sábado, 20 de janeiro de 2024

ENTRE OS IRMÃOS E NOS CENTROS[1]

 



Miguel Vives y Vives

 

Todo espírita deve portar-se com a maior humildade possível, perante os seus irmãos. Porque a humildade é sempre um exemplo de boas maneiras, jamais nos compromete, nem é causa de distúrbios e de rixas. Essa humildade, porém, não deve ser nunca fingida, mas leal e sempre disposta a servir. O espírita deve sempre considerar-se inferior a seus irmãos, dispondo-se a ser o servidor de todos.

Porque sabe que o servidor de todos deve ser o primeiro, e por mais que faça nunca poderá pagar Àquele que tudo criou. E por mais que saiba, jamais alcançará a infalibilidade. Assim, pois, sempre poderá equivocar-se. Portanto, assim compreendendo, nunca fará alardes de saber, nem de possuir faculdades, e menos ainda de considerá-las extraordinárias, mas exporá suas ideias de maneira prudente, sensata e com oportunidade.

Se alguma vez for importunado por um de seus irmãos, procurará responder de bom modo. Se não for possível que, de momento, o irmão entenda a sua razão, calará, esperando uma ocasião propícia. Então, com a humildade que deve caracterizá-lo, tentará convencê-lo e levá-lo à razão, se possível. Assim estará usando a caridade, porque todo espírita deve ser caridoso para com o seu irmão.

Da mesma maneira que, para realizar uma empresa, um negócio, adquirir algum objeto que nos agrada, fazemos às vezes sacrifícios e trabalhos, e os conseguimos, o espírita não deve olvidar que não há empresa maior, nem trabalho mais nobre do que atrair o amor leal e sincero de seus irmãos. Nada há na Terra tão proveitoso como fazer-se uma criatura de paz, de amor e de concórdia. Quem assim age, torna-se uma garantia para a tranquilidade e o progresso de seus irmãos e constitui uma base para toda a propaganda proveitosa e eficaz do Espiritismo.

Quando vemos, pois, que um de nossos irmãos anda em erro, ninguém deve lançar-se contra ele, mas sim lembrar que todos podemos cair enfermos do corpo e da alma. Se não for possível atraí-lo por meio da caridade, o espírita deve atraí-lo pela indulgência. Há um grande meio para atrair nossos irmãos: tratemos de descobrir neles, sem faltar à justiça, alguma coisa que os agrade e que possamos estimular. Quando algum irmão se extravia nos costumes ou maneiras, tanto no falar como no agir, não se deve nunca cobri-lo de murmurações, nem de julgamentos levianos, nem abandoná-lo ou rejeitá-lo, antes de se haver experimentado os meios possíveis de atraí-lo.

Digo que a descoberta de alguma inclinação ou costume favorável, no irmão faltoso, pode às vezes servir-nos para atraí-lo.

Procuremos aparentar que o costume ou inclinação nos agradam, e por meio dele contrair amizade mais íntima, para ver se através de maior confiança conseguimos exercer a influência moral para levá-lo ao bom caminho. Isto é lícito e de alto sentido moral, desde que o espírita que o pratique para ajudar o seu irmão não venha também a extraviar-se. Para deixar mais claro: devemos estudar as nossas boas qualidades, para ver se, apoiados no seu conjunto, podemos reparar os defeitos. Mas, quando tudo se fez para corrigir um irmão, sem que ele se deixe convencer, é necessário que, sem ruído, sem qualquer atrito, nos afastamos dele, procurando não contaminar-nos e evitar que outros se contaminem – sempre, porém, depois de adotados todos os recursos que nos aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade[2].

Dissemos que todo espírita deve ser caridoso com seu irmão.

Isto se demonstra pelo simples fato de que a lei divina nos obriga a praticar a caridade com todos. Muito mais devemos praticá-la com os que, do ponto de vista espiritual, devem formar conosco uma mesma família. Assim, pois, o espírita não deve abandonar o seu irmão numa crise, nem na doença, nem na miséria. Muito pelo contrário, deve ser para ele como um pai ou uma mãe, consolando-o em suas aflições, assistindo-o em suas enfermidades, ajudando-o em suas necessidades, protegendo-o na velhice, dando-lhe a mão da mocidade. Numa palavra: o espírita deve ser, para o seu irmão, a verdadeira providência terrena, sustentando-o em tudo o que puder, em todos os transes da vida planetária.

Assim como moralmente devemos ser caridosos, indulgentes e humildes para com os nossos irmãos, materialmente não o devemos ser menos. Dessa maneira é que criaremos entre nós uma verdadeira fraternidade. Porque o amor dispensa muitas coisas, e se chegarmos ao verdadeiro amor entre nós, não há dúvida que suportaremos com gosto os nossos mútuos defeitos.

Eis a maneira de dar bom exemplo à Humanidade, que se apresenta tão cheia de males e egoísmos. Eis a maneira de tornar mais leve a cruz que, por lei, temos de carregar neste mundo.

Porque o amor é a seiva divina, é o bem e a paz. Eis, pois, a maneira de atrair a atenção da Humanidade e demonstrar-lhe que a palavra irmão não é apenas uma fórmula, mas a expressão do amor que sentimos. Eis a maneira de constituir uma família que nos livraria de muitas amarguras que hoje nos oprimem, e que nos daria muitos dias de paz e de alegria. Reinaria em nossas reuniões tanta cordialidade e tanto amor, que nelas os nossos espíritos se regenerariam.

Não quero dizer, com isto, que não haja paz entre nós, porém, que haveria mais. Não direi que não haja amor e proteção, mas esta seria mais eficiente e outros horizontes se abririam em nossas reuniões, em nossos Centros, em nossas sessões. Há, entre nós, amor e proteção mútua, porém, esta precisa ser mais decisiva. O amor entre nós carece de mais entusiasmo. Há caridade, mas ela deve ser mais ampla e generosa. Se na Terra não é possível encontrar-se moradas de paz fora da família, isto se deve dar entre nós. Portanto é necessário que nos tratemos com indulgência, amor e caridade.

Somente assim cumpriremos o que nos propusemos, ao vir à Terra. Pois não somos espíritas por acaso, mas porque viemos preparados para tanto. Não há dúvida de que fizemos propósito, desde o mundo espiritual, de praticar o bem, e só a perturbação pode fazer-nos olvidar esses compromissos. Por isso é necessário fazermos grandes esforços, para que a proteção espiritual nos possa despertar a lembrança dos propósitos esquecidos.

E a verdade é que nem sempre o amor em desenvolvimento, a caridade e a humildade dominam nos Centros e nas nossas reuniões. Causa lástima ver, como vi algumas vezes, lutas nos Centros para a disputa dos primeiros lugares. É doloroso ver surgirem as discussões e as desavenças, porque este ou aquele quer ser o presidente. Isto nos mostra até onde se pode chegar, quando se perde o bom senso espírita. E isto sucede quando, num Centro, se perde o verdadeiro amor ao Pai e o sentimento de gratidão para com Nosso Senhor e Mestre.

Os que exercem mais influências num Centro Espírita são os que devem viver mais alerta, os que mais necessitam observar as regras prescritas nos capítulos anteriores, por que são encarregados de vigiar e conduzir os de menos alcance e menos compreensão. Se todos os espíritas devem ser praticantes da caridade, da adoração ao Pai em espírito e verdade, da admiração constante pela grandeza da obra de Deus e pela sua providência e o seu amor imenso; praticantes da admiração e estima pelo Mártir Sublime, Senhor dos senhores; se a todos cabem o conhecimento e o cumprimento de sua lei, a prática da humildade, da indulgência, da temperança e do amor ao próximo, quanto mais incumbem todas essas coisas aos que chegam a ter influência no meio espírita e dirigir a alguns de seus irmãos! A missão desses dirigentes é sumamente delicada, porque, segundo a sua maneira de agir, podem levar alguns ou muitos ao bom caminho, ou fazê-los encalhar nos tropeços da vida.

Aqueles que, por seu entendimento, podem compreender melhor e se convertem em guias de seus irmãos, não mais se pertencem a si mesmos, passam a ser exemplos para os seus irmãos e não podem falsear a verdade. Têm de ser fiéis à lei divina e procurar sempre viver alerta, para não caírem nos erros de interpretação. Devem ser modelos em tudo. Nunca podem deixar-se dominar pelo amor-próprio, que é sempre um mau conselheiro e que todo espírita deve rechaçar, mormente os que dispõem de inteligência superior à da generalidade. Os que se destacam por sua compreensão podem tirar grandes benefícios de sua missão, elevando-se a grande altura espiritual, se empregarem sua existência em benefício de seus irmãos, fazendo-se modelos das virtudes e práticas referidas. Mas podem também contrair grandes débitos, se empregam sua superioridade para satisfações pessoais, ou se, agindo sem o devido cuidado, não conseguem produzir os frutos que deviam. Apesar de minha insignificância, tremo somente ao pensar que poderia cometer alguma falta, que por descuido ou amor-próprio, ou por falta de amor a Deus e de gratidão ao Senhor, ou ainda por falta de indulgência, amor e caridade, pudesse ser causa do extravio de alguns de meus irmãos.

Não podemos ser infalíveis. Mas, quando falhamos na prática da lei divina, se essa falha só prejudica a nós mesmos, devemos corrigi-la, e se exorbita de nós e pode prejudicar aos nossos irmãos, na prática do Espiritismo, devemos estar prontos a dar todas as satisfações necessárias, socorrendo-nos de todas as virtudes que o caso requeira, até apagar de uma vez as manchas da falta cometida.

Acontece, às vezes, que são duas pessoas que exercem uma influência decisiva sobre os irmãos de um Centro. Essas pessoas devem evitar sempre a formação de dois partidos, mantendo os irmãos sempre na maior união possível. Mas se a influência de ambas não basta para manter a unidade e o amor entre os irmãos, que devem sempre reinar nos Centros Espíritas, só lhes resta colocar-se nos últimos lugares, selando suas bocas e só falando para lembrar os ensinos do Senhor. Faz pouco tempo, alguns espíritas me procuraram para dirimir suas questões, dando razão ao lado que me parecesse mais certo. Atendi-os, para que não dissessem que não os quisera ouvir. A questão consistia em que alguns haviam dirigido certas palavras desrespeitosas a outros.

Quando me pediram um parecer, respondi-lhes o seguinte:

Os que pronunciaram essas palavras pouco caridosas pensaram, antes de fazê-lo, no dever espírita de praticar a lei de caridade, amor, indulgência e fraternidade, a que nos obriga o Espiritismo? E os que foram ofendidos, antes de se melindrarem, não se lembraram de que o Senhor e Mestre deixou-se beijar pelo apóstolo traidor, e não respondeu nem uma palavra aos insultos, aos golpes, às feridas que lhe infligiam os seus verdugos, mas antes os perdoou e pediu perdão para eles?

E então concluí:

Ide, pois, aprendei o que o Espiritismo vos ensina, inteirai-vos bem do que o Senhor determina em seu Evangelho e do que ele mesmo fez. E quando estiverdes bem inteirados e puserdes em prática vós mesmos esses exemplos e ensinos, então me direis quem está com a razão e quem não está.

Assim, entendo que não é fácil haver dissensões onde reinem o amor, a caridade e a humildade. Porque cada um se considerará como o servidor dos outros e terá prazer em sê-lo, porque saberá que assim dá cumprimento à lei e assim se desenvolve. Saberá ainda que por esse caminho chegará à sua felicidade, enquanto pelo caminho contrário lavraria a sua própria ruína, que mais hoje, mais amanhã, terá de enfrentar. Entendo também que podem aparecer problemas de difícil solução. Nestes casos, os mais prudentes se calam e suplicam o auxílio de Deus, esperando que o tempo e os acontecimentos deem remédio aos males.

Só se recorre a uma medida extrema quando nem a caridade, nem a indulgência, nem o amor e a humildade podem remediar esses males. Mas essa medida deve ser executada com prudência, através das boas maneiras recomendadas pela mais elevada moral, evitando-se murmurações e sobretudo fatos que possam originar escândalos, fora do meio espírita, porque então se incorre numa grande falta, pois escândalos e publicidade causam grandes danos aos que nos observam. Essas coisas dão motivo a que se considerem os espíritas como homens que não seguem nenhuma doutrina moral.

Em resumo:

§  Entendemos que nos Centros Espíritas deve haver aqueles que dirijam e ensinem, mas estes não se fazem por meio de votação ou da vontade de alguns irmãos, pois que já vêm escolhidos do Alto; por isso, é preciso o maior cuidado em saber reconhecer os que estão mais aptos para o trabalho especial; uma vez reconhecidos, deve-se procurar fazer com que ocupem o lugar para o qual vieram ao Centro, e enquanto não houver motivo, deve-se fazer com que permaneçam no posto, pois do contrário corre-se o risco de perder a verdadeira orientação lógica e cair em graves erros[3].4

§  Não nos cansaremos de repetir: nos Centros onde reinem o amor e a adoração ao Pai, em espírito e verdade; a admiração, o respeito e o amor ao Senhor; a indulgência, a caridade e a humildade, não faltarão paz e harmonia entre os irmãos. Pelo contrário, sua vida deslizará mais tranquila, sentirão a alma leve e alegre, porque muitas vezes receberão a influência dos bons Espíritos. Farão grande progresso e terão uma recompensa no mundo espiritual, mais do que podem calcular.



[1] O TESOURO DOS ESPÍRITAS – Miguel Vives y Vives

[2] Sabemos que os próprios Espíritos Protetores afastam-se das criaturas que se recusam a corrigir-se (veja-se em O Livro dos Espíritos, Segunda Parte, Capítulo IX, o tópico que trata do assunto). O único remédio é deixá-lo prosseguir na difícil experiência que escolheram. Questão de livre-arbítrio. (N.T.)

[3] O autor coloca, neste ponto, o problema melindroso da direção dos Centros e demais instituições doutrinárias. Lendo atentamente, vemos que ele concilia a forma de eleição com a do reconhecimento da missão. Não quer dizer que um irmão tome a presidência ou a direção dos trabalhos por mandado dos Espíritos, mas que há pessoas “escolhidas” pelo Alto e encaminhadas ao Centro para exercer funções especiais. A própria congregação é que deve “saber reconhecer”, ou descobrir essas pessoas, elegendo-as e mantendo-as no seu posto. É o que geralmente se faz nas instituições em que reina o amor evangélico. As disputas de cargos só aparecem onde esse amor é substituído pelos interesses mundanos. (N.T.)

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