Segue
trechos da entrevista de Divaldo Franco do livro Conversando com Divaldo
Pereira Franco editado pela Federação Espírita do Paraná sobre as obras
espíritas.
FEP: O movimento espírita tem sido invadido por uma enxurrada de
publicações que trazem a informação de serem mediúnicas. Temos visto que os
dirigentes, vários deles, não utilizam qualquer critério de seleção
doutrinária. O que nos aconselha?
Divaldo: O nosso pudor em torno do Index Expurgatorius da
Igreja Romana leva-nos, sem nos darmos conta, a uma tolerância conivente. Como
não nos é lícito estabelecer um mapa de obras que mereçam ser estudadas em
detrimento daquelas que trazem informações inautênticas em torno dos postulados
espíritas, muitos dirigentes, inadvertidamente, divulgam obras que prejudicam
mais a compreensão do Espiritismo do que aclaram.
É
muito comum dizer: mas é muito boa! Mas, muito boa, porém não uma obra espírita
e no que diz respeito à mediunidade, a mediunidade ficou tão barateada, tão
vulgarizada, que perdeu aquele critério com que Allan Kardec a estuda em “O
Livro dos Médiuns”.
O
médium é médium desde o berço. Os fenômenos nos médiuns ostensivos começam na
infância e quando têm a felicidade de receber a diretriz da Doutrina, torna-se
o que Chico Xavier denominava com muita beleza: mediunidade com Jesus. O que
equivaleria dizer: a mediunidade ética, a mediunidade responsável, criteriosa,
a mediunidade que não se permite os desvios do momento, os modismos.
Mas
a mediunidade natural pode surgir em qualquer época e ela surge como
inspiração. O indivíduo pode cultivá-la, desenvolve-la naturalmente.
Vem
ocorrendo uma coisa muito curiosa, pela qual, alguns espíritas desavisados, de
alguma maneira, são responsáveis: se o livro é de um autor encarnado, não se
lê, porque como se ele não tivesse autoridade de expender conceitos em torno da
Doutrina. Mas, se é um livro mediúnico, ele traz um tipo de mística, de uma
chancela, e as pessoas logo acham que é o máximo. Adotam esse livro como um
Vade Mecum, trazendo coisas que chocam porque vão de encontro aos postulados
básicos do espiritismo.
Entra
agora uma coisa que é profundamente perturbadora: o interesse comercial. Vender
o livro sob a justificativa de que as Casas Espíritas necessitam de recursos.
Para atender as necessidades, vendem obras de autoajuda, de esoterismo, de
outras doutrinas, quando deveríamos cuidar de divulgar as obras do Espiritismo,
tendo um critério de coerência.
Quando
visitei Paris pela primeira vez, em 1967, eu fui ver e conhecer a Union Spirite
Française que ficava na Rua Copernique, número 8. Era período de férias, agosto
a setembro, praticamente a Europa fecha-se e a França, principalmente. A Union
estava fechada. Chamou-me a atenção as vitrinas que exibiam obras: não tinha
uma espírita. Eram obras esotéricas, eram obras hinduístas, eram obras de
Madame Blavatsky. São todas respeitáveis, mas não temos compromisso com elas. O
nosso compromisso é com Jesus e com Kardec, sem nenhum fanatismo e sem nenhuma
restrição pelas outras obras, que consideramos valiosas para cultura, para
ampliação do entendimento. Mas, temos que optar por conhecer a Doutrina que
professamos.
Verificamos,
neste momento, essa enxurrada perniciosa, porque saem mais de cinquenta títulos
de obras pseudomediúnicas por mês, pelo menos que nos chegam através dos
catálogos, tornando-se impossíveis de serem lidas. O que ocorre? Eu recebo
entre 10 e 20 solicitações mensais, pedindo aos Espíritos prefácios para obras
que ainda estão sendo elaboradas. A pressa desses indivíduos de projetar a
imagem, de entrarem nesse pódium do sucesso é tão grande que ainda não
terminaram de psicografar - quando é psicográfica - ou de transcrevê-la, quando
é inspirada, ou de escrevê-la, quando é de próprio punho, de própria concepção,
já preocupado com o prefácio. Eu lhes digo: Bom, aos Espíritos eu não faço
solicitações. Peço desculpas por não poder mandar o prefácio desejado. Espere,
pelo menos, concluir o trabalho. Pode ser que eu morra, pode ser que você morra
e pode ser que o Guia reencarne antes de terminar a obra.
É
uma onda de perturbação para minar-nos por dentro. O Codificador nos recorda
que os piores inimigos estão no próprio Movimento, o que torna muito difícil a
chamada seleção natural. Nós deveremos ter muito cuidado ao examinar esses
livros. Penso que as instituições deveriam ter uma comissão para lê-los,
avaliar a sua qualidade e divulgá-los ou não, porquanto as pessoas incautas ou
desconhecedoras do Espiritismo fascinam-se com ideias verdadeiramente absurdas.
Tenho
ouvido e visto declarações pessoais de médiuns que dizem não serem espíritas e
não terem nenhum vínculo com qualquer “ismo”; são livres atiradores e as suas
obras são vendidas nos Centros Espíritas, porque vendem muito. Até amigos muito
queridos têm, em suas livrarias, nos Centros Espíritas que frequentam, essas
obras que são romances interessantes, como os antigos romances de Agatha
Christie, de M. Dellyt e tais. Mas essas obras não são espíritas, embora
ditadas por um Espírito, mas ditadas ao computador.
Essas
obras são muito interessantes, ninguém contesta, mas o tempo que se gasta,
lendo-as, é um desvio do tempo de aprendizagem da Doutrina Espírita. As pessoas
ficam sempre à margem, não se aprofundam. Observo, em nossa Instituição, pelas
perguntas infantis que me fazem.
É
necessário que procuremos divulgar a Doutrina, conforme nós a herdamos do
ínclito Codificador e das entidades venerandas, que preservaram essa Doutrina
extraordinária, para que nós possamos contribuir com a construção de um mundo
melhor.
A
respeito desses livros que proliferam, me causam surpresa, quando amigos com
quarenta, cinquenta anos de idade, pessoas lúcidas, pessoas cultas, que nunca
foram médiuns, ou, pelo menos, jamais o disseram, escrevem livros até ingênuos,
que nem são bons nem são maus, e rotulam como mediúnicos e passam a vender,
porque são mediúnicos.
Realmente,
a questão deve ser muito bem estudada, inclusive, penso, que pelo Conselho
Federativo Nacional para se tomar uma providência. Não de cercear-se a
liberdade — não temos esse direito, mas pelo menos de esclarecer os leitores e
procurar demonstrar quais são as características de uma obra espírita e as
características de uma obra imaginativa.
Um
dos livros mais vendidos, dito mediúnico, tem verdadeiras aberrações, em que a
entidade fez do mundo espiritual uma cópia do mundo físico, ao invés de o mundo
físico ser uma cópia do mundo espiritual. Inverteu, porque o Espírito está tão
físico no mundo espiritual! E um Espírito do sexo feminino, que tem os fluxos
catamênicos no mundo espiritual e que vai ao banheiro e dá descarga!
Outras
obras, igualmente muito graves, falam de relacionamentos sexuais para
promoverem reencarnação no Além. Ora, a palavra reencarnação já caracteriza
tomar um corpo de carne. Como reencarnar no Além, no mundo de energia, de
fluidos, onde não existe a carne? O Além, com ninhos de passarinhos
multiplicando-se, em que as aves vêm, chocam e nascem os filhotinhos. Não é que
estejamos contra qualquer coisa, mas é que são delírios, pura fascinação.
Acredito
que alguns desses médiuns são médiuns autênticos. Ocorre que eles não perderam
a mediunidade, a sua faculdade mediúnica é que mudou de mãos, daquelas
entidades respeitáveis para as entidades frívolas que estão criando verdadeiros
embaraços, porque em determinados seminários, palestras, fazem perguntas
diretas e ficamos numa situação delicada, porque citam os nomes. Toda vez que
dizem os nomes eu me recuso responder. Numa pergunta em tese muito bem, mas
declinar nomes, não. Não tenho esse direito de levar alguém ao escárnio.
Dessa
forma, o problema é mais grave do que parece, porque muitos também estão
fazendo disso profissão, embolsam o resultado das vendas. Enquanto outros
justificam obras de má qualidade, por terem um objetivo nobre: ajudar obras de
assistência social. Os meios não justificam os fins.
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