O esforço para a aquisição da
experiência da própria identidade humanizada leva o indivíduo ao processo
valioso do autodescobrimento. Enquanto empreende a tarefa do trabalho para a
aquisição dos valores de consumo isola-se, sem contribuir eficazmente para o
bem-estar do grupo social, no qual se movimenta. Os seus empreendimentos
levam-no a uma negação da comunidade a benefício pessoal, esperando recuperar
esta dívida, quando os favores da fortuna e da projeção lhe facultarem o desfrutar
do prazer, da aposentadoria regalada. As suas preocupações giram em torno do
imediatismo, da ambição do triunfo sem resposta de paz interior. A sociedade,
por sua vez, ignora-o, pressentindo nele um usurpador.
De alguma forma é levado ao
competitivismo individualista, criando um clima desagradável. A sua ascensão
será possível mediante a queda de outrem, mesmo que o não deseje. Torna-se,
assim, um adversário natural. O seu produto vende na razão direta em que
aumentam as necessidades dos outros e a sua prosperidade se erige como consequência
da contribuição dos demais. Não
cessam as suas atividades na luta pelo ganha-pão.
Naturalmente, esse comportamento
passa a exigir, depois de algum tempo, que o indivíduo se associe a outro,
formando uma empresa maior ou um clube de recreação, ignorando-se interiormente
e buscando, sem cessar, as aquisições de fora. A ansiedade, o medo, a solidão
íntima tornam-se-lhe habituais, uma de cada vez, ou simultaneamente,
desgastando-o, amargurando-o.
O homem, pela necessidade de
afirmar-se no empreendimento a que se vincula, busca atingir o máximo, aspira
por ser o número um e logra-o, às vezes.
A marcha inexorável do tempo,
porém, diminui-lhe as resistências, solapando-lhe a competitividade, sendo
substituído pelos novos competidores que o deixam à margem. Mesmo que ele haja
alcançado o máximo, os sócios atuais consideram-no ultrapassado, prejudicial à
Organização por falta de atualidade e os filhos concedem-lhe postos honrosos,
recreações douradas, lucros, desde que não interfira nos negócios... Ocorre-lhe
a inevitável descoberta sobre a sua inutilidade, isto produzindo-lhe choque
emocional, angústia ou agressividade sistemática, em mecanismo de defesa do que
supõe pertencer-lhe.
O homem, realmente não se
conhece. Identifica e persegue metas exteriores. Camufla os sentimentos
enquanto se esfalfa na realização pessoal, sem uma correspondente identificação
íntima.
A experiência, em qualquer caso,
é um meio propiciador para o autoconhecimento, em razão das descobertas que
enseja àquele que tem a mente aberta aos valores morais, internos. Ela
demonstra a pouca significação de muitas conquistas materiais, econômicas e
sociais diante da inexorabilidade da morte, da injunção das enfermidades,
especialmente as de natureza irreversível, dos golpes afetivos, por
defrontar-se desestruturado, sem as resistências necessárias para suportar as
vicissitudes que a todos surpreendem.
O homem possui admiráveis
recursos interiores não explorados, que lhe dormem em potencial, aguardando o
desenvolvimento. A sua conquista faculta-lhe o autodescobrimento, o encontro
com a sua realidade legítima e, por efeito, com as suas aspirações reais,
aquelas que se convertem em suporte de resistência para a vida, equipando-o com
os bens inesgotáveis do espírito.
Necessário recorrer a alguns
valores éticos morais, a coragem para decifrar-se, a confiança no êxito, o amor
como manifestação elevada, a verdade que está acima dos caprichos seitistas e
grupais, que o pode acalmar sem o acomodar, tranquiliza-lo sem o desmotivar
para a continuação das buscas.
Conseguida a primeira meta, uma
nova se lhe apresenta, e continuamente, por considerar-se o infinito da
sabedoria e da Vida.
É do agrado de algumas
personalidades neuróticas, fugirem de si mesmas, ignorarem-se ou não saberem
dos acontecimentos, a fim de não sofrerem. Ledo engano! A fuga aturde, a
ignorância amedronta, o desconhecido produz ansiedade, sendo, todos estes,
estados de sofrimento.
O parto produz dor, e recompensa
com bem-estar, ensejando vida.
O autodescobrimento é também um
processo de parto, impondo a coragem para o acontecimento que libera.
Examinar as possibilidades com
decisão e enfrenta-las sem mecanismos desculpistas ou de escape, constitui o
passo inicial.
Édipo, na tragédia de Sófocles,
deseja conhecer a própria origem. Levado mais pela curiosidade do que pela
coragem, ao ser informado que era filho do rei Laio, a quem matara, casando-se
com Jocasta, sua mãe, desequilibra-se e arranca os olhos. Cegando-se, foge à
sua realidade, ao autodescobrimento e perde-se, incapaz de superar a dura
verdade.
A verdade é o encontro com o
fato que deve ser digerido, de modo a retificar o processo, quando danoso, ou
prosseguir vitalizando-o, para que se o amplie a benefício geral.
Ignorando-se, o homem se mantém
inseguro. Evitando aceitar a sua origem tomba no fracasso, na desdita.
Ademais, a origem do homem é de
procedência divina. Remontar aos pródromos da sua razão com serena decisão de
descobrir-se, deve ser-lhe um fator de estímulo ao tentame. O reforço de coragem
para levantar-se, quando caía, o ânimo de prosseguir, se surgem conspirações
emocionais que o intimidam, fazem parte de seu programa de enriquecimento
interior.
O autoencontro enseja
satisfações estimuladoras, saudáveis. Esse esforço deve ser acompanhado pela
inevitável confiança no êxito, porquanto é ambição natural do ser pensante
investir para ganhar, esforçar-se para colher resultados bons.
Certamente, não vem
prematuramente o triunfo, nem se torna necessário. Há ocasião para semear,
empreender, e momento outro para colher, ter resposta. O que se não deve temer
é o atraso dos resultados, perder o estímulo porque os frutos não se apresentam
ou ainda não trazem o agradável sabor esperado. Repetir o tentame com a lógica
dos bons efeitos, conservar o entusiasmo, são meios eficazes para identificar
as próprias possibilidades, sempre maiores quanto mais aplicadas.
Ao lado do recurso da confiança
no êxito, aprofunda-se o sentimento de amor, de interesse humano, de
participação no grupo social, com resultado em forma de respeito por si mesmo,
de afeição à própria pessoa como ser importante que é no conjunto geral.
Discute-se muito, na atualidade, a questão das conquistas éticas e morais,
intentando-se explicar que a falta de sentimento e de amor responde pelos desatinos
que aturdem a sociedade. Têm razão, aqueles que pensam desta forma. Todavia,
parece-nos que a causa mais profunda do problema se encontra na dificuldade do
discernimento em torno dos valores humanos. O questionamento a respeito do que
é essencial e do que é secundário inverteu a ordem das aspirações, confundindo
os sentimentos e transformando a busca das sensações em realização fundamental,
relegando-se a plano inferior as expressões da emoção elevada, na qual, o belo,
o ético, o nobre se expressam em forma de amor, que não embrutece nem violenta.
A experiência do amor é
essencial ao autodescobrimento, pois que, somente através dele se rompem as
couraças do ego, do primitivismo, predominante ainda em a natureza humana. O
amor se expande como força cocriadora, estimulando todas as expressões e formas
de vida. Possuidor de vitalidade, multiplica-a naquele que o desenvolve quanto
na pessoa a quem se dirige. Energia viva, pulsante, é o próprio hálito da Vida
a sustenta-la. A sua aquisição exige um bem direcionado esforço que deflui de
uma ação mental equilibrada.
Na incessante busca da unidade,
ora pela ciência que tenta chegar à Causalidade Universal, ou através do
mergulho no insondável do ser, podemos afirmar que os equipamentos que
proporcionaram a desintegração do átomo, complexos e sofisticados, foram
conseguidos com menor esforço, em nosso ponto de vista, do que a força interior
necessária para a implosão do ego, em que busque a plenitude.
A formidanda energia detectada
no átomo, propiciadora do progresso, serviu, no começo, para a guerra, e ainda
constitui ameaça destruidora, porque aqueles que a penetraram, não realizaram
uma equivalente aquisição no sentimento, no amor, que os levaria a pensar mais
na humanidade do que em si e nos seus.
Amar torna-se um hábito
edificante, que leva à renúncia sem frustração, ao respeito sem submissão
humilhante, à compreensão dinâmica, por revelar-se uma experiência de alta
magnitude, sempre melhor para quem o exterioriza e dele se nutre.
Na realização do cometimento
afetivo surge o desafio da verdade, que é a meta seguinte.
Ninguém deterá a verdade, nem a
terá absoluta. Não nos referimos somente à verdade dos fatos que a ciência
comprova, mas àquela que os torne verazes: verdade como veracidade, que depende
do grau de amadurecimento da pessoa e da sua coragem para assumi-la.
Quando se trata de uma verdade
científica, ela depende, para ser aceita, da honestidade de quem a apresenta,
dos seus valores morais. Indispensável, para tanto, a probidade de quem a
revela, não sendo apenas fruto da cultura ou do intelecto, porém, de uma alta
sensibilidade para percebê-la. Defrontamo-la em pessoas humildes culturalmente,
mas probas, escasseando em indivíduos letrados, porém hábeis na arte de
sofismar.
A verdade faculta ao homem o
valor de recomeçar inúmeras vezes a experiência equivocada até acertá-la.
Erra-se tanto por ignorância
como pela rebeldia. Na ignorância, mesmo assim, há sempre uma intuição do que é verdadeiro, face à
presença íntima de Deus no homem. A rebeldia gera a má fé, o que levou
Nietzsche a afirmar com certo azedume: “Errar é covardia!”, face à opção cômoda
de quem elege o agradável do momento, sem o esforço da coragem para lutar pelo
que é certo e verdadeiro.
A aquisição da verdade amadurece
o homem, que a elege e habitua-se à sua força libertadora, pois que, somente há
liberdade real, se esta decorre daquela que o torna humilde e forte, aberto a
novas conquistas e a níveis superiores de entendimento.
[1] O Homem
Integral – Joanna de Ângelis /Divaldo
Franco – BA, Centro Espírita Caminho da Redenção, 1990
Nenhum comentário:
Postar um comentário