quinta-feira, 11 de junho de 2015

O primeiro lugar e o homem indispensável[1]



Na área dos conflitos psicológicos a competição surge, quase sempre, como estímulo, a fim de fortalecer a combalida personalidade do indivíduo que, carente de criatividade, apega-se às experiências exitosas que outros realizaram, para impor-se e, assim, enfrentar as próprias dificuldades, escamoteando-as com o esforço que se aplica na conquista do que considera meta de triunfo.
Ambicionando a realização pessoal e temendo o insucesso que, afinal, é um desafio à resistência moral e à sua perseverança no ideal, prefere disputar as funções e cargos à frente, sem qualquer escrúpulo, em luta titânica, na qual se desgasta, esperando compensações externas, monetárias e de promoção social, assim massageando o ego, ambicioso e frágil.
O homem que age desta forma, está sempre um passo atrás da sua vítima provável, que de nada suspeita e ajuda-o, estimula-o até padecer-lhe a injunção ousada quão lamentável.
Por sua vez, o triunfador não se apercebe que no degrau deixado vago, já alguém assoma utilizando-se dos mesmos artifícios ou mascarando-os com os olhos postos no seu trono passageiro.
A competição saudável, em forma de concorrência, fomenta o progresso, multiplica as opções, abre espaços para todos que, criativos, propõem variações do mesmo produto, novidades, ideias originais, renovação de mercado.
De outra forma, as personalidades conflituosas, arquitetando planos de segurança, apegam-se ao trabalho que realizam, às empresas onde laboram, crendo-se indispensáveis, responsáveis pelo primeiro lugar que conseguiram com sacrifício, e transferem-se, psicologicamente, para a sua Entidade. Somente se sentem felizes e compensadas quando discutem o seu trabalho, a sua execução, a sua importância. O lar, a família, o repouso, as férias se descobrem, porque não preenchem as falsas necessidades do ego exacerbado. Respiram o clima de preocupação do trabalho em toda parte e vivem em função dele.
Sentem o triunfo após os anos de lutas exaustivas, e informam que, a sua saída seria uma tragédia, um caos para a organização, já que são pessoas chaves, molas mestras, sem as quais nada funciona, ou se tal se dá é precariamente.
Não percebem que o tempo escoa na ampulheta das horas, os métodos de ação se renovam, o cansaço os vence, a vitalidade diminui e, no degrau, imediatamente inferior, já está o competidor, jovem ambicioso aguardando, disputando, aprendendo a sua técnica e mais bem equipado do que ele, em condições de substituí-lo com vantagens. A sua cegueira não lhes permite enxergar. Quando o observam, deprimem-se, revoltam-se contra os limites orgânicos inexoráveis, utilizando-se de artifícios para prosseguirem.
Dão-se conta que passaram a ser constrangimento no trabalho, que pensavam pertencer-lhes, lamentando-se, queixando “que deram a vida e agora colhem ingratidão”. Certamente, os homens indispensáveis doaram a vida como fuga de si mesmos e ofereceram-na a um ser sem alma, sem coração, que apenas objetiva lucros, portanto, insensível, impessoal... Ali, os filhos substituem os pais, expulsam-nos, jovialmente, sob a alegação de que estes merecem o justo repouso, as viagens de férias que nunca tiveram; aposentam-nos. Livram a Empresa deles, de sua dominação, não mais condizente com os tempos modernos. Eles foram bons e úteis no começo, não mais agora, quando começam a emperrar a máquina do progresso, a impedirem, por inadaptação óbvia, o curso do crescimento e desenvolvimento da entidade...
Assim, chega o momento da realidade para o homem que ocupa o primeiro lugar, o indispensável. É convidado a solicitar a aposentadoria, quando não é jubilado sem maior consideração.
Surpreso, diz-se em condições de prosseguir. Afirma que ainda é jovem; quer trabalhar; dispõe de saúde... O silêncio constrangedor adverte-o que não há mais outra alternativa. Ele foi usado como peça de engrenagem empresarial que, desgastada, deve ser substituída de imediato a benefício geral. Oportunamente, a benefício da organização, ele tomara a mesma atitude em relação a outros funcionários, que foram afastados.
A amargura domina-o, o ressentimento enfurece-o e a frustração, longamente adiada, assoma e o conduz à depressão.
As interrogações sucedem-se. “E agora? Que fazer da vida, do tempo?”
Como não cultivou outros valores, outros interesses, arroja-se ao fosso da autodestruição, egoisticamente, esquecido dos familiares e amigos, afinal, aos quais nunca deu maior importância nem valorização. Afasta-se mais do convívio social e, não raro, suicida-se, direta ou indiretamente. A empresa não lhe sente a falta, prossegue em funcionamento.
Somente quem realizou uma boa estrutura de personalidade, enfrenta com razoável tranquilidade o choque de tal natureza, para o qual se preparou, antevendo o futuro e programando-se para enfrenta-lo, transferindo-se de uma ação para outra, de uma empresa para um ideal, de uma máquina para um grupamento humano respirável, emotivo, pensante.
Ninguém é indispensável em lugar nenhum. O primeiro de agora será dispensável amanhã, assim como o último de hoje, possivelmente, estará no comando no futuro. A morte, a cada momento, demonstra-o.
A polivalência das aspirações é reflexo de normalidade, de equilíbrio comportamental, de harmonia da personalidade, convidando o homem a buscar sempre e mais.
A desincumbência do dever reflete-lhe o valor moral e a nobreza da sua consciência. Segurar as rédeas da dominação em suas mãos fortes, denota insegurança íntima, crise de conduta.
O homem tem o dever de abraçar ideais de enobrecimento pessoal e grupal, participar, envolver-se emocionalmente, fazer-se presente na comunidade, como complemento da sua conduta existencial.
A criatura terrena está em viagem pela Terra, e todo trânsito, por mais demorado, sempre termina. Ninguém se engane e não engane a outros.
Uma autoanálise cuidadosa, uma reflexão periódica a respeito dos valores reais e aparentes, a meditação sobre os objetivos da vida concedem pautas e medidas para a harmonia, para o êxito real do ser.
A finalidade da existência corporal é a conquista dos valores eternos, e o êxito consiste em lograr o equilíbrio entre o que se pensa ter e o que se é realmente, adquirindo a estabilidade emocional para permanecer o mesmo, na alegria como na tristeza, na saúde conforme na enfermidade, no triunfo qual sucede no fracasso.
Quem consiga a ponderação para discernir o caminho, e o percorra com tranquilidade, terá começado a busca do êxito que, logo mais, culminará com alegria.



[1] O Homem Integral – Joanna de Ângelis/Divaldo Franco – Bahia: Centro Espírita Caminho da Redenção, 1990

Nenhum comentário:

Postar um comentário