terça-feira, 13 de agosto de 2024

SR. HOME[1] - 2

 


 

(Segundo artigo – Ver o número de fevereiro de 1858)

 Como dissemos, o Sr. Home é um médium do gênero daqueles sob cuja influência se produzem, mais especialmente, fenômenos físicos, sem por isso excluir as manifestações inteligentes.

Todo efeito que revela a ação de uma vontade livre é, por isso mesmo, inteligente, ou seja, não é puramente mecânico e nem poderia ser atribuído a um agente exclusivamente material; mas, daí às comunicações instrutivas de elevado alcance moral e filosófico há uma distância muito grande, e não é de nosso conhecimento que o Sr. Home as obtenha de tal natureza. Não sendo médium escrevente, a maior parte das respostas é dada por pancadas, indicativas das letras do alfabeto, meio sempre imperfeito e bastante lento, que dificilmente se presta a desenvolvimentos de uma certa extensão. Entretanto, ele também obtém a escrita, mas por outro processo de que falaremos dentro em pouco.

Digamos, primeiro, como princíp

io geral, que as manifestações ostensivas, as que impressionam os sentidos, podem ser espontâneas ou provocadas. As primeiras são independentes da vontade; por vezes, ocorrem mesmo contra a vontade daquele que lhes é objeto e ao qual nem sempre são agradáveis. São frequentes os fatos desse gênero e, sem remontar aos relatos mais ou menos autênticos dos tempos recuados, deles a história contemporânea oferece numerosos exemplos, cuja causa, ignorada em seu princípio, é hoje perfeitamente conhecida: tais são, por exemplo, os ruídos insólitos, o movimento desordenado dos objetos, as cortinas puxadas, as cobertas arrancadas, certas aparições etc. Algumas pessoas são dotadas de uma faculdade especial que lhes dá o poder de provocar esses fenômenos, pelo menos em parte, por assim dizer, à vontade. Essa faculdade não é muito rara e, de cem pessoas, cinquenta pelo menos a possuem em maior ou menor grau.

O que distingue o Sr. Home é que nele a faculdade está desenvolvida, como entre os médiuns de sua espécie, de uma maneira a bem dizer excepcional. Alguns não obterão senão golpes leves, ou o deslocamento insignificante de uma mesa, enquanto, sob a influência do Sr. Home os ruídos mais retumbantes fazem-se ouvir e todo o mobiliário de um quarto pode ser revirado, os móveis amontoando-se uns sobre os outros. Por mais estranhos sejam esses fenômenos, o entusiasmo de alguns admiradores muito zelosos ainda encontrou jeito de os amplificar por meio de pura invenção. Por outro lado, os detratores não ficaram inativos; a seu respeito, contaram todo tipo de anedotas, que só existiram em sua imaginação.

Eis um exemplo, o Sr. Marquês de..., uma das personagens que mais interesse demonstraram pelo Sr. Home, e em cuja residência o médium era recebido na intimidade, achava-se um dia na ópera com este último. Na plateia superior estava o Sr. de P..., um de nossos assinantes, e que conhece a ambos pessoalmente. Seu vizinho entabula conversação com ele; o assunto é o Sr. Home.

− Acreditais – disse ele – que aquele pretenso feiticeiro, aquele charlatão, encontrou meio de introduzir-se na casa do Sr. Marquês de... ? Seus artifícios, porém, foram descobertos e ele foi posto no olho da rua a pontapés, como um vil intrigante.

Estais bem certo disso? pergunta o Sr. de P... Conheceis o Sr. Marquês de...?

Certamente, responde o interlocutor

Nesse caso, diz o Sr. de P..., olhai naquele camarote; podereis vê-lo em companhia do próprio Sr. Home, ao qual não parece que queira dar pontapés.

Diante disso, nosso melancólico falador, não julgando conveniente continuar a conversa, pegou seu chapéu e não apareceu mais. Por aí se pode julgar do valor de certas afirmações. Seguramente, se certos fatos divulgados pela maledicência fossem verdadeiros, ter-lhe-iam fechado mais de uma porta; mas como as casas mais respeitáveis sempre lhe estiveram abertas, deve-se concluir que sempre e por toda parte ele se conduziu como um cavalheiro. Basta, aliás, haver conversado algumas vezes com o Sr. Home para ver que, com a sua timidez e a sua simplicidade de caráter, seria o mais desajeitado de todos os intrigantes; insistimos nesse ponto pela moralidade da causa. Voltemos às suas manifestações. Sendo o nosso objetivo fazer conhecer a verdade, no interesse da Ciência, tudo quanto relatamos é colhido em fontes de tal maneira autênticas que podemos garantir-lhes a mais escrupulosa exatidão; temos testemunhas oculares muito sérias, muito esclarecidas e altamente colocadas para que sua sinceridade possa ser posta em dúvida. Se dissessem que essas pessoas puderam, de boa-fé, ser vítimas de uma ilusão, responderíamos que há circunstâncias que escapam a toda suposição desse gênero; aliás, tais pessoas estavam muito interessadas em conhecer a verdade para não se precaverem contra toda falsa aparência.

Geralmente o Sr. Home começa suas sessões pelos fatos conhecidos: pancadas em uma mesa ou em qualquer outra parte do apartamento, procedendo como já dissemos alhures. Segue-se o movimento da mesa, que se opera, primeiro, pela imposição das mãos, dele somente ou de várias das pessoas reunidas, depois, a distância e sem contato; é uma espécie de ensaio. Muito frequentemente ele nada mais obtém além: vai depender da disposição em que se encontra e algumas vezes também da dos assistentes; há pessoas perante as quais jamais produziu coisa alguma, mesmo sendo seus amigos. Não nos alongaremos sobre esses fenômenos, hoje tão conhecidos, e que só se distinguem por sua rapidez e energia. Muitas vezes, após várias oscilações e balanços, a mesa se destaca do solo, eleva-se gradualmente, lentamente, por pequenas sacudidelas, não mais alguns centímetros somente, mas até o teto e fora do alcance das mãos. Após permanecer suspensa no espaço por alguns segundos, desce como havia subido, lenta e gradualmente.

Sendo um fato conhecido a suspensão de um corpo inerte e de peso específico incomparavelmente maior que o do ar, concebe-se que o mesmo se possa dar com um corpo animado. Não nos consta que o Sr. Home tivesse agido sobre alguma pessoa além dele mesmo e, ainda assim, o fato não se produziu em Paris, mas verificou-se diversas vezes, tanto em Florença como na França, especialmente em Bordeaux, na presença das mais respeitáveis testemunhas, que poderíamos citar, se necessário. Como a mesa, ele se elevou até o teto, descendo do mesmo modo. O que há de bizarro nesse fenômeno é que não se produz por um ato de sua vontade, e ele mesmo nos disse que dele não se apercebe, acreditando estar sempre no solo, a menos que olhe para baixo; apenas as testemunhas o veem elevar-se; quanto a ele, experimenta nesse momento a sensação produzida pelo sacolejo de um navio sobre as ondas. De resto, o fato que relatamos não é de forma alguma peculiar ao Sr. Home. A História cita vários exemplos autênticos que relataremos posteriormente.

De todas as manifestações produzidas pelo Sr. Home, a mais extraordinária, sem dúvida, é a das aparições, razão por que nelas insistiremos mais, tendo em vista as graves consequências daí decorrentes e a luz que elas lançam sobre uma multidão de outros fatos. O mesmo acontece com os sons produzidos no ar, instrumentos de música que tocam sozinhos etc. No próximo número examinaremos detalhadamente esses fenômenos.

Retornando de uma viagem à Holanda, onde produziu forte sensação na corte e na alta sociedade, o Sr. Home acaba de partir para a Itália. Sua saúde, gravemente alterada, exigia um clima mais ameno.

Confirmamos, com prazer, o que certos jornais relataram, de um legado de 6.000 francos de renda que lhe foi feito por uma dama inglesa, convertida por ele à Doutrina Espírita e em reconhecimento da satisfação que ela experimentou. Sob todos os aspectos, merecia o Sr. Home esse honroso testemunho. Esse ato, de parte da doadora, é um precedente que terá o aplauso de todos quantos partilham de nossas convicções; esperamos tenha a Doutrina, um dia, o seu Mecenas: a posteridade inscreverá seu nome entre os benfeitores da Humanidade. A religião nos ensina a existência da alma e sua imortalidade; o Espiritismo dá-nos a sua prova viva e palpável, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos. O materialismo é um dos vícios da sociedade atual, porque engendra o egoísmo. O que há, com efeito, fora do eu, para quem tudo liga à matéria e à vida presente? Intimamente vinculada às ideias religiosas, esclarecendo-nos sobre nossa natureza, a Doutrina Espírita mostra-nos a felicidade na prática das virtudes evangélicas; lembra ao homem os seus deveres para com Deus, a sociedade, e para consigo mesmo. Colaborar na sua propagação é desferir um golpe mortal na chaga do cepticismo que nos invade como um mal contagioso; honra, pois, aos que empregam nessa obra os bens com que Deus os favoreceu na Terra!



[1] REVISTA ESPÍRITA – março/1858 – Allan Kardec

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