terça-feira, 23 de junho de 2015

O problema do espaço[1]



O espaço é de vital importância para a movimentação dos seres, especialmente do homem.
Experiências de laboratório demonstram que, em uma área circunscrita, na qual convivem bem alguns exemplares de ratos, à medida que aumenta o seu número, neles se manifesta a agressividade, até o momento em que, tornando-se mínimo o espaço para a movimentação, os roedores lutam, dominados por violenta ferocidade que os leva a dizimar-se.
Graças a isto, nas cidades e lugares outros superpopulosos, o respeito pela criatura e à propriedade desaparece, aumentando, progressivamente, a violência e o crime, que se dão as mãos, em explosões de sandices inimagináveis.
A diminuição do espaço retira a liberdade, restringindo-a, na razão do volume daqueles que o ocupam, o que dá margem à promiscuidade no relacionamento das pessoas, com o consequente desrespeito entre elas mesmas.
Inconscientemente, a preservação do espaço se torna um direito de propriedade, que adquire valores crescentes em relação à sua escassez e localização.
O homem, como qualquer outro animal, luta com todas as forças e por todos os meios para a manutenção da sua posse, a dominação do espaço adquirido e, às vezes, pelo que gostaria de possuir, tombando nas ambições desmedidas, na ganância.
No relacionamento social, cada indivíduo é cioso dos seus direitos, do seu espaço físico e mental, da sua integridade, da sua intimidade, zelando pela independência de ação e conduta nestas áreas comportamentais.
Quando os sentimentos afetivos irrompem e ele deseja repartir a sua liberdade com a pessoa amada, naturalmente espera compartir dos valores que ela possui, numa substituição automática daquilo que irá ceder. Trata-se de uma concessão-recepção, gerando uma ação cooperativista.
A princípio, o encantamento ou a paixão substitui a razão, quebrando um hábito arraigado, sem chance de preenchê-lo por um novo, que exige um período de consciente adaptação para uma convivência agradável, emocionalmente retributiva. Apesar disso, ficam determinados bolsões que não podem ou não devem ser violados, constituindo os remanescentes da liberdade de cada um, o reino inconquistado pelo alienígena.
Nos relacionamentos das pessoas imaturas, os espaços são, de imediato, tomados e preenchidos, tornando a convivência asfixiante, insuportável, logo passam as explosões do desejo ou os artifícios da novidade.
Surgem, nesse período, as discussões por motivos fúteis, que escamoteiam as causas reais, nascendo as mágoas e rancores que separam os indivíduos e, às vezes, os arruínam.
Nas afeições das pessoas amadurecidas psicologicamente, não há predominância de uma vontade sobre a do outro, porém, um bom entrosamento que sugere a eleição da sugestão melhor, sem que ocorra a governança de uma por outra vida, que a submetendo aos seus caprichos comprime-a, estimulando as reações de malquerença silenciosa que explodirá, intempestivamente, em luta calamitosa.
Por isto mesmo, o afeto conquista sem se impor, deixando livres os espaços emocionais, que substituem os físicos cedidos, ampliando-se os limites da confiança, que permite o trânsito tranquilo na sua e na área do ser amado, que lhe não obstaculiza o acesso, o que é, evidentemente, de natureza recíproca.
O homem ou a mulher de personalidade infantil deseja o espaço do outro, sem querer ceder aquele que acredita seu. Quando consegue, limita a movimentação do afeto, a quem deseja subjugar por hábeis maneiras diversas, escondendo a insegurança que é responsável pela ambição atormentada. Se não logra, parte para o jogo dos caprichos, que termina em incompatibilidade de temperamentos, disfarçando as suas reações neuróticas.
A vida feliz é um dar, um incessante receber.
Toda doação gratifica, e nela, embutida, está a satisfação da oferta, que é uma forma de gratulação. Aquele que se recusa a distribuição padece a hipertrofia da emoção retribuída e experimenta carência, mesmo estando na posse do excesso.
Somente doa, cede, quem tem e é livre, interiormente amadurecido, realizado. Assim, mesmo quando não recebe de volta e parece haver perdido o investimento, prossegue pleno, porquanto, somente se perde o que não se tem, que é a posse da usura e não o valor que pode ser multiplicado.
A pessoa se deve acostumar com o seu espaço, liberando-se da propriedade total sobre ele e adaptando-se, mentalmente, à ideia de reparti-lo com outrem, mantendo porém, integral, a sua liberdade íntima, cujos horizontes são ilimitados.
Ademais, deve considerar que os espaços físicos são transitórios, em razão da precariedade da própria vida material, que se interrompe com a morte, transferindo o ser para outra dimensão, na qual os limites tempo e espaço passam a ter outras significações.



[1] O Homem Integral – Joanna de Ângelis/Divaldo Franco

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