Allan Kardec
Extraímos as
passagens seguintes de uma nova brochura alemã, publicada em 1853, pelo Sr.
Blanck, redator do jornal de Bergzabern, sobre o Espírito batedor de que
falamos em nosso número do mês
de maio. Os fenômenos extraordinários ali relatados, cuja autenticidade não
poderia ser posta em dúvida, provam que, a esse respeito, nada podemos invejar
da América. Notar-se-á, nesse relato, o cuidado minucioso com que os fatos
foram observados.
Seria desejável que em casos
semelhantes se votasse a mesma atenção e a mesma prudência. Sabe-se hoje que os
fenômenos desse gênero não resultam de um estado patológico, mas denotam
sempre, entre aqueles em que se manifestam, uma excessiva sensibilidade, fácil
de ser superexcitada. O estado patológico não é a causa eficiente, mas pode
ser-lhe consecutivo. A mania de experimentação, em casos análogos, mais de uma
vez causou acidentes graves que não teriam ocorrido se se tivesse deixado a
Natureza agir por si mesma. Em nossa Instrução Prática sobre as
Manifestações Espíritas, encontram-se os conselhos necessários para esse
fim. Sigamos o Sr. Blanck em seu relato:
“Os leitores de nossa brochura,
intitulada Os Espíritos Batedores, viram que as manifestações de
Philippine Senger têm um caráter enigmático e extraordinário. Relatamos esses
fatos maravilhosos desde seu início até o momento em que a criança foi conduzida
ao médico real do cantão. Examinaremos, agora, o que se passou desde aquele
dia.
Quando a criança deixou a casa
do Dr. Bentner para regressar à casa paterna, as batidas e arranhaduras
recomeçaram na casa do pai Senger; até esse momento, e mesmo depois da cura completa
da jovem, as manifestações foram mais marcantes e mudaram de natureza[2].
Neste mês de novembro (1852) o Espírito começou a assobiar; a seguir ouvia-se
um ruído comparável ao de uma roda de carrinho de mão que girasse sobre o seu
eixo seco e enferrujado; mas o mais extraordinário de tudo, incontestavelmente,
foi a desordem dos móveis no quarto de Philippine[3],
desordem que durou quinze dias. Uma ligeira descrição do lugar parece-me essencial.
O quarto tem aproximadamente 18 pés de comprimento por 8 de largura; chega-se a
ele pela sala comum. A porta que comunica essas duas peças abre-se à direita. O
leito da criança estava colocado à direita; no meio havia um armário e, no
canto esquerdo, a mesa de trabalho de Senger, na qual foram feitas duas
cavidades circulares, cobertas por tampas.
Na noite em que começou o
tumulto, a Sra. Senger e Francisque, sua filha mais velha, estavam sentadas na
primeira sala, perto de uma mesa, ocupadas em descascar vagens; de repente uma pequena
roda, lançada do quarto de dormir, caiu perto delas. Ficaram tanto mais
amedrontadas quanto sabiam que ninguém, além de Philippine, então mergulhada em
sono profundo, se encontrava no quarto. Além disso, a rodinha fora lançada do
lado esquerdo, embora se achasse na prateleira de um pequeno móvel, colocado à
direita.
Se houvesse partido do leito,
deveria ter alcançado a porta e aí se detido; tornava-se evidente, portanto,
que a criança nada tinha a ver com o caso. Enquanto a família Senger externava
sua surpresa sobre o acontecimento, alguma coisa caiu da mesa no chão: era um pedaço
de pano que, antes, estava mergulhado numa bacia cheia de água. Ao lado da
rodinha jazia também uma cabeça de cachimbo, havendo a outra metade ficado
sobre a mesa. O que tornava a coisa ainda mais incompreensível era que a porta
do armário onde estava a pequena roda, antes de ser atirada, achava-se fechada,
a água da bacia não estava agitada e nenhuma gota se havia derramado sobre a
mesa. De repente a criança, sempre adormecida, grita do leito:
Pai, vá embora, ele atira!
Saiam! Eles vos atirarão também. Obedeceram a essa ordem, e assim que foram
à primeira sala a cabeça do cachimbo foi atirada com muita força, sem que, no
entanto, se quebrasse.
Uma régua, que Philippine usava
na escola, seguiu o mesmo caminho. O pai, a mãe e sua filha mais velha
entreolhavam-se apavorados e, como refletissem sobre o caminho a tomar, uma
grande plaina do Sr. Senger e uma grande tora de madeira foram lançadas de sua
banca de carpinteiro para o outro quarto. Sobre a mesa de trabalho, as tampas
estavam no lugar e, apesar disso, os objetos que elas cobriam também haviam
sido jogados longe. Na mesma noite os travesseiros da cama foram lançados sobre
o armário e o cobertor atirado contra a porta.
Num outro dia haviam posto aos
pés da menina, debaixo do cobertor, um ferro de passar pesando cerca de seis
libras; logo foi atirado na outra sala; o cabo tinha sido retirado e foi
encontrado sobre uma cadeira no quarto de dormir.
Fomos testemunhas de que
cadeiras colocadas a cerca de três pés do leito foram derrubadas e as janelas
abertas, embora antes estivessem fechadas, e isso tão logo havíamos virado as
costas para entrar na peça vizinha. Uma outra vez, duas cadeiras foram levadas
para cima da cama, sem desarrumar as cobertas. No dia 7 de outubro havia-se
fechado firmemente a janela e estendido diante dela um lençol branco. Desde que
deixamos o quarto, foram dados golpes redobrados e tão violentos que as pessoas
que passavam pela rua fugiram espavoridas. Correram para o quarto: a janela
estava aberta, o lençol jogado sobre o pequeno armário ao lado, a coberta do
leito e os travesseiros no chão, as cadeiras de pernas para o ar e a criança em
seu leito, protegida unicamente pela camisola. Durante catorze dias a Sra.
Senger somente se ocupou de arrumar a cama.
Uma vez tinham deixado uma
harmônica sobre uma cadeira: sons fizeram-se ouvir; entrando precipitadamente
no quarto encontraram a criança, como sempre, tranquilamente deitada em sua
cama; o instrumento estava sobre a cadeira, mas não tocava mais. Uma noite o
Sr. Senger saía do quarto da filha quando recebeu, nas costas, a almofada de um
assento. De outra vez, foi um par de chinelos velhos, sapatos que estavam
debaixo do leito ou tamancos que lhe iam ao encontro. Muitas vezes também
sopravam a vela acesa, colocada sobre a mesa de trabalho. As pancadas e as arranhaduras
alternavam-se com essa demonstração do mobiliário.
O leito parecia movimentar-se
por mão invisível. À ordem de: “Balançai a cama”, ou “Ninai a
criança”, o leito ia e vinha, num e noutro sentido, com barulho; à ordem de
“Alto!”, ele parava. Nós, que presenciamos o fato, podemos afirmar que
quatro homens que se sentaram na cama foram levantados também, sem poderem
deter o seu movimento; foram erguidos com o móvel. Ao fim de catorze dias
cessou a desordem dos móveis e a essas manifestações sucederam-se outras.
Na noite do dia 26 de outubro,
encontravam-se no quarto, dentre outras pessoas, os Srs. Louis Soëhnee,
licenciado em Direito, e o capitão Simon, ambos de Wissembourg, assim como o Sr.
Sievert, de Bergzabern. Nesse momento Philippine Senger encontrava-se
mergulhada em sono magnético[4].
O Sr. Sievert apresentou-lhe um papel contendo cabelos para ver o que faria com
eles. Ela abriu o papel sem, no entanto, pôr os cabelos à mostra, aplicou-os
sobre as pálpebras fechadas e depois os afastou, como se quisesse examiná-los a
distância, dizendo: “Gostaria muito de saber o que contém esse papel... São
cabelos de uma dama que desconheço... Se ela quiser vir, que venha... Não posso
convidá-la, já que não a conheço”. Às perguntas que lhe dirigiu o Sr.
Sievert, não respondeu; mas, tendo colocado o papel na palma da mão, que estendia
e revirava, o papel ficou suspenso. Em seguida o colocou na ponta do indicador
e com a mão, por bastante tempo, descreveu um semicírculo, dizendo: “Não
caia”, e o papel se manteve na ponta do dedo; em seguida, à ordem de “Agora
cai”, ele se destacou sem que ela tivesse feito o menor movimento para
determinar-lhe a queda. De repente, virando-se para o lado da parede, disse: “Agora
quero pregar-te à parede”; e aplicou o papel à parede, que ali ficou fixado
em torno de 5 a 6 minutos, após o que o retirou. Um exame minucioso do papel e
da parede não revelou qualquer causa de aderência. Acreditamos ser um dever
informar que o quarto estava perfeitamente iluminado, o que nos possibilitava
examinar completamente essas particularidades.
Na noite seguinte deram-lhe
outros objetos: chaves, moedas, cigarreiras, anéis de ouro e de prata; todos,
sem exceção, ficavam suspensos à sua mão. Notaram que a prata aderia a ela mais
facilmente que as outras substâncias, pois tiveram dificuldade em retirar-lhe
as moedas e essa operação causou-lhe dor. Um dos fatos mais curiosos nesse
gênero foi o seguinte: Sábado, 11 de novembro, o oficial que estava presente
deu-lhe seu sabre com o tiracolo, pesando ao todo 4 libras, conforme
verificação feita; o conjunto ficou suspenso pelo dedo do médium, balançando-se
por bastante tempo. O que não é menos singular é que todos os objetos, qualquer
que fosse a matéria de que eram feitos, também ficavam suspensos. Essa
propriedade magnética comunicava-se pelo simples contato das mãos às pessoas
suscetíveis da transmissão do fluido; disso tivemos vários exemplos.
Um capitão, o Sr. Cavaleiro de
Zentner, então servindo na guarnição de Bergzabern, testemunha desses
fenômenos, teve a ideia de pôr uma bússola perto da menina, para observar suas variações.
Na primeira tentativa, a agulha desviou-se 15 graus, permanecendo imóvel nas
seguintes, embora a criança a segurasse em uma das mãos e a acariciasse com a
outra. Essa experiência provou que esses fenômenos não poderiam ser explicados
pela ação do fluido mineral, até porque a atração magnética não se exerce indiferentemente
sobre todos os corpos.
Habitualmente, quando a pequena
sonâmbula se dispunha a iniciar suas sessões, chamava ao quarto todas as
pessoas que lá se encontravam. Simplesmente dizia: “Vinde! Vinde!”, ou então
“Dai, dai”. Muitas vezes só se tranquilizava quando todas as pessoas,
sem exceção, estavam perto de sua cama. Então pedia, com diligência e
impaciência, um objeto qualquer; tão logo lhe era dado, ligava-se a seus dedos.
Frequentemente acontecia que dez, doze ou mais pessoas estavam presentes e cada
uma lhe apresentava vários objetos. Durante a sessão não permitia que lhe
tomassem nenhum deles; parecia sobretudo preferir os relógios; abria-os com grande
habilidade, examinava o movimento, fechava-os e depois os colocava perto de si
para cuidar de outra coisa. Ao final, devolvia a cada um o que lhe haviam
confiado; examinava os objetos com os olhos fechados e jamais se enganava de
proprietário. Se alguém estendesse a mão para tomar o que não lhe pertencia,
ela o repelia.
Como explicar essa distribuição
múltipla e sem erros a tão grande número de pessoas? Em vão tentaram fazer o
mesmo com os olhos abertos. Terminada a sessão e retirados os estranhos, as
pancadas e arranhaduras, momentaneamente interrompidas, recomeçaram. É preciso
acrescentar que a criança não queria que ninguém ficasse ao pé de sua cama,
perto do armário, o que entre os dois móveis deixava um espaço de
aproximadamente um pé. Se alguém aí se interpusesse, com um gesto os afastava.
E se recusassem, demonstrava grande inquietude, ordenando, com gestos
imperiais, que deixassem o lugar. Uma vez ela exortou os assistentes a jamais ocuparem
o local proibido, porque não queria que acontecesse problema com ninguém. Era
tão positiva essa advertência que ninguém a esqueceu daí por diante.
Algum tempo depois, às pancadas
e arranhaduras juntou-se um zumbido comparável ao som produzido por uma grossa corda
de violoncelo. Uma espécie de assobio misturava-se a esse zumbido. Se alguém
pedisse uma marcha ou uma dança, seu desejo era satisfeito: o músico invisível
mostrava-se muito complacente. Com o auxílio das arranhaduras, chamava pelo
nome as pessoas da casa ou os estranhos presentes; esses entendiam a quem eram dirigidos
os apelos. A esse chamado, a pessoa designada respondia sim, para dar a entender
que sabia tratar-se dela; então era executada, em sua homenagem, um trecho de
música, que por vezes dava lugar a cenas divertidas. Se alguém que não fosse
chamado respondia sim, a arranhadura fazia-se entender por um não,
exprimido a seu modo, de que nada tinha a dizer-lhe naquele momento. Tais fatos
se produziram pela primeira vez na noite do dia 10 de novembro e continuam a
manifestar-se até hoje.
Eis agora como procedia o
Espírito batedor para designar as pessoas. Desde várias noites, havia-se notado
que, aos diversos convites para fazer tal ou qual coisa, ele respondia por um
golpe seco ou por uma arranhadura prolongada. Tão logo o golpe seco era dado, o
batedor começava a executar o que se desejasse dele; ao contrário, quando
arranhava, não satisfazia o pedido. Um médico teve então a ideia de tomar por sim
o primeiro ruído, e por não o
segundo, sendo desde então confirmada essa interpretação. Notou-se também que,
por uma série de arranhões mais ou menos fortes, o Espírito exigia certos
objetos das pessoas presentes. Por força de atenção, e notando a maneira por
que o ruído se produzia, pôde-se compreender a intenção do batedor.
Assim, por exemplo, o Sr. Senger
contou que certa manhã, ao romper do dia, ouvira barulhos modulados de certa
maneira; sem ligar a isso nenhum sentido, percebeu que não cessavam senão quando
ele estava fora do leito, daí compreendendo que significavam: “Levanta-te”.
Foi assim que, pouco a pouco, familiarizou-se com essa linguagem e, por certos
sinais, pôde reconhecer as pessoas designadas.
Chegou o aniversário do dia em
que o Espírito batedor se havia manifestado pela primeira vez; numerosas
mudanças se tinham operado no estado de Philippine Senger. As batidas, os arranhões
e os zumbidos continuavam, mas, a todas essas manifestações juntou-se um grito
particular, que ora se assemelhava ao de um ganso, ora ao de um papagaio ou ao
de qualquer outra ave de grande porte; ao mesmo tempo, ouvia-se um como que
repicar na parede, semelhante ao ruído das bicadas de um pássaro. Nessa época,
Philippine Senger falava muito durante o sono, parecendo preocupada sobretudo
com um certo animal, semelhante a um papagaio, postado ao pé do leito, gritando
e dando bicadas na parede.
Desejando-se ouvir o papagaio
gritar, este emitia gritos pungentes.
Fizeram-se diversas perguntas,
às quais respondeu por gritos do mesmo gênero; várias pessoas ordenaram-lhe
dizer Kakatoès, e foi ouvida distintamente a palavra Kakatoès,
como se houvera sido pronunciada pelo próprio pássaro. Silenciaremos sobre os
fatos menos interessantes, limitando-nos a relatar o que houve de mais notável
em relação às modificações sobrevindas ao estado físico da garota.
Algum tempo antes do Natal as
manifestações renovaram-se com mais energia; os golpes e os arranhões tornaram-se
mais violentos e duravam mais tempo. Mais agitada que de costume, muitas vezes
Philippine pedia para não dormir em sua cama e, sim, na de seus pais; rolava no
leito, clamando: “Não posso mais ficar aqui; vou sufocar; eles vão me
encerrar na parede; socorro!”
E sua calma só retornava quando
a carregavam para o outro leito.
Apenas nele se achava e golpes
muito fortes eram ouvidos no alto; pareciam partir do sótão, como se um
carpinteiro martelasse sobre as vigas; algumas vezes eram tão vigorosos que a
casa ficava toda abalada, as janelas vibravam e as pessoas presentes sentiam o
chão tremer sob os pés; golpes semelhantes eram dados igualmente contra a
parede, perto da cama. Às perguntas formuladas, as mesmas pancadas respondiam
como ordinariamente, alternando-se sempre com as arranhaduras. Não menos
curiosos, os fatos que se seguem reproduziram-se muitas vezes:
Quando todo ruído havia cessado
e a menina repousava tranquilamente em seu pequeno leito, viram-na muitas vezes
prostrar-se e unir as mãos, mantendo fechados os olhos; depois virava a cabeça
para todos os lados, ora à direita, ora à esquerda, como se algo extraordinário
atraísse sua atenção. Um amável sorriso corria-lhe então sobre os lábios;
dir-se-ia que se dirigia a alguém; estendia as mãos e, por esse gesto,
compreendia-se que apertaria as mãos de alguns amigos ou conhecidos. Viram-na
também depois de tais cenas retomar sua primeira atitude suplicante, unindo
novamente as mãos e curvando a cabeça até tocar o cobertor, após o que se
endireitava e derramava lágrimas. Então suspirava e parecia orar com grande fervor.
Nesses momentos sua fisionomia se transformava: ficava pálida e adquiria a
expressão de uma mulher de 24 a 25 anos. Muitas vezes esse estado durava mais
de meia hora, durante o qual só exclamava ah! ah! As batidas, os
arranhões, o zumbido e os gritos cessavam até o momento do despertar. Então o batedor
novamente se fazia ouvir, procurando executar árias alegres, de modo a dissipar
a impressão penosa deixada na assistência. Ao despertar, a criança estava muito
abatida; podia apenas levantar os braços, e os objetos que lhe eram
apresentados não ficavam mais suspensos em seus dedos.
Curiosos em conhecer o que ela
havia experimentado, interrogaram-na várias vezes. Somente após reiterados
pedidos foi que se decidiu a contar que havia visto conduzirem e crucificarem o
Cristo no Gólgota; que a dor das santas mulheres prostradas ao pé da cruz e a
crucificação haviam-lhe produzido uma impressão impossível de descrever. Também
tinha visto uma porção de mulheres e de virgens vestidas de negro, e pessoas
jovens em longas roupas brancas, percorrendo em procissão as ruas de uma bela cidade;
finalmente, foi conduzida a uma vasta igreja, onde assistiu a um serviço
fúnebre.
Em pouco tempo o estado de
Philippine Senger se alterou de modo a causar inquietação quanto à sua saúde,
porque, estando acordada, divagava e sonhava em voz alta; não reconhecia os
pais, nem a irmã, nem qualquer outra pessoa, vindo esse estado agravar-se mais
ainda por uma completa surdez que persistiu durante quinze dias. Não podemos
silenciar sobre o que se passou nesse lapso de tempo.
A surdez de Philippine
manifestou-se de meio-dia às três horas, ela mesma declarando que ficaria surda
durante um certo tempo e que cairia doente. O que há de singular é que, por
vezes, recuperava a audição durante cerca de meia hora, com o que se mostrava
feliz. Ela própria predizia o momento em que a surdez se manifestaria e
desapareceria. Uma vez, entre outras, anunciou que à noite, às oito e meia,
ouviria claramente durante uma meia hora; com efeito, à hora predita voltou a
ouvir, e isso durou até às nove horas.
Durante a surdez seus traços se
modificavam; seu rosto adquiria uma expressão de estupidez, que perdia tão logo
retornava ao estado normal. Nada, então, causava impressão sobre ela; ficava sentada,
olhando as pessoas presentes fixamente e sem as reconhecer.
Ninguém se podia fazer
compreender a não ser por sinais, aos quais em geral não respondia,
limitando-se a fitar os olhos sobre os que lhe dirigiam a palavra. Uma vez
agarrou pelo braço, de repente, uma das pessoas presentes e lhe disse,
empurrando-a: Quem és, pois? Nessa situação permanecia às vezes por mais
de hora e meio imobilizada na cama. Seus olhos mantinham-se semiabertos e
parados num ponto qualquer; de vez em quando giravam à direita e à esquerda,
voltando depois ao mesmo lugar. Toda a sensibilidade parecia então embotada: o
pulso apenas batia e, quando lhe colocavam uma lâmpada diante dos olhos, não
fazia nenhum movimento: dir-se-ia morta.
Durante a surdez, numa noite em
que se achava deitada, aconteceu pedir uma lousa e um giz, escrevendo em
seguida: “Às onze horas falarei alguma coisa, mas exijo que permaneçam
quietos e silenciosos”. Depois dessas palavras acrescentou cinco sinais semelhantes
à escrita latina, mas que nenhum dos assistentes pôde decifrar. Foi escrito na
lousa que ninguém compreendia aqueles sinais. Em resposta a essa observação,
ela escreveu: “Não é que não possais ler!” E mais embaixo: “Não é
alemão, é uma língua estrangeira”. Em seguida, virando a lousa, escreveu do
outro lado: “Francisque (sua irmã mais velha) sentar-se-á à mesa e
escreverá o que eu ditar”. Fez acompanhar essas palavras de cinco sinais semelhantes
aos primeiros e entregou a lousa. Notando que tais sinais ainda não eram
compreendidos, pediu de volta a lousa e aditou: “São ordens particulares”.
Um pouco antes das onze horas,
disse: “Ficai tranquilos; que todos se sentem e prestem atenção!” e, ao
baterem onze horas virou-se em seu leito e entrou em sono magnético habitual.
Alguns instantes mais tarde pôs-se a falar, sem interrupção, durante cerca de
meia hora. Entre outras coisas declarou que durante o ano em curso
produzir-se-iam fatos que ninguém compreenderia, e que todas as tentativas
feitas para os explicar seriam infrutíferas.
Durante a surdez da jovem Senger
a desordem dos móveis, a abertura inexplicada das janelas e a extinção das
luzes colocadas na mesa de trabalho repetiram-se várias vezes. Certa noite aconteceu
que dois bonés, que estavam pendurados em um cabide do quarto de dormir, foram
atirados sobre a mesa do outro quarto, derrubando uma xícara cheia de leite que
se esparramou pelo chão.
As batidas contra o leito eram
tão violentas que o deslocaram de seu lugar; algumas vezes foi mesmo desmontado
ruidosamente, sem que as pancadas se fizessem ouvir.
Como houvesse ainda pessoas
incrédulas, ou que atribuíam essas singularidades a uma brincadeira da criança,
que, segundo elas, batia ou arranhava com os pés ou com as mãos, se bem
tivessem os fatos sido constatados por mais de cem testemunhas, e que fora
verificado que a mocinha tinha os braços estendidos sobre a coberta enquanto se
produziam os ruídos, o capitão Zentner imaginou um meio de os convencer. Mandou
trazer da caserna dois cobertores muito grossos, os quais foram postos um sobre
o outro e ambos envolveram o colchão e os lençóis da cama; eram felpudos, de
tal sorte que neles seria impossível produzir o mais leve ruído por simples
atrito. Vestindo uma simples camisa e uma camisola de dormir, Philippine foi
colocada sobre os cobertores; apenas acomodada, as arranhaduras e os golpes se
produziram como antes, ora na madeira do leito, ora no armário vizinho,
conforme o desejo que era manifestado.
Acontecia muitas vezes que
quando alguém cantarolava ou assobiava uma ária qualquer o batedor o
acompanhava e os sons percebidos pareciam provir de dois, três ou quatro
instrumentos: ao mesmo tempo ouvia-se arranhar, bater, assobiar e retumbar, conforme
o ritmo da ária cantada. Muitas vezes também o batedor pedia a um dos
assistentes que cantasse uma canção; designava-o pelo processo que já
conhecemos e, quando a pessoa compreendia que era a si mesma que o Espírito se
dirigia, perguntava, por sua vez, se devia cantar tal ou qual ária; respondias-lhe
por sim ou não. Ao cantar a ária indicada, um acompanhamento de
zumbidos e assobios fazia-se ouvir perfeitamente no compasso. Depois de uma música
alegre, frequentemente o Espírito pedia o hino: Grande Deus, nós te louvamos,
ou a canção de Napoleão I. Se se lhe pedisse para tocar sozinho esta última
canção, ou qualquer outra, executava-a do começo ao fim.
As coisas iam assim na casa dos
Senger, quer de dia, quer de noite, durante o sono ou no estado de vigília da
menina, até o dia 4 de março de 1853, época em que as manifestações entraram numa
nova fase. Esse dia foi marcado por um fato ainda mais extraordinário que os
precedentes.
(Continua
na próxima semana)
Observação –
Esperamos que nossos leitores não nos censurem pela extensão que demos a esses
curiosos detalhes, e que leiam a sua continuação com não menor interesse.
Faremos notar que esses fatos não nos vêm de além-mar, cuja distância é um
grande argumento, pelo menos para certos cépticos; nem mesmo vêm de além-Reno,
porquanto se passaram em nossas fronteiras, quase sob nossos olhos e há seis
anos apenas.
Como se vê, Philippine Senger
era uma médium natural muito complexa; além da influência que exercia sobre os
fenômenos bem conhecidos dos ruídos e movimentos, era uma sonâmbula extática.
Conversava com seres incorpóreos que via; ao mesmo tempo via os assistentes e
lhes dirigia a palavra, embora nem sempre lhes respondesse, o que prova que em
certos momentos se achava isolada. Para aqueles que conhecem os efeitos da
emancipação da alma, as visões que relatamos nada têm que não possam ser explicadas
facilmente; nesses momentos de êxtase é provável que o Espírito da criança se
visse transportado para algum país longínquo, onde assistia, talvez em
recordação, a uma cerimônia religiosa. Pode-se admirar da lembrança que
conservava ao despertar, mas esse fato não é insólito; de resto, pode-se notar
que a lembrança era confusa, sendo necessário insistir muito para provocá-la.
Se observarmos atentamente o que
se passava durante a surdez, reconheceremos sem dificuldade um estado
cataléptico.
Uma vez que essa surdez era
apenas temporária, é evidente que não provocava alterações nos órgãos da
audição. O mesmo podemos dizer da obliteração momentânea das faculdades
mentais, que nada tinha de patológico, visto que, num dado instante, tudo voltava
ao estado normal. Essa espécie de estupidez aparente resultava de um
desprendimento mais completo da alma, cujas excursões faziam-se com maior
liberdade, não deixando aos sentidos senão a vida orgânica. Que se julgue,
pois, o efeito desastroso que teria resultado de uma intervenção terapêutica em
semelhante circunstância! Fenômenos do mesmo gênero podem produzir-se a cada
momento; não saberíamos, nesse caso, recomendar maior circunspecção; uma
imprudência pode comprometer a saúde e até mesmo a vida.
[1] Revista Espírita – junho/1858 – Allan Kardec
[2] Teremos ocasião de falar da indisposição dessa
criança; como, entretanto, depois de sua cura reproduziram-se os mesmos
efeitos, isso é uma prova evidente de que eram independentes de seu estado de
saúde.
[3] N. do T.: Nota-se que há discordância do
relator da brochura quanto ao sexo da criança responsável pelos fenômenos, aqui
apresentada como uma menina, ao invés do garoto descrito no fascículo do mês
anterior. O mesmo podemos dizer dos nomes próprios, ora grafados como Sanger ou
Senger, ora como Beutner ou Bentner.
[4] Uma sonâmbula de Paris havia entrado em relação com a
jovem Philippine e, desde então, esta caía espontaneamente em sonambulismo.
Nessa ocasião passavam-se fatos notáveis, que
relataremos de outra vez. (Nota do
tradutor francês)
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