoso erga o fardo das opressões materiais, triunfe das paixões grosseiras, abra larga saída aos voos do Espírito.
Uma ciência nova e restaurada – não mais a ciência dos preconceitos, das práticas rotineiras, dos métodos acanhados e envelhecidos, mas uma ciência aberta a todas as pesquisas, a todas as investigações, a ciência do invisível e do Além – virá fecundar o ensino, esclarecer o destino, fortificar a consciência. A fé na sobrevivência edificar-se-á sob mais belas formas, assentes na rocha da experiência e desafiando toda crítica.
Uma arte mais idealista e pura, iluminada por luzes que não se apagam, imagem da vida radiosa, reflexo do Céu entrevisto, virá regozijar e vivificar o espírito e os sentidos. Sucederá o mesmo com as religiões, as crenças e os sistemas.
No voo do pensamento para elevar-se das verdades de ordem relativa às verdades de ordem superior, elas chegarão a aproximar-se, a juntar-se, a fundir-se para fazer das múltiplas crenças do passado, hostis ou mortais, uma fé viva que há de reunir a humanidade num mesmo impulso de adoração e prece.
Trabalha com todas as potências de teu ser por preparar essa evolução. É mister que a atividade humana se dirija com mais intensidade para os caminhos do espírito. Depois da humanidade física, é indispensável criar a humanidade moral; depois dos corpos, as almas! O que se conquistou em energias materiais, em forças externas, perdeu-se em conhecimentos profundos, em revelações do sentido íntimo. O homem está vitorioso do mundo visível; as aberturas praticadas no universo físico são imensas; restam-lhe as conquistas do mundo interior, o conhecimento de sua própria natureza e do segredo de seu esplêndido porvir.
Não discutas, pois, mas trabalha. A discussão é vã, estéril é a crítica. Mas a obra pode ser grande, se consistir em te engrandeceres a ti mesmo, engrandecendo os outros, em fazeres o teu ser melhor e mais belo. Porque não deves esquecer que para ti trabalhas, trabalhando para todos, associando-te à tarefa comum. O universo, como tua alma, renova-se, perpetua-se, embeleza-se sem cessar pelo trabalho e pela reciprocidade. Deus, aperfeiçoando sua obra, goza dela como tu gozas da tua, embelezando-a. Tua obra mais bela é tu mesmo. Com teus esforços constantes podes fazer de tua inteligência, de tua consciência, uma obra admirável, de que gozarás indefinidamente. Cada uma de tuas vidas é um cadinho fecundo do qual deves sair apto para tarefas, para missões cada vez mais altas, apropriadas às tuas forças e cada uma das quais será tua recompensa e tua alegria.
Assim, com tuas mãos irás, dia a dia, moldando teu destino. Renascerás nas formas que teus desejos constroem, que tuas obras geram, até que teus desejos e apelos te tenham preparado formas e organismos superiores aos da Terra. Renascerás nos meios que preferes, junto dos seres queridos, que já estiveram associados a teus trabalhos, a tuas vidas, e que viverão contigo e para ti, como tu reviverás com eles e para eles.
Terminada que seja tua evolução terrestre, quando tiveres exaltado tuas faculdades e tuas forças a um grau de suficiente capacidade, quando tiveres esvaziado a taça dos sofrimentos, das amarguras e das felicidades que nos oferece este mundo, quando lhe houveres sondado as ciências e crenças, comungado com todos os aspectos do gênio humano, subirás então com teus amados para outros mundos mais belos, mundos de paz e harmonia.
Volvidos ao pó, teus últimos despojos terrestres, chegada às regiões espirituais tua essência purificada, tua memória e tua obra hão de amparar ainda os homens, teus irmãos, em suas lutas, em suas provações, e poderás dizer com a alegria de uma consciência tranquila: “Minha passagem na Terra não foi estéril; não foram vãos meus esforços!”


[1] O Problema do Ser, do destino e da dor – Léon Denis

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