As considerações que acabamos de
fazer demonstram que, para assegurar a depuração fluídica e o bom estado moral
do ser, tem-se de estabelecer uma disciplina do pensamento, de se seguir uma
higiene da alma, assim como é preciso observar uma higiene física para manter a
saúde do corpo. Em virtude da ação constante do pensamento e da vontade sobre o
perispírito, vê-se que a retribuição é absolutamente perfeita. Cada um colhe o
fruto imperecível de suas obras passadas e presentes; colhe-o, não por efeito
de uma causa exterior, mas por um encadeamento que liga em nós mesmos o pesar à
alegria, o esforço ao êxito, a culpa ao castigo. É, pois, na intimidade secreta
de nossos pensamentos e na viva luz de nossos atos que devemos procurar a causa
eficiente da nossa situação presente e futura.
Colocamo-nos segundo nossos
méritos e no meio ao qual nos chamam nossos antecedentes. Se somos infelizes, é
porque não temos suficiente perfeição para gozar de melhor sorte; mas nosso
destino irá melhorando na medida em que soubermos fazer nascer em nós mais
desinteresse, justiça e amor. O ser deve aperfeiçoar, embelezar incessantemente
sua natureza íntima, aumentar o valor próprio, construir o edifício da
consciência – tal é o fim de sua elevação.
Cada um de nós possui a
disposição particular a que os druidas chamavam awen, isto é, a aptidão primordial de todo ser para realizar uma
das formas especiais do pensamento divino. Deus depositou no íntimo da alma os
germens de faculdades poderosas e variadas; todavia, há uma das formas de seu
gênio que, acima de todas as outras, é chamada a desenvolver com trabalho
contínuo até que a tenha levado a seu ponto de excelência. Essas formas são
inumeráveis. São os aspectos múltiplos da inteligência, da sabedoria e da beleza
eternas: a música, a poesia, a eloquência, o dom da invenção, a previsão do
futuro e das coisas ocultas, a ciência ou a força, a bondade, o dom de
educação, o poder de curar etc.
Ao projetar a entidade humana, o
pensamento divino impregna-a mais particularmente de uma dessas forças e assina-lhe,
por isso mesmo, um papel especial no vasto concerto universal.
As missões do ser, seu destino e
sua ação na evolução geral ir-se-ão definindo cada vez mais no sentido de suas
próprias aptidões, a princípio latentes e confusas no começo de sua carreira,
mas que vão despertar, crescer, acentuar-se à medida que ele for percorrendo a
imensa espiral. As intuições e as inspirações que ele receber do Alto
corresponderão a esse lado especial de seu caráter. Consoante suas necessidades
e apelos, será sob essa forma que ele perceberá, em seu íntimo, a melodia divina.
Assim, Deus, da variedade
infinita dos contrastes, sabe fazer brotar a harmonia tanto na Natureza como no
seio da humanidade.
E se a alma abusar desses dons,
se os aplicar às obras do mal, se, por causa deles, conceber vaidade ou
orgulho, ser-lhe-á preciso, como expiação, renascer em organismos impotentes
para sua manifestação. Viverá, gênio desconhecido, humilhado entre os homens,
por tanto tempo quanto seja necessário a que a dor triunfe dos excessos da
personalidade e lhe permita continuar o voo sublime, a carreira, por um momento
interrompida, para o ideal.
Almas humanas que percorreis
estas páginas, elevai os vossos pensamentos e resoluções à altura das tarefas
que vos tocam. As vias para o infinito abrem-se, semeadas de maravilhas inexauríveis,
diante de vós. A qualquer ponto que o voo vos leve, aí vos aguardam objetos de
estudo com mananciais inesgotáveis de alegrias e deslumbramentos de luz e
beleza. Por toda parte e sempre, horizontes inimagináveis suceder-se-ão aos
horizontes percorridos.
Tudo é beleza na obra divina.
Reservado vos está, em vossa ascensão, apreciar os inumeráveis aspectos,
risonhos ou terríveis, desde a flor delicada até os astros rutilantes, assistir
às eclosões dos mundos e das humanidades; sentireis, ao mesmo tempo, desenvolver-se
vossa compreensão das coisas celestiais e aumentar vosso desejo ardente de
penetrar em Deus, de vos mergulhardes nele, em sua luz, em seu amor; em Deus,
nossa origem, nossa essência, nossa vida!
A inteligência humana não pode
descrever os futuros que pressente, as ascensões que entrevê. Nosso Espírito,
encarcerado num corpo de argila, nos laços de um organismo perecível, não pode
encontrar nele os recursos necessários para exprimir esses esplendores; a
expressão ficará sempre aquém das realidades. A alma, em suas intuições
profundas, tem a sensação das coisas infinitas, de que participa e às quais
aspira. Seu destino é vive-las e gozá-las cada vez mais. Mas, em vão procuraria
exprimi-las com o balbuciar da fraca linguagem humana, debalde se esforçaria
por traduzir as coisas eternas na linguagem da Terra. A palavra é impotente,
mas a consciência evolvida percebe as radiações sutis da vida superior.
Dia virá em que a alma
engrandecida dominará o tempo e o espaço. Um século não será para ela mais do
que um instante na duração e, num lampejo do seu pensamento, transporá os abismos
do céu. Seu organismo sutil, apurado em milhares de vidas, há de vibrar a todos
os sopros, a todas as vozes, a todos os apelos da imensidade. Sua memória
mergulhará nas idades extintas. Poderá reviver à vontade tudo o que tiver
vivido, chamar a si as almas queridas que compartilharam de suas alegrias e de
suas dores e juntar-se a elas.
Porque todas as afeições do
passado se encontram e se ligam na vida do espaço, contraem-se novas amizades
e, de camada em camada, uma comunhão mais forte reúne os seres numa unidade de
vida, de sentimento e de ação.
Crê, ama, espera, homem, meu
irmão, depois, exerce tua atividade! Aplica-te a fazer passar para tua obra os
reflexos e as esperanças de teu pensamento, as aspirações de teu coração, as alegrias
e as certezas de tua alma imortal. Comunica tua fé às Inteligências que te
cercam e participam de tua vida, a fim de que te secundem na tua tarefa e de
que, por toda a Terra, um esforço poderoso erga o fardo das opressões
materiais, triunfe das paixões grosseiras, abra larga saída aos voos do
Espírito.
Uma ciência nova e restaurada –
não mais a ciência dos preconceitos, das práticas rotineiras, dos métodos
acanhados e envelhecidos, mas uma ciência aberta a todas as pesquisas, a todas
as investigações, a ciência do invisível e do Além – virá fecundar o ensino,
esclarecer o destino, fortificar a consciência. A fé na sobrevivência
edificar-se-á sob mais belas formas, assentes na rocha da experiência e
desafiando toda crítica.
Uma arte mais idealista e pura,
iluminada por luzes que não se apagam, imagem da vida radiosa, reflexo do Céu
entrevisto, virá regozijar e vivificar o espírito e os sentidos. Sucederá o
mesmo com as religiões, as crenças e os sistemas.
No voo do pensamento para
elevar-se das verdades de ordem relativa às verdades de ordem superior, elas
chegarão a aproximar-se, a juntar-se, a fundir-se para fazer das múltiplas crenças
do passado, hostis ou mortais, uma fé viva que há de reunir a humanidade num
mesmo impulso de adoração e prece.
Trabalha com todas as potências
de teu ser por preparar essa evolução. É mister que a atividade humana se
dirija com mais intensidade para os caminhos do espírito. Depois da humanidade física,
é indispensável criar a humanidade moral; depois dos corpos, as almas! O que se
conquistou em energias materiais, em forças externas, perdeu-se em
conhecimentos profundos, em revelações do sentido íntimo. O homem está
vitorioso do mundo visível; as aberturas praticadas no universo físico são
imensas; restam-lhe as conquistas do mundo interior, o conhecimento de sua
própria natureza e do segredo de seu esplêndido porvir.
Não discutas, pois, mas
trabalha. A discussão é vã, estéril é a crítica. Mas a obra pode ser grande, se
consistir em te engrandeceres a ti mesmo, engrandecendo os outros, em fazeres o
teu ser melhor e mais belo. Porque não deves esquecer que para ti trabalhas,
trabalhando para todos, associando-te à tarefa comum. O universo, como tua
alma, renova-se, perpetua-se, embeleza-se sem cessar pelo trabalho e pela
reciprocidade. Deus, aperfeiçoando sua obra, goza dela como tu gozas da tua, embelezando-a.
Tua obra mais bela é tu mesmo. Com teus esforços constantes podes fazer de tua
inteligência, de tua consciência, uma obra admirável, de que gozarás indefinidamente.
Cada uma de tuas vidas é um cadinho fecundo do qual deves sair apto para
tarefas, para missões cada vez mais altas, apropriadas às tuas forças e cada
uma das quais será tua recompensa e tua alegria.
Assim, com tuas mãos irás, dia a
dia, moldando teu destino. Renascerás nas formas que teus desejos constroem,
que tuas obras geram, até que teus desejos e apelos te tenham preparado formas
e organismos superiores aos da Terra. Renascerás nos meios que preferes, junto
dos seres queridos, que já estiveram associados a teus trabalhos, a tuas vidas,
e que viverão contigo e para ti, como tu reviverás com eles e para eles.
Terminada que seja tua evolução
terrestre, quando tiveres exaltado tuas faculdades e tuas forças a um grau de
suficiente capacidade, quando tiveres esvaziado a taça dos sofrimentos, das amarguras
e das felicidades que nos oferece este mundo, quando lhe houveres sondado as
ciências e crenças, comungado com todos os aspectos do gênio humano, subirás
então com teus amados para outros mundos mais belos, mundos de paz e harmonia.
Volvidos ao pó, teus últimos
despojos terrestres, chegada às regiões espirituais tua essência purificada,
tua memória e tua obra hão de amparar ainda os homens, teus irmãos, em suas lutas,
em suas provações, e poderás dizer com a alegria de uma consciência tranquila:
“Minha passagem na Terra não foi estéril; não foram vãos meus esforços!”
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