David Robson[2] -
Role, BBC Future - 13 julho 2025
Meu primeiro pequeno ato de
rebeldia aconteceu quando eu tinha uns seis anos. Eu tinha acabado de ir a uma
festa de aniversário com um bando de crianças que eu mal conhecia. Todas elas
tinham chegado com amigos, e eu me senti com vergonha e excluído.
Quando voltei para casa, estava
de péssimo humor. Não lembro o que minha mãe me pediu para fazer, mas me
recordo claramente da minha resposta: "Para você, tudo bem ficar de
bobeira", respondi rispidamente, "enquanto eu tive que ir àquela festa!"
Saí então furioso, deixando-a
sem palavras.
O que tinha acontecido com o
garotinho alegre dela?
Ela talvez tivesse ficado menos
surpresa se vivêssemos em um país de língua alemã. A palavra Wackelzahnpubertät
– literalmente "puberdade do dente mole" – é usada para descrever
como crianças de seis anos começam a demonstrar um mau humor característico da
adolescência.
"Comportamento agressivo,
atos de rebeldia e tristeza profunda são típicos da puberdade do dente
mole", descreve a revista alemã Wunderkind.
Ao contrário da puberdade de
fato, a puberdade do dente mole não é causada por alterações hormonais.
Ela coincide com o início da
"meia infância" – um período de profundas mudanças psicológicas em
que o cérebro estabelece as bases para pensamentos e sentimentos mais maduros.
"É uma fase importante, na
qual a criança está construindo sua identidade e tentando descobrir quem é em
relação às outras pessoas", diz Evelyn Antony, doutoranda em psicologia na
Universidade de Durham, no Reino Unido.
"E o universo emocional
deles também está se expandindo."
Enquanto a infância e a
adolescência são hoje bem compreendidas, a segunda infância – que abrange as
idades de 6 a 12 anos – tem sido tradicionalmente negligenciada na pesquisa
científica.
Alguns psicólogos chegam a
descrevê-la como nossos "anos esquecidos".
"Muitas pesquisas se
concentram nos primeiros anos, quando os bebês falam e andam, e depois na
adolescência, quando você tem um pouco mais de rebeldia", diz Antony.
"Mas se sabe menos sobre a segunda infância."
Isso vem mudando recentemente,
com novas pesquisas identificando as principais características da
transformação mental das crianças nessa fase da vida.
As mudanças incluem uma maior
capacidade de refletir sobre seus sentimentos e modificá-los quando necessário,
juntamente com uma "teoria avançada da mente" que lhes permite pensar
de forma mais sofisticada sobre o comportamento dos outros e responder
adequadamente.
Elas também começam a dominar os
fundamentos da investigação racional e da dedução lógica, para que possam
assumir mais responsabilidade por suas ações – razão pela qual, na França,
também é conhecida como "l'âge de raison" (a idade da razão).
Como ilustra o conceito de
puberdade do dente mole, o início da meia-infância pode ser acompanhado por
algumas dores de crescimento, mas uma compreensão mais profunda das mudanças
neurológicas e psicológicas envolvidas têm oferecido novos insights sobre as
melhores maneiras de apoiar uma criança ao longo dessa jornada.
Puberdade do Dente Mole
Vamos começar com a regulação
emocional. No início da segunda infância, a maioria das crianças geralmente já
fez grandes avanços na capacidade de controlar seus sentimentos.
Quando recém-nascidos, eles são
completamente dependentes dos adultos ao redor para aplacar a angústia, que
geralmente é causada por estressores físicos como fome, fadiga ou cólicas.
Ao longo dos dois anos
seguintes, eles desenvolvem um repertório emocional maior, que inclui alegria,
raiva e medo, mas não sabem como regulá-los – levando a essas birras de
explodir os tímpanos.
A linguagem em desenvolvimento
de uma criança pode proporcionar algum alívio desses turbilhões.
Isso ocorre em parte porque
permite que a criança expresse suas necessidades com mais precisão, para que os
outros possam responder adequadamente antes que a frustração se acumule.
Não há necessidade de gritar
quando se quer mais comida, já que é possível simplesmente dizer "estou
com fome", e um adulto atencioso vai responder.
Palavras que expressam emoção
podem trazer um benefício ainda mais imediato. Nomear uma emoção parece alterar
sua resposta neural, envolvendo partes do córtex pré-frontal, uma área
envolvida em pensamentos mais abstratos, enquanto acalma a amígdala, a região
responsável pela sensação da emoção bruta.
Ao completar cinco ou seis anos,
no entanto, a criança enfrenta novos desafios que colocam sua compreensão
emocional à prova, afirmam Antony e outros pesquisadores.
Em vez de depender dos adultos
para orientar todas as suas ações, espera-se que ela tenha maior independência
– criando incerteza e ambiguidade que podem gerar frustração.
Elas precisam fazer amizades
sozinhas, conviver com pessoas de quem não gostam e obedecer às ordens dos
adultos.
Ao mesmo tempo, aponta Antony,
também estão desenvolvendo um senso de identidade mais forte, com a necessidade
de definir quem são em relação aos outros.
Essa transição pode levar a
regulação emocional da criança ao limite, o que pode resultar nos estados de
ânimo da puberdade do dente mole, durante os quais a criança pode ficar abatida
e carente ou irromper em súbitas explosões de raiva.
Felizmente, o cérebro das
crianças se adapta rapidamente às novas demandas.
Esse processo geralmente inclui
o desenvolvimento de um vocabulário mais amplo para descrever e compreender o
que estão sentindo, incluindo o conceito de emoções mistas. (Aos nove anos, a
maioria das crianças consegue reconhecer que o final agridoce de A Pequena
Sereia, da Disney, é ao mesmo tempo feliz e triste, por exemplo).
Elas também aprendem novas
estratégias para modular seus sentimentos por conta própria, sem depender dos
pais ou professores para acalmá-las.
Ao longo da segunda infância, as
pessoas se tornam mais hábeis em usar a "reavaliação cognitiva", por
exemplo – que envolve alterar a interpretação de um evento para mudar seu
impacto emocional.
Se estiverem com dificuldades
com uma tarefa na escola, por exemplo, a criança pode começar pensando
"não consigo fazer isso" ou "sou burra" – ou pode
reconhecer sua frustração como um estímulo para adotar uma nova estratégia, o
que provavelmente acalmará sua raiva e aumentará sua perseverança.
Grande parte do caminho para a
maturidade vem da observação dos adultos ao seu redor.
"As crianças aprenderão
como seus pais lidam com conflitos e diferentes questões que surgem em suas
vidas", diz Antony.
Buscando amizades
O universo social da criança
também está mudando.
"A meia-infância é um
período em que 'amizades recíprocas' começam a se desenvolver", explica
Simone Dobbelaar, pesquisadora de pós-doutorado em psicologia do
desenvolvimento e da educação na Universidade de Leiden, na Holanda.
Em outras palavras, elas começam
a entender o dar e receber nos relacionamentos, que se tornam um foco maior em
suas vidas. As crianças começam a passar mais tempo com seus colegas dentro e
fora do contexto escolar.
Durante a meia-infância, as
crianças desenvolvem essas habilidades sociais e percepções mentais para
acompanhar os pensamentos e sentimentos de muitas pessoas.
Imagine, por exemplo, a história
de uma criança, Nick, que quer entrar para um time de futebol americano, mas
não acredita que vá conseguir a vaga. O treinador está ciente da incerteza de
Nick, mas o quer no time. Depois de fazer sua seleção, o treinador sabe que
Nick ainda não está ciente de sua decisão de incluí-lo no time? (A resposta
correta é sim.)
Para responder a esse tipo de
pergunta, a criança precisa considerar o que o treinador sabe sobre o que Nick
sabe sobre a opinião do treinador. Em outras palavras, ela está considerando a
teoria da mente de uma pessoa sobre a teoria da mente de outra, o que é
conhecido como um processo "recursivo".
Esse raciocínio é importante
para rastrear quem sabe de um segredo, espalhar fofocas no parquinho e
reconhecer quando alguém pode estar "blefando duas vezes" para nos
enganar em um jogo – mas, até recentemente, os psicólogos não tinham clareza sobre
isso quando isso aparecia pela primeira vez na infância.
Para chegar à resposta,
Christopher Osterhaus, da Universidade de Vechta, na Alemanha, e Susanne
Koerber, da Universidade de Freiburg, recrutaram 161 crianças de cinco anos e
mediram seu desempenho em diversas tarefas de teoria da mente ao longo dos cinco
anos seguintes.
Analisando os dados, eles
constataram um "aumento acentuado" em suas habilidades entre os cinco
e os sete anos, antes do desempenho começar a estagnar.
Isso sugere que houve algum tipo
de salto conceitual, diz Osterhaus: "Se fosse apenas [eles se tornando
gradualmente melhores em lidar com] a complexidade da tarefa, seria de se
esperar um aumento mais constante."
Esse salto mental tem
consequências imediatas e positivas para a vida social e o bem-estar das
crianças, aponta a pesquisa.
"Descobrimos que, quanto
maior o raciocínio social, menores os sentimentos de solidão", pontua
Osterhaus.
"Talvez elas estejam
achando mais fácil fazer amizades ou se envolver em amizades mais
profundas."
Nesse sentido, a pesquisa de
Dobbelaar sugere que o aumento da sensibilidade está ligado a comportamentos
mais pró-sociais, como agir de forma especialmente gentil com alguém que se
sente excluído.
Para estudar isso, ela realizou
um experimento que imitava o tipo de bullying mesquinho que, infelizmente, é
comum em muitos playgrounds.
O experimento envolveu um
videogame simples chamado Cyberball, no qual quatro jogadores passam uma bola
entre si.
Sem o conhecimento dos
participantes, os outros três jogadores eram controlados pelo computador, dois
dos quais podiam ser programados para excluir o terceiro robô, não lhe dando a
chance de pegar e lançar a bola.
Os participantes mais jovens
pareciam ser menos sensíveis à injustiça. À medida que passavam da
meia-infância para o início da adolescência, no entanto, muitos participantes
começaram a compensar o comportamento cruel dos outros jogadores usando suas
próprias vezes para passar a bola para o robô que estava sendo ignorado –
demonstrando um pequeno sinal de solidariedade à vítima.
Usando exames de ressonância
magnética funcional do cérebro das crianças, Dobbelaar e seus colegas
descobriram que isso estava associado a algumas mudanças características na
atividade neural, o que sugeria uma redução do foco em si mesmas – e, presumivelmente,
um aumento do foco nos outros.
"Isso pode ser devido ao
aumento da capacidade de assumir perspectivas", diz ela, já que os
cérebros em desenvolvimento das crianças foram capazes de considerar os
sentimentos do "robô intimidado".
O começo da insegurança
Apesar desses muitos benefícios,
o raciocínio social sofisticado pode ter uma desvantagem: um maior julgamento
sobre si mesmo e maior insegurança.
Considere um estudo sobre a
"lacuna de afinidade", que descreve nossa tendência a subestimar o
quanto outra pessoa gosta de nós em comparação com o quanto gostamos dela.
Um estudo recente de Wouter
Wolf, que agora trabalha na Universidade de Utrecht, na Holanda, descobriu que
a lacuna de afinidade surge pela primeira vez aos cinco anos de idade e aumenta
de forma constante ao longo da segunda infância.
Quanto mais sintonizados nos
tornamos com a vida mental dos outros, ao que parece, mais começamos a nos
preocupar que a visão que eles têm de nós não seja tão amigável e positiva
quanto gostaríamos.
Suspeito que isso possa explicar
meu mau humor na festa; foi meu primeiro contato com a autojulgamento e a
solidão – e eu ainda não tinha palavras para expressar por que me sentia triste
e com raiva, ou as habilidades para superar a lacuna de afinidade e construir
novas amizades com pessoas que eu não conhecia bem.
O poder de uma conversa
Os adultos na vida de uma
criança podem facilitar o desenvolvimento dessas habilidades por meio de
conversas frequentes.
Antony, por exemplo, aponta
pesquisas que demonstram o poder do "coaching emocional". Isso
envolve ouvir a criança sem julgamentos, validar o que ela está sentindo e, em
seguida, sugerir maneiras de seguir em frente de forma mais positiva.
"Não se trata de o adulto
tentar consertar tudo para ela, mas sim guiá-la nesse processo de gerenciamento
de suas emoções", diz ela.
Um adulto pode incentivar a
reavaliação cognitiva, por exemplo, mostrando à criança como um evento
inicialmente perturbador pode ser interpretado de diferentes maneiras.
A criança pode então aplicar
isso quando estiver novamente chateada, protegendo-a contra estresses futuros.
Um pai ou responsável também
pode conversar sobre dilemas sociais – seja na vida real ou na ficção.
"Você pode perguntar a
eles: por que essa pessoa reagiu daquela maneira? Por que ela disse
isso?", exemplifica Osterhaus.
Isso os ajuda a pensar mais
cuidadosamente sobre os estados mentais de outras pessoas, diz ele, o que deve
incentivar uma teoria da mente mais avançada.
Às vezes, as duas abordagens
convergem naturalmente. Se uma criança está abalada porque seu melhor amigo foi
rude, você pode incentivá-la a questionar os possíveis motivos do comportamento
desagradável.
Talvez ele estivesse cansado ou
tendo um dia ruim; não foi nada pessoal, e o episódio pode, portanto, ser
encarado com compaixão em vez de raiva.
Como qualquer habilidade que
vale a pena aprender, essas precisam de prática constante.
Em muitos desses momentos, no
entanto, a criança estará bem equipada para entender a sua própria mente e a
dos outros, guiando-a muito além da "puberdade do dente mole" para as
aventuras da adolescência e além.
[1] BBC Brasil -
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c939er0dz39o
[2] *David Robson é um premiado escritor e autor de
ciência. Seu livro mais recente, "The Laws of Connection: 13 Social
Strategies That Will Transform Your Life", foi publicado pela Canongate
(Reino Unido) e Pegasus Books (EUA e Canadá) em junho de 2024.
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