terça-feira, 9 de abril de 2024

O ESPÍRITO BATEDOR DE BERGZABERN – Terceiro Artigo[1

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Allan Kardec

 

Continuamos a citar a brochura do Sr. Blanck, redator do Jornal de Bergzabern[2].

“Os fatos que vamos relatar ocorreram de sexta-feira, 4, a quarta-feira, 9 de março de 1853; depois, nada semelhante se produziu. Nessa época Philippine não mais dormia no quarto que conhecemos: seu leito havia sido transferido para a peça vizinha, onde ainda se acha presentemente. As manifestações
tomaram um caráter tão estranho que é impossível admitir a sua explicação pela intervenção dos homens. Aliás, são de tal modo diferentes das que haviam sido observadas anteriormente, que todas as opiniões iniciais caíram por terra.

Sabe-se que no quarto onde dormia a mocinha, as cadeiras e os outros móveis muitas vezes eram derrubados, as janelas abriam-se com estrondo, sob golpes repetidos. Há cinco semanas ela permanece no quarto comum, onde, desde o princípio da noite, até a manhã seguinte, há sempre uma luz; pode-se, pois, ver perfeitamente o que ali se passa. Eis o fato observado sexta-feira, 4 de março:

Philippine ainda não estava deitada; achava-se no meio de algumas pessoas que conversavam com o Espírito batedor quando, de repente, a gaveta de uma mesa muito grande e pesada, que se encontrava na sala, foi puxada e empurrada com grande barulho e com uma impetuosidade extraordinária. Os assistentes ficaram fortemente surpreendidos com essa nova manifestação; no mesmo instante, a própria mesa começou a movimentar-se em todos os sentidos, avançando em direção à lareira, perto da qual estava sentada Philippine. Por assim dizer, perseguida pelo móvel, viu-se obrigada a deixar o seu lugar e correr para o meio do quarto; mas a mesa voltou-se nessa direção e se deteve a meio pé da parede.

Colocaram-na em seu lugar costumeiro, de onde não se mexeu mais; entretanto, as botas que se encontravam debaixo dela, e que todos puderam ver, foram jogadas no meio do quarto, com grande pavor das pessoas presentes. Uma das gavetas recomeçou a deslizar nas corrediças, abrindo-se e fechando-se por duas vezes, de início muito vivamente e, depois, de forma cada vez mais lenta; quando estava completamente aberta, acontecia ser sacudida com estrondo.

Deixado sobre a mesa, um pacote de fumo mudava de lugar a todo instante. As pancadas e arranhaduras eram ouvidas na mesa.

Philippine, que então gozava de excelente saúde, achava-se no meio das pessoas reunidas e de forma alguma parecia inquieta com todas essas estranhezas, que se repetiam todas as noites, desde sexta-feira; domingo, porém, foram ainda mais notáveis.

Por várias vezes a gaveta foi puxada e empurrada com violência. Depois de haver estado em seu antigo dormitório, Philippine voltou subitamente, foi tomada de sono magnético e deixou-se cair numa cadeira, onde por várias vezes foram ouvidas as arranhaduras. Suas mãos apoiavam-se sobre os joelhos e a cadeira ora se movia para a direita, ora para a esquerda, ou para frente e para trás. Viam-se os pés dianteiros da cadeira se erguerem, enquanto a cadeira balançava num equilíbrio impressionante sobre os pés traseiros. Tendo sido levada para o meio do quarto, tornou-se mais fácil observar esse novo fenômeno. Então, a uma palavra de ordem, a cadeira girava, avançava ou recuava mais ou menos depressa, ora num sentido, ora noutro. Durante essa dança singular os pés da criança arrastavam-se no chão, como se estivessem paralisados; através de gemidos e levando a mão à fronte diversas vezes, dava a entender que estava com dor de cabeça. Depois, despertando de repente, pôs-se a olhar para todos os lados, sem compreender a situação: seu mal-estar a havia deixado. Ela se deitou; então as pancadas e arranhaduras, antes produzidas na mesa, fizeram-se ouvir no leito, com força e de maneira divertida.

Pouco antes, tendo uma campainha produzido sons espontâneos, tiveram a ideia de prendê-la à cama: logo se pôs a tocar e a balançar. O que houve de mais curioso nessa circunstância foi o fato de a campainha permanecer imobilizada e em silêncio, quando a cama era levantada e deslocada. Por volta da meia-noite todo o ruído cessou e a assistência dispersou-se.

Na segunda-feira à noite, 15 de maio, prenderam ao leito uma grande campainha; imediatamente fez-se ouvir um barulho desagradável e ensurdecedor. No mesmo dia, ao meio-dia, as janelas e a porta do quarto de dormir foram abertas, mas de maneira silenciosa.

Devemos dizer, também, que a cadeira em que se sentava Philippine, na sexta-feira e no sábado, levada pelo Sr. Senger para o meio do quarto pareceu-lhe muito mais leve que de costume: dir-se-ia que força invisível a sustentava. Querendo empurrá-la, um dos assistentes não encontrou a menor resistência: a cadeira parecia deslizar por si mesma no assoalho.

O Espírito batedor ficou em silêncio durante três dias: quinta-feira, sexta-feira e sábado da Semana Santa. Somente no Domingo de Páscoa os golpes recomeçaram, imitando o som de sinos; eram ritmados e compunham uma ária. No dia 1º  de abril, mudando de guarnição e puxadas por uma banda de música, as tropas deixaram a cidade. Ao passarem diante da casa dos Senger, o Espírito batedor executou, no leito, à sua maneira, o mesmo trecho que era tocado na rua. Algum tempo antes, haviam escutado no quarto como que os passos de alguém, e como se tivessem jogado areia no assoalho.

Preocupado com os fatos que acabamos de relatar, o governo do Palatinado propôs ao Sr. Senger internar a filha numa casa de saúde, em Frankenthal, proposta aceita. Sabemos que em sua nova residência a presença de Philippine deu origem aos mesmos prodígios de Bergzabern, e que os médicos daquela cidade, tanto quanto os nossos, não lhes puderam determinar a causa. Além disso, estamos informados de que somente os médicos têm acesso à mocinha. Por que tomaram essa medida? Nós o ignoramos, e não nos permitimos censurá-la; porém, se o que lhe deu causa não foi o resultado de alguma circunstância particular, pensamos que deveriam deixar entrar, perto da interessante criança, se não todo o mundo, pelo menos as pessoas recomendáveis.”

Observação – Só tomamos conhecimento dos diferentes fatos aqui expostos pelo relatório que deles o Sr. Blanck publicou; entretanto, uma circunstância acaba de nos pôr em contato com uma das pessoas que mais se distinguiram nesse caso e que, a respeito, houve por bem fornecer-nos documentos circunstanciados do mais alto interesse. Através de evocação, obtivemos igualmente explicações bastante curiosas e muito instrutivas desse Espírito batedor, dadas por ele mesmo. Como esses documentos nos chegaram muito tarde, adiaremos sua publicação para o próximo número.



[1] Revista Espírita – julho/1858 – Allan Kardec

[2] Devemos à cortesia de um de nossos amigos, o Sr. Alfred Pireaux, empregado da administração dos Correios, a tradução dessa interessante brochura.

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