sexta-feira, 3 de novembro de 2023

DEVEMOS REVER OS CONCEITOS SOBRE IMPULSO SEXUAL?[1]

 


Ricardo Baesso de Oliveira

           

A obra mediúnica de Chico Xavier, notadamente os textos de André Luiz e Emmanuel, foi fortemente influenciada pelo pensamento psicanalítico, hegemônico em grande parte do século XX.

Quando o DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua terceira edição (1980), não validou os conceitos freudianos sobre neurose, por falta de embasamento científico, a obra de André Luiz e Emmanuel encontrava-se praticamente concluída.

Um dos conceitos examinados por André Luiz é o do impulso sexual, ou impulso criador. Segundo o autor, a individualidade espiritual possui em sua estrutura íntima uma força especial, investida de potentes faculdades criadoras (?) o impulso criador. Movida por essa força, a coletividade humana avança, vagarosamente, para o supremo alvo do divino amor. Desejo, posse, simpatia, carinho, criatividade, devotamento, renúncia e sacrifício constituem aspectos dessa jornada sublimadora, em que a alma vai aprendendo, paulatinamente, a se valer do impulso criador para conquistas mais nobres[2].

Escreveu:

[...] A energia natural do sexo, inerente à própria vida em si, gera cargas magnéticas em todos os seres, pela função criadora de que se reveste, cargas que se caracterizam com potenciais nítidos de atração no sistema psíquico de cada um e que, em se acumulando, invadem todos os campos sensíveis da alma, como que a lhe obliterar os mecanismos outros de ação, qual se estivéssemos diante de usina reclamando controle adequado[3].

E também, na mesma obra:

[...] o instinto sexual não é apenas agente de reprodução entre as formas superiores, mas, acima de tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo qual as criaturas encarnadas ou desencarnadas se alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquico-magnéticos que lhes são necessários ao progresso.

Em uma única vez, André se vale da expressão energia sexual. Examinando os casamentos sacrificiais, ele diz que isso pode se dar porque, comumente, é preciso resgatar essa ou aquela dívida que contraímos com a energia sexual, aplicada de maneira infeliz ante os princípios de causa e efeito[4].

Emmanuel se valeu frequentemente da expressão energia sexual, dando-lhe o mesmo significado de impulso criador ou impulso sexual. Na obra “Vida e sexo”, Emmanuel coloca o que pensa a respeito:

A energia sexual, como recurso da lei de atração, na perpetuidade do Universo, é inerente à própria vida, gerando cargas magnéticas em todos os seres, à face das potencialidades criativas de que se reveste [...]

À medida que a individualidade evolui, no entanto, passa a compreender que a energia sexual envolve o impositivo de discernimento e responsabilidade em sua aplicação, e que, por isso mesmo, deve estar controlada por valores morais que lhe garantam o emprego digno [...]

[...] em nenhum caso, ser-nos-á lícito subestimar a importância da energia sexual que, na essência, verte da Criação Divina para a constituição e sustentação de todas as criaturas.

Agindo assim, por amor, doando o corpo a serviço dos semelhantes, e, por esse modo, amparando os irmãos da Humanidade, através de variadas maneiras, convertem a existência, sem ligações sexuais, em caminho de acesso à sublimação, ambientando-se em climas diferentes de criatividade, porquanto a energia sexual neles não estancou o próprio fluxo; essa energia simplesmente se canaliza para outros objetivos (?) os de natureza espiritual[5].

Segundo André Luiz, Freud identificou esse impulso na libido (?) a energia erótica[6].

Segundo Freud, as pessoas são motivadas, primariamente, por impulsos dos quais têm pouca ou nenhuma consciência. Freud usou a palavra alemã Trieb para se referir a esse impulso ou estímulo dentro da pessoa. Esse termo foi traduzido como instinto, impulso ou pulsão. Os impulsos operam como uma força motivacional constante. Os vários impulsos podem ser agrupados sob dois títulos: sexo, ou Eros, e agressividade, destruição ou Tanatos. Freud usou a palavra libido para o impulso sexual.

O objetivo final do impulso sexual (redução da tensão sexual) não pode ser mudado, mas o caminho pelo qual a finalidade é alcançada pode variar. Como esse caminho é flexível e como o prazer sexual provém de outros órgãos além dos genitais, muitos comportamentos originalmente motivados por Eros são difíceis de reconhecer como comportamento sexual.

Para Freud toda atividade prazerosa é rastreável até o impulso sexual. A maioria das pessoas é capaz de sublimar uma parte da libido, a serviço de valores culturais mais elevados, enquanto, ao mesmo tempo, retém quantidade suficiente de impulso sexual para perseguir o prazer erótico individual[7].

As neurociências têm entendido a sexualidade humana de forma bem diferente, pois não conseguiram identificar esse impulso sexual como algo que existe e flui naturalmente na intimidade humana. Consideram que a resposta sexual humana constitui um conjunto de modificações fisiológicas que ocorrem após um estímulo sexual positivo.  Ou seja, o impulso sexual é gerado apenas como consequência de ativações específicas, e não como algo que existe naturalmente. Esses estímulos podem decorrer de sinalizações químicas (particularmente nos animais), sensoriais (visuais, auditivas, táteis, olfativas), ou decorrentes de construções mentais, fantasias, ou recordações de vivências prévias, agindo, primordialmente, sobre o hipotálamo.

As bases neurofisiológicas do desejo sexual não foram completamente delineadas, mas sabe-se que:

1.       depende da atividade de uma estrutura anatômica específica do cérebro;

2.       contém centros que incrementam o impulso em equilíbrio com centros que o inibem;

3.       é servido por dois neurotransmissores específicos (?) um inibidor e um excitador;

4.       apresenta extensas conexões com as outras partes do cérebro, o que permite que o impulso sexual sofra influência e seja integrado na experiência de vida total do indivíduo[8].

Relevante comentar que em Kardec nada que se aproxime do conceito de impulso sexual proposto por Freud e reproduzido por André Luiz pode ser encontrado. Pelo contrário, Kardec estabeleceu que a comunhão sexual depende da organização física e, sob este aspecto, a sexualidade é uma expressão da corporeidade, na medida em que os Espíritos não têm sexo, pois que os sexos dependem da organização[9].

Kardec bem definiu que os Espíritos não têm sexo, pois os sexos só existem no organismo; os Espíritos, não se reproduzindo uns pelos outros, os sexos seriam inúteis no mundo espiritual[10].

Quando se deparava com relatos de Espíritos desencarnados fixados nos prazeres hedonistas, Kardec relacionava-os àqueles que sentem fome, sede, sono e fadiga. Escreveu:

Nos Espíritos inferiores (seu perispírito) aproxima-se da matéria e é isso que determina a persistência das ilusões da vida terrena nas entidades de baixa categoria, que pensam e agem como se ainda estivessem na vida física, tendo os mesmos desejos e quase poderíamos dizer a mesma sensualidade[11].

Examinando o sofrimento advindo das paixões inferiores, Kardec vai dizer que embora as paixões não existam materialmente ainda persistem no pensamento dos Espíritos atrasados[12].

Referindo-se à impossibilidade do intercurso sexual entre eles, comenta que esse tipo de paixão causa suplício no Espírito devasso que vê as orgias de que não pode participar[13].

Curioso também observar que Joanna de Ângelis, em obra de 2007, assume as ideias das neurociências, ao comentar que o fenômeno sexual tem lugar no diencéfalo (sede do hipotálamo), onde se expressam os variados estados de excitação. Nessa região, os neurotransmissores específicos da função sexual produzem as ânsias do desejo e favorecem com as reações orgânicas indispensáveis à comunhão fisiológica anelada. A autora acrescenta que a Divindade estabeleceu uma área específica no cérebro, para que a reprodução pudesse acontecer através de automatismos, que a evolução qualificou para melhor com a cooperação consciente do sentimento de afetividade[14].

Concluindo, nos parece que o conceito de impulso sexual, como temos tradicionalmente admitido, deve ser revisto, por não encontrar apoio na Psicologia científica, e tampouco, nos textos de Kardec. Em vez de uma energia que nasce da intimidade do Espírito, necessitando ser (?) escoada(?), o impulso sexual deve ser entendido como uma tensão sexual, gerada em grupos de neurônios, como consequência de estímulos sexuais positivos. Essa tensão motiva o indivíduo na busca de um parceiro para concretização da comunhão sexual. Aliviada a tensão, pela consumação do ato sexual, ou pela mudança do foco de interesse, o impulso se esvai.



[1] O CONSOLADOR - Ano 17 - N° 847 – 29/10/2023 - http://www.oconsolador.com.br/ano17/847/especial.html

[2] No mundo maior, cap. 11.

[3] Evolução em dois mundos, parte I, cap. 18.

[4] Idem, parte II, cap. 8.

[5] Vida e sexo, cap. 5

[6] No mundo maior, cap. 11

[7] Teorias da personalidade, Feist e Roberts

[8] Roberto Lent, Cem bilhões de neurônios?

[9] O Livro dos Espíritos, item 200

[10] Revista Espírita de janeiro de 1866

[11] O Livro dos Médiuns, item 74.

[12] O Livro dos Espíritos, item 972.

[13] O Livro dos Espíritos, item 972-a.

[14] Encontro com a paz e a saúde.

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