Allan Kardec
No mês de março passado, um
jornal inglês noticiava o seguinte sobre o Sr. Morisson, que acabava de morrer
na Inglaterra, deixando uma fortuna de cem milhões de francos. Segundo o
jornal, nos últimos anos de sua vida ele era presa de singular monomania:
imaginava-se reduzido à extrema pobreza e devia ganhar o pão de cada dia com um
trabalho manual. Sua família e seus amigos haviam reconhecido a inutilidade de
tentar fazê-lo mudar de ideia; era pobre, não possuía um centavo e devia
trabalhar para viver: essa a sua convicção. Punham-lhe, pois, uma enxada nas
mãos a cada manhã, e o mandavam trabalhar em seus jardins. Logo vinham
procurá-lo, pois sua tarefa estava concluída; pagavam-lhe um salário modesto
pelo trabalho, e ele ficava contente; seu espírito era apaziguado e sua mania
satisfeita. Teria sido o mais infeliz dos homens se o tivessem contrariado.
1. Peço a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito
Morisson, que acaba de morrer na Inglaterra, deixando uma fortuna considerável,
que se comunique conosco.
– Estou aqui.
2. Lembrai-vos do estado em que vos acháveis durante
os dois últimos anos de vossa existência corporal?
– É sempre a mesma.
3. Após a morte, vosso Espírito ficou ressentido da
aberração de vossas faculdades durante a vida?
– Sim. (São Luís completa a resposta, dizendo
espontaneamente): “Desprendido do corpo, por algum tempo o Espírito sente a
compressão dos seus laços”.
4. Assim, uma vez morto, não recobrou vosso Espírito imediatamente
a plenitude de suas faculdades?
– Não.
5. Onde estais agora?
– Atrás de Ermance.
6. Sois feliz ou infeliz?
– Falta-me alguma coisa... Não sei o quê...
Procuro... Sim, sofro.
7. Por que sofreis?
– “Sofre pelo bem que não fez” (São Luís).
8. De onde provinha essa mania de vos imaginar pobre
com tão grande fortuna?
– Eu o era; verdadeiramente rico é aquele que não
tem necessidades.
9. Qual a origem dessa ideia de que era necessário
trabalhar para viver?
– Eu era louco e ainda o sou.
10. Essa loucura vinha de onde?
– Que importa? Eu havia escolhido essa expiação.
Qual era a origem de vossa fortuna?
– Que te importa?
12. Entretanto, a invenção que fizestes não tinha por
fim o alívio da Humanidade?
– E enriquecer-me também.
13. Que uso fizestes da fortuna quando desfrutáveis da
plenitude da razão?
– Nenhum; creio que a gozava.
14. Por que vos teria Deus concedido fortuna, já que
não devíeis empregá-la em benefício dos outros?
– Eu havia escolhido a prova.
15. O que desfruta de uma fortuna adquirida pelo
trabalho não é mais desculpável por se apegar a ela do que aquele que nasceu na
opulência e jamais conheceu a necessidade?
– Menos. (São Luís acrescenta): “Aquele
conhece a dor, mas não a alivia”.
16. Lembrai-vos da existência que precedeu a que
acabais de deixar?
– Sim.
17. Que éreis, então?
– Um operário.
18. Dissestes que éreis infeliz; vedes um termo ao
vosso sofrimento?
– Não. (São Luís acrescenta): “É cedo
demais”.
19. De que depende isso?
– De mim. O que está ali me disse.
20. Conheceis aquele que está ali?
– Vós o chamais Luís.
21. Sabeis o que foi ele na França no século XIII?
– Não... Conheço-o por vosso intermédio... Agradeço
por aquilo que me ensinou.
22. Acreditais numa nova existência corporal?
– Sim.
23. Se tiverdes de renascer na vida corpórea, de quem
dependerá a posição social que desfrutareis?
– De mim, suponho. Já escolhi tantas vezes que isso
não pode depender senão de mim.
Observação – Essas palavras: “Já escolhi tantas vezes”
são características. Seu estado atual prova que, apesar das numerosas
existências, pouco progrediu, estando sempre a recomeçar.
24. Qual a posição social que escolheríeis, caso
pudésseis começar de novo?
– Baixa; avança-se com mais segurança; só se está encarregado
de si mesmo.
25. [A São Luís] Não haverá um sentimento de egoísmo na
escolha de uma posição inferior, na qual só estamos encarregados de nós mesmos?
– “Em parte alguma estamos encarregados apenas de
nós mesmos; o homem responde por aqueles que o cercam, e não apenas pelas almas
cuja educação lhe foi confiada, mas ainda das outras: o exemplo faz todo o mal”.
26. (A Morisson) Agradecemos por haverdes respondido às
nossas perguntas e rogamos a Deus vos dê forças para que possais suportar novas
provas.
– Vós me aliviastes. Aprendi.
Observação – Pelas respostas acima se reconhece
facilmente o estado moral desse Espírito; são curtas e, quando não
monossilábicas, têm algo de sombrio e de vago: um louco melancólico não falaria
de outro modo. Essa persistência da aberração das ideias após a morte é um fato
notável, embora não seja constante, podendo apresentar, por vezes, um caráter
bem diverso. Teremos oportunidade de citar vários exemplos, onde se estudam os
diferentes gêneros de loucura.
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