Miramez
Nos mundos mais adiantados que o nosso, onde não existem
todas as nossas necessidades físicas e as nossas enfermidades, os homens
compreendem que são mais felizes do que nós? A felicidade, em geral, é relativa;
sentimo-la por comparação com um estado menos feliz. Como, em suma, alguns
desses mundos, embora melhores que o nosso, não chegaram ao estado de
perfeição, os homens que os habitam devem ter motivos de aborrecimento a seu
modo. Entre nós, o rico, ainda que não sofra a angústia das necessidades
materiais como o pobre, não está menos sujeito a tribulações que lhe amarguram
a vida. Ora, pergunto se, na sua posição, os habitantes desses mundos não se
sentem tão infelizes quanto nós e não lastimam a própria sorte, já que não têm
a lembrança de uma existência inferior para comparação?
− A isto é preciso dar duas respostas diferentes. Há
mundos, entre aqueles de que falas, em que os habitantes, situados, como dizes,
em melhores condições que vós, nem por isso estão menos sujeitos a grandes
desgostos e mesmo a infelicidades. Estes não apreciam a sua felicidade pelo
fato mesmo de não se lembrarem de um estado ainda mais infeliz. Se, entretanto,
não a apreciam como homens, o fazem como Espíritos.
Não há, no esquecimento
dessas existências passadas, sobretudo quando foram penosas, alguma coisa de
providencial, onde se revela a sabedoria divina? É nos mundos superiores,
quando a lembrança das existências infelizes não passa de um sonho mau, que elas
se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, as infelicidades presentes não
seriam agravadas pela recordação de tudo aquilo que se tivesse suportado?
Concluamos, portanto, que tudo quanto Deus faz é bem feito, e que não nos cabe
criticar as suas obras e dizer como Ele deveria ter regulado o Universo.
A lembrança de nossas
individualidades anteriores teria gravíssimos inconvenientes.
Poderia, em certos casos,
humilhar-nos extraordinariamente; em outros, exaltar o nosso orgulho, e por
isso mesmo entravar o nosso livre arbítrio. Deus nos deu, para nos melhorarmos,
justamente o que nos é necessário e suficiente: a voz da consciência e nossas
tendências instintivas, tirando-nos aquilo que nos poderia prejudicar.
Acrescentemos ainda que, se tivéssemos a lembrança de nossos atos pessoais
anteriores, teríamos a dos atos alheios, e esse conhecimento poderia ter os
mais desagradáveis efeitos sobre as relações sociais. Não havendo sempre motivo
para nos orgulharmos do nosso passado é quase sempre uma felicidade que um véu
seja lançado sobre ele. Isso concorda perfeitamente com a doutrina dos
Espíritos sobre os mundos superiores ao nosso. Nesses mundos, onde não reina
senão o bem, a lembrança do passado nada tem de penosa; é por isso que neles se
recorda com frequência a existência precedente, como nos lembramos do que
fizemos na véspera. Quanto à passagem que se possa ter tido por mundos inferiores,
a sua lembrança nada mais é, como dissemos, do que um sonho mau. (Allan Kardec)
Questão 394 / O Livro dos Espíritos
Certamente que no mundo onde se
inicia a perfeição espiritual, onde ninguém faz mais o mal, os Espíritos têm
mais capacidade de recordação do passado, de modo a não se perturbarem com tais
recordações. As lembranças são de acordo com a elevação da alma, isso é lei de justiça
divina, na computação de valores espirituais, na jornada de Espírito imortal.
Nos mundos elevadíssimos, não há
mais interesse de recordações, as quais ficarão de lado, a não ser quando elas
possam ser ponto de lições para outrem. O Espírito puro nada deixa se perder.
Encandeia-se tudo para o todo, na profusão do amor, que não tem limites.
Existem mundos nos quais as lembranças do Espírito não são bem claras, mas o
Espírito se encontra preparado para resgatá-las com coragem; sabe o que deve
passar no carro cármico e aproveita as lições com eficiência; entretanto a alma
não está preparada, como no caso das que habitam a Terra, as recordações vêm
trazer embaraços ao próprio despertamento espiritual. Deus sabe o que faz na
Sua casa grande, e para cada criatura em separado.
A Terra é um mundo de provações
duras, onde os resgates são violentos, nos caminhos humanos. Dessa forma, as
lembranças vêm como leves intuições do passado distante. São, às vezes,
complemento dos sonhos, ou vêm mesmo nas conversas de amigos, desde quando prestemos
atenção no que ouvimos. Até mesmo os livros que tratam da História podem nos servir
de estímulos de recordações, porque os fatos acontecidos e registrados têm algo
a ver conosco.
Em quase todos os casos, se
recordássemos das vidas pretéritas, assomar-nos-ia a apatia, atrapalhando o
nosso presente. Faltaria em nossos caminhos de reparação o ânimo suficiente para
as lutas. Deus sabe o que deve ser feito.
As recordações que os Espíritos
inferiores têm do passado trazem nuvens cruvianas no presente, de difícil
reparação, e é sob esse ponto de vista que Deus nos abençoa, filtrando as nossas
necessidades espirituais de modo que elas cheguem à nossa consciência de acordo
com as nossas necessidades espirituais. Ele deixa as recordações mais exatas
para mundos mais elevados, de modo que haja mais esforços, sem turvamento da
mente, nos campos da limpeza cármica.
Jesus foi o maior de todos os
mestres, a nos ensinar as leis e nos prover de forças tais que os caminhos nos
mostram meios diversos de nos curarmos. Gravíssimo perigo seria se lembrássemos
das nossas existências anteriores, como lembramos do ocorrido de ontem. A confusão
assomaria o nosso eu, deixando-nos sem solução, mas a Bondade Divina prevê todos
os desastres sem reparo, e nos coloca em lugares mais fáceis de nos
conscientizarmos das nossas necessidades espirituais.
Não devemos esmorecer, pois a
Terra logo irá passar a outro nível, na escala dos mundos, onde as recordações
do passado serão mais claras e os recursos mais eficientes, em todo os rumos.
Convém que todos os Espíritos encarnados e desencarnados trabalhem dentro de si
mesmos buscando a verdade, que ela sempre liberta os nossos corações ainda
presos nas sombras do passado.
Se estamos em mundo inferior, já
estivemos pior, e é nessa certeza que entra a esperança de que, em breves
tempos, passaremos a pertencer a um mundo melhor.
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