Fatalidade biológica, a morte é
fenômeno habitual da vida. Na engrenagem molecular, associam-se e desagregam-se
partículas, transformando-se através do impositivo que as constitui, face à
finalidade específica de cada uma. Por efeito, o mesmo ocorre com o corpo, no
que resulta o fenômeno conhecido como morte.
Desinformado quanto aos
mecanismos da forma e da funcionalidade orgânica, desestruturado
psicologicamente, o homem teme a morte, em razão do atavismo representativo do
fim da vida, da consumpção do ser.
Em variadas culturas primitivas
e contemporâneas, para fugir-se à realidade desta inevitável ocorrência, foram
criados cerimoniais e cultos religiosos que pretendem diminuir o infausto
acontecimento, escamoteando-o, ao tempo em que se adorna o morto de esperança quanto à sobrevivência.
Em muitas sociedades do passado,
era comum colocar-se entre os dentes dos falecidos uma moeda de ouro, para
recompensar o barqueiro encarregado de conduzi-lo à outra margem do rio da
Vida. Na Grécia, particularmente, este uso se tornou normal, objetivando
compensar a avareza de Caronte, que ameaçava deixar vagando os não-pagantes,
quando da travessia do rio Estige, segundo a sua Mitologia.
Modernamente, repetindo o
embalsamamento em que se notabilizaram os egípcios, nas Casas dos Mortos, busca-se embelezar os defuntos para que deem a
impressão de vida e bem-estar, assim liberando os vivos dos temores e das
reminiscências amargas. Todavia, por mais se mascare a verdade, chega o momento
em que todos a enfrentam sem escapismo, convidados a vivenciá-la. A morte é um
fenômeno ínsito da vida, que não pode ser desconsiderado.
Neuroses e psicoses graves se
estabelecem no indivíduo em razão do medo da morte, paradoxalmente, nas
expressões maníaco-depressivas, levando o paciente a suicidar-se ante o temor
de a aguardar.
Numa análise psicológica
profunda, o homem teme a morte, porque receia a vida. Transfere,
inconscientemente, o pavor da existência física para o da destruição ou
transformação dos implementos que a constituem. Acostumado a evadir-se das
responsabilidades, mediante os mecanismos desculpistas, o inexorável
acontecimento da morte se lhe torna um desafio que gostaria de não defrontar,
por consciência, quiçá, de culpa, passando a detestar esse enfrentamento.
Para fugir, mergulha na
embriaguez dos sentidos consumidores e das emoções perturbadoras, abreviando o
tempo pelo desgaste das energias mantenedoras do corpo físico.
O homem, acreditando-se
previdente e ambicioso, aplica o tempo na preparação do futuro e na preservação
do presente. Entretanto, poderia e deveria investir parte dele na reflexão do
fenômeno da morte, de modo a considera-lo natural e aguardá-lo com tranquila
disposição emocional. Nem o desejando ou, sequer, evitando driblá-lo.
A educação que se lhe ministra
desde cedo, face ao mesmo atavismo apavorante da morte, é centrada no prazer
nas delícias do ego, nas vantagens que pode retirar do corpo, sem a
correspondente análise de temporalidade e fragilidade de que se revestem.
Graças a essa inadvertência espocam-lhe os conflitos, as fobias, a insegurança.
Um momento diário de análise, em
torno da vida física, predispõe a criatura a projetar o pensamento para mais
além do portal de cinza e de lama em que se deteriora a organização somática.
Tudo, no mundo físico, é
impermanente, e tal impermanência pode ser vista sob duas formas: a exterior ou
grosseira, e a interior ou sutil.
Nada é sempre igual, embora a
aparência que preserva nos períodos de tempo diferentes. Por isto mesmo, tudo
se encontra em incessante alteração no campo das micropartículas até o instante
em que a forma se modifica — fase sutil de impermanência. Um objeto que se
arrebenta e um corpo, vegetal, animal e humano, que morre, passam pela fase da
transição exterior grosseira para uma outra estrutura, experimentando a morte.
A morte, todavia, não elimina o continuum da consciência, após a
disjunção cadavérica.
Se, desde cedo, cria-se o hábito
da meditação a respeito da consciência sobrevivente, independente do corpo, a
morte perde o seu efeito tabu de
aniquiladora, odienta destruidora do ideal, do ser, da vida.
O tradicional enigma do que
acontece após a morte deve ser de interesse relevante para o homem que,
meditando, encontra o caminho para decifrá-lo. Deixar-se arrastar pelo pavor ou
não lhe dar qualquer importância constituem comportamentos alienantes.
A curiosidade pelo desconhecido,
a tendência de investigar os fenômenos novos são atrações para a mente
perquiridora, que encontra recursos hábeis para os cometimentos.
A intuição da vida, o instinto
de preservação da existência, as experiências psíquicas do passado e
parapsicológicas do presente atestam que a morte é um veículo de transferência do ser energético pensante, de uma fase ou
estágio vibratório para outro, sem expressiva alteração estrutural da sua
psicologia. Assim, morre-se como se vive, com os mesmos conteúdos psicológicos
que são os alicerces (inconsciência) do eu racional (consciência).
Nesta panorâmica da vida (no
corpo) e da morte (do corpo) ressalta um fator decisivo no comportamento
humano: o apego à matéria, com as consequentes emoções perturbadoras e extratos
do comportamento contaminados, jacentes na personalidade.
Sob um ponto de vista, a
manifestação do instinto de conservação
é valiosa, por limitar os tresvarios do homem que, diante de qualquer
vicissitude, apelaria para o suicídio, qual acontece com certos psicopatas. De
certo modo, frenado, inconscientemente, enfrenta os problemas e supera-os com a
ação eficiente do seu esforço dirigido corretamente.
Por outro lado, os
esclarecimentos religiosos, embora a multiplicidade dos seus enfoques,
demonstrando que a morte é período de transição entre duas fases da vida,
contribuem para demitizar o pavor do aniquilamento.
Definitivamente, as experiências
psíquicas, parapsicológicas e mediúnicas, provocadas ou naturais, têm trazido
importante contribuição para equacionar o problema da morte, dando sentido à
existência.
Conscientizando-se, o homem, da
continuidade do ser pensante após as transformações do corpo através da morte
da forma, alteram-se lhe, totalmente, os conceitos sobre a vida e a sua conduta
no transcurso da experiência orgânica.
De qualquer forma, reservar
espaços mentais para o desapego das coisas, das pessoas e das posições,
analisando a inevitabilidade da morte, que obriga o indivíduo a tudo deixar, é
uma terapia saudável e necessária para um trânsito feliz pelo mundo objetivo.
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