Anne Moon − dezembro de 2019
O desapego, o ato de não se
prender a coisas ou pessoas ou, para muitos, a liberdade. Vejo que há uma
confusão com esse conceito, tão falado hoje em dia, apesar de ser bastante
mencionado pelo budismo há milhares e milhares de anos, então vamos falar sobre
e desmistificar o desapegar.
No budismo, uma das doutrinas é
o desapego, que seria a forma de viver mais leve, de atingir a iluminação e
evoluir. Tudo isso porque o apego é a raiz de todo sofrimento.
Quando se fala em apegar, é se
apegar ao passado, ao futuro, às pessoas, às coisas, pois existe a
impermanência, que não garante que nada disso fique em sua vida, ou que
fiquemos nesse plano para usufruir de tudo o que está ao nosso redor.
O apego vem do ego em excesso,
pois ele nos prende em um ciclo vicioso.
É nesse ponto em que há uma
confusão enorme. Uns pensam que desapegar é não se conectar emocionalmente com
ninguém, desconsiderar as coisas e pessoas, viver seguindo apenas os instintos
e sempre vivendo no limite, que não devo filtrar as coisas e pessoas que quero
em meu círculo social.
Nós desde crianças, somos
criados com a crença de permanência, que tudo é fixo, determinado, nada muda,
tudo é o que é e ponto final. Sendo assim, quando algo sai de rota em nossas
vidas, entramos no sofrimento e nos desequilibramos, não é mesmo?
Por exemplo, você tem algum
plano criado, mas no meio do caminho algo acontece que coloca tudo água abaixo,
ou que te obriga a remanejar um pouco as coisas e isso nos desestabiliza,
ficamos sem saber o que fazer.
Buda diz que o apego é a
expressão da nossa mente cheia de desejos vindos do ego. Veja o ego não como um
monstro insaciável, mas como uma criança que precisa de limites, de entender
como a vida é. Quando o ego fala muito alto, ficamos na ânsia de realizar todos
os nossos desejos, focamos apenas no “eu”, no que Eu preciso, Sinto e Quero e
não no que o outro precisa, sente e quer, no sentido de se doar pelas pessoas.
Quando você compreende que a
vida é muito mais doar do que receber, você despertou e evoluiu. Sim, pois o
fluxo do universo funciona assim, doar para receber, simplesmente pelo ato em
si e todos agindo assim. Afinal, esse momento de isolamento social, dessa
pandemia, essa nova década em si se mostrou um momento para além de darmos
atenção ao nosso interior, darmos mais atenção ao nosso próximo, ao universo
que é o nosso lar.
O apego é o ego gritando para
ser satisfeito. Seja em uma compulsão por comida, bebida ou qualquer coisa
lícita e ilícita também ou até mesmo por sexo.
Tem uma palestra na internet do
venerável Shifu Zhihan falando que quando estamos no apego, centralizados em
nosso ego, ficamos nessa ânsia que muitas vezes nem sabemos o porquê de
estarmos nessa vibração.
Nessa palestra ele fala sobre os
dez exércitos de Mara e conta aquela história incrível sobre quando Mara tentou
Buda, quando queria o impedir de alcançar o nirvana durante a meditação.
O que é mais curioso é que o
ataque é justo no ego do iluminado.
Quando Mara manda suas filhas
para o seduzirem, quando Buda sente fome, dores no corpo, cansaço, quando se
lembra de que deixou seus filhos e sua esposa em seu castelo. Afinal, ele era
um príncipe indiano que abdicou de todas as riquezas, regalias e de sua
família, por querer buscar a iluminação.
O apego nos traz insatisfação e
mais insatisfação, pois somos insaciáveis, sempre estamos querendo algo,
desejando algo, não nos contentamos com o que temos. Eu falo de a pessoa nunca
ser grata pelo que já tem, para que o universo possa dar cada vez mais. A insatisfação
faz com que essa pessoa não consiga se conectar no presente e expressar a
gratidão. Pela falta de contentamento, não consegue ser grato e assim não
consegue fazer com que sua vida flua, por estar presa a essa ilusão da
permanência, de que tudo é eterno, determinado, que tudo já foi roteirizado por
algo ou alguém.
Desesperador isso, ao menos para
mim. Imagine não poder mudar nada na sua vida? Imagine não poder fazer mudanças
na própria vida?
Não teria motivo para a gente se
movimentar na vida, apenas ficar sentado e deixar a vida acontecendo, passivos,
já que não podemos fazer nada para mudar as coisas, estando tudo já
determinado.
É aí que percebemos que a
impermanência faz parte do fluxo do universo, o universo é movimento, é livre.
Nada deveria nos pertencer nem
controlar, no sentido de posse, aquele pensamento de “tudo é MEU, a MINHA
disposição” e não nos deixar ser controlados, possuídos, perder nossa
autonomia.
A ideia do desapego não é viver
de forma fria e desregrada, descompromissada, não se importar com os outros,
com as consequências, viver no automático, mas ter em mente que “nada me
pertence e a nada eu pertenço”.
Viver em liberdade, ser um
espírito livre, o desapego é deixar de viver no automático e começar a viver em
consciência plena, em unidade, se entendendo como parte do universo, nem
melhor, nem pior e nem igual.
É que nem o efeito zenão, que
seria o ato de cocriar a realidade que você tanto deseja. Você faz a pergunta
para o universo: “Universo, de todas as realidades disponíveis para mim, eu
escolhi essa determinada realidade. Quanta consciência eu preciso para que isso
se atualize mais rápido em minha vida?” E então você solta ao universo falando
a seguinte frase “Entrego, confio, aceito e agradeço”, sem ficar na ansiedade
para que isso ocorra e nem que ocorra como quer.
Quando eu falo sobre não querer
possuir e não deixar pessoas te possuírem é parar de querer impor controle
sobre os outros, parar de interferir no processo de evolução de alguém e ter
responsabilidade por si mesmo.
Quando eu falo sobre não deixar
que coisas te controlem ou que você não tente controlar as coisas, é não se
deixar levar por elas e não atrapalhar o fluxo natural das coisas. Sabe a linha
tênue entre equilíbrio X vícios, saudável X exagerado?
Jamais interferir no fluxo das
coisas ou no processo evolutivo de alguém, por não sabermos se dentre todas as
possibilidades disponíveis na vida, a melhor entre elas, seria a que NÓS
achamos a melhor, sendo que o universo é abundante, livre, a natureza é livre.
Amar não é ter a sensação de
posse, como o apego, que vem do ego, traz.
Amar é querer a liberdade, que
se desenvolva mais e melhor a cada dia.
A impermanência, o desapego é
uma forma otimista de olhar a realidade, que cada dia pode ser melhor do que o
outro, a cada dia posso ser a melhor versão de mim mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário