Encontram-se, em ambos os sexos,
excelentes médiuns; é à mulher, entretanto, que parecem outorgadas as mais
belas faculdades psíquicas. Daí o eminente papel que lhe está reservado na
difusão do novo Espiritualismo.
Mau grado às imperfeições
inerentes a toda criatura humana, não pode a mulher, para quem a estuda
imparcialmente, deixar de ser objeto de surpresa e algumas vezes de admiração.
Não é unicamente em seus traços pessoais que se realizam, em a Natureza e na Arte,
os tipos da beleza, da piedade e caridade; no que se refere aos poderes
íntimos, à intuição e adivinhação, sempre foi ela superior ao homem. Entre as
filhas de Eva é que obteve a antiguidade as suas célebres videntes e sibilas.
Esses maravilhosos poderes, esses dons do Alto, a Igreja entendeu, na Idade Média,
aviltar e suprimir, mediante os processos instaurados por feitiçaria[2].
Hoje encontram eles sua aplicação,
porque é sobretudo por intermédio da mulher que se afirma a comunhão com a vida
invisível.
Mais uma vez se revela à mulher
em sua sublime função de mediadora, que o é em toda a Natureza. Dela provém à
vida; é ela a própria fonte desta, a regeneradora da raça humana, que não
subsiste e se renova senão por seu amor e seus ternos cuidados. E essa função
preponderante que desempenha no domínio da vida, ainda a vem preencher no
domínio da morte. Mas nós sabemos que a morte e a vida são uma, ou antes, são
as duas formas alternadas, os dois aspectos contínuos da existência.
Mediadora também é a mulher no
domínio das crenças. Sempre serviu de intermediária entre a nova fé que surge e
a fé antiga que definha e vai desaparecendo. Foi o seu papel no passado, nos
primeiros tempos do Cristianismo, e ainda o é na época presente.
O Catolicismo não compreendeu a
mulher, a quem tanto devia. Seus monges e padres, vivendo no celibato, longe da
família, não poderiam apreciar o poder e o encanto desse delicado ser, em quem
enxergavam antes um perigo.
A antiguidade pagã teve sobre
nós a superioridade de conhecer e cultivar a alma feminina. Suas faculdades se
expandiam livremente nos mistérios. Sacerdotisa nos tempos védicos, ao altar
doméstico, intimamente associada, no Egito, na Grécia, na Gália, às cerimônias
do culto, por toda a parte era a mulher objeto de uma iniciação, de um ensino
especial, que dela faziam um ser quase divino, a fada protetora, o gênio do
lar, a custódia das fontes da vida. A essa compreensão do papel que a mulher
desempenha, nela personificando a Natureza, com suas profundas intuições, suas
percepções sutis, suas adivinhações misteriosas, é que foi devida a beleza, a
força, a grandeza épica das raças grega e céltica.
Porque, tal seja a mulher, tal é
o filho, tal será o homem. É a mulher que, desde o berço, modela a alma das
gerações. É ela que faz os heróis, os poetas, os artistas, cujos feitos e obras
fulguram através dos séculos. Até aos sete anos o filho permanecia no gineceu
sob a direção materna. E sabe-se o que foram as mães gregas, romanas e
gaulesas. Para desempenhar, porém, tão sagrada missão educativa, era necessária
a iniciação no grande mistério da vida e do destino, o conhecimento da lei das
preexistências e das reencarnações; porque só essa lei dá à vida do ser, que
vai desabrochar sob a égide materna, sua significação tão bela e tão comovedora.
Essa benéfica influência da
mulher iniciada, que irradiava sobre o mundo antigo como uma doce claridade,
foi destruída pela lenda bíblica da queda original.
Segundo as Escrituras, a mulher
é responsável pela proscrição do homem; ela perde Adão e, com ele, toda a
Humanidade; atraiçoa Sansão. Uma passagem do Eclesiastes a declara “uma coisa
mais amarga que a morte”. O casamento mesmo parece um mal: “Que os que têm
esposas sejam como se não as tivessem”; exclama Paulo.
Nesse ponto, como em tantos
outros, a tradição e o espírito judaico prevaleceram, na Igreja, sobre o modo
de entender do Cristo, que foi sempre benévolo, compassivo, afetuoso para com a
mulher. Em todas as circunstâncias a escuda ele com sua proteção; dirige-lhe suas
mais tocantes parábolas. Estende-lhe sempre a mão, mesmo quando decaída. Por
isso as mulheres reconhecidas lhe formam uma espécie de cortejo; muitas o
acompanharão até à morte.
Durante longos séculos a mulher
foi relegada para segundo plano, menosprezada, excluída do sacerdócio. Por uma
educação acanhada, pueril, supersticiosa, a maniataram; suas mais belas
aptidões foram comprimidas, conculcado e obscurecido o seu caráter[3].
A situação da mulher, na
civilização contemporânea, é difícil, não raro dolorosa. Nem sempre a mulher
tem por si os usos e as leis; mil perigos a cercam, se ela fraqueja, se
sucumbe, raramente se lhe estende mão amiga. A corrupção dos costumes fez da
mulher a vítima do século. A miséria, as lágrimas, a prostituição, o suicídio –
tal é a sorte de grande número de pobres criaturas em nossas sociedades opulentas.
Uma reação, porém, já se vai
operando. Sob a denominação de feminismo, um certo movimento se acentua
legítimo em seu princípio, exagerado, entretanto, em seus intuitos; porque, ao
lado de justas reivindicações, enuncia propósitos que fariam da mulher, não
mais mulher, mas cópia, paródia do homem. O movimento feminista desconhece o
verdadeiro papel da mulher e tende a transviá-la do destino que lhe está
natural e normalmente traçado. O homem e a mulher nasceram para funções
diferentes, mas complementares. No ponto de vista da ação social, são equivalentes
e inseparáveis.
O moderno Espiritualismo, graças
às suas práticas e doutrinas, todas de ideal, de amor, de equidade, encara a
questão de modo diverso e resolve-a sem esforço e sem estardalhaço. Restitui à
mulher seu verdadeiro lugar na família e na obra social, indicando-lhe a
sublime função que lhe cabe desempenhar na educação e no adiantamento da
Humanidade. Faz mais: reintegra-a em sua missão de mediadora predestinada,
verdadeiro traço de união que liga as sociedades da Terra às do Espaço.
A grande sensibilidade da mulher
a constitui o médium por excelência, capaz de exprimir, de traduzir os pensamentos,
as emoções, os sofrimentos das almas, os altos ensinos dos Espíritos celestes.
Na aplicação de suas faculdades encontra ela profundas alegrias e uma fonte
viva de consolações. A feição religiosa do Espiritismo a atrai e lhe satisfaz
as aspirações do coração, as necessidades de ternura, que se estendem, para
além do túmulo, aos entes desaparecidos. O perigo para ela, como para o homem,
está no orgulho dos poderes adquiridos, na suscetibilidade exagerada. O ciúme,
suscitando rivalidades entre médiuns, torna-se muitas vezes motivo de
desagregação para os grupos.
Dai a necessidade de desenvolver
na mulher, ao mesmo tempo em que os poderes intuitivos, suas admiráveis
qualidades morais, o esquecimento de si mesma, o júbilo do sacrifício, numa
palavra, o sentimento dos deveres e das responsabilidades inerentes à sua
missão mediatriz.
O Materialismo, não ponderando
senão o nosso organismo físico, faz da mulher um ser inferior por sua fraqueza
e a impele à sensualidade. Ao seu contato, essa flor de poesia verga ao peso
das influências degradantes, se deprime e envilece.
Privada de sua função mediadora,
de sua imaculada auréola, tornada escrava dos sentidos, não é mais que um ser
instintivo, impulsivo, exposto às sugestões dos apetites mórbidos. O respeito
mútuo, as sólidas virtudes domésticas desaparecem; a discórdia e o adultério se
introduzem no lar; a família se dissolve, a felicidade se aniquila. Uma nova
geração, desiludida e céptica, surge do seio de uma sociedade em decadência.
Com o Espiritualismo, porém,
ergue de novo a mulher a inspirada fronte; vem associar-se intimamente à obra
de harmonia social, ao movimento geral das ideias. O corpo não é mais que uma
forma tomada por empréstimo; a essência da vida é o espírito, e nesse ponto de
vista o homem e a mulher são favorecidos por igual. Assim, o moderno
Espiritualismo restabelece o mesmo critério dos celtas, nossos pais; firma a
igualdade dos sexos sobre a identidade da natureza psíquica e o caráter
imperecível do ser humano, e a ambos assegura posição idêntica nas agremiações
de estudo.
Pelo Espiritismo se subtrai a
mulher ao vértice dos sentidos e ascende à vida superior. Sua alma se ilumina
de clarão mais puro; seu coração se torna o foco irradiador de ternos
sentimentos e nobilíssimas paixões. Ela reassume no lar a encantadora missão
que lhe pertence, feita de dedicação e piedade, seu importante e divino papel
de mãe, de irmã e educadora, sua nobre e doce função persuasiva.
Cessa, desde então, a luta entre
os dois sexos. As duas metades da Humanidade se aliam e equilibram no amor,
para cooperarem juntas no plano providencial, nas obras da Divina Inteligência.
[2] Ver Michelet, A FEITICEIRA, passim; Joseph Fabre,
PROCESSO DE CONDENAÇÃO DE JOANA D'ARC, Delagrave, editor. A SRA. PIPER, diz: “A
derradeira vitima dos processos de feitiçaria foi Ana Gaeldi, supliciada em
Glaris (Suíça), a 7 de junho de 1874. Durante catorze séculos foram executados
mais de meio milhão de homens e mulheres, sob pretexto de feitiçaria”.
[3] O Concilio de Mãcon (585) discutiu “se a mulher tem ou
não tem alma”.
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