sábado, 20 de agosto de 2022

O “PASSE” COLETIVO[1]

 

Marco Milani[2]

 

O termo “passe” não foi adotado por Allan Kardec, porém integra o vocabulário de parcela significativa dos espíritas brasileiros na atividade de assistência física e espiritual.

De origem latina, “passe”, decorrente do ato de “passar”, vincula-se à ideia de movimento e está diretamente relacionada aos conceitos de “ação magnética”, “magnetismo” e “magnetização”, os quais foram popularizados na França durante o século XIX e encontram-se presentes em diferentes trechos das obras fundamentais do Espiritismo.

Sob a perspectiva kardequiana, passe é o equivalente à ação magnética (ou fluídica) promovida por encarnados e que pode contar com a assistência de desencarnados, direcionada a um ou mais indivíduos objetivando benefícios orgânicos e psíquicos.

Terapeuticamente, os efeitos da ação fluídica sobre os doentes variam consideravelmente em intensidade e duração.

Kardec, sobre essa situação, assim se manifesta[3]:

São extremamente variados os efeitos da ação fluídica sobre os doentes, de acordo com as circunstâncias. Algumas vezes é lenta e reclama tratamento prolongado, como no magnetismo ordinário; doutras vezes é rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam curas instantâneas nalguns doentes, por meio apenas da imposição das mãos, ou, até, exclusivamente por ato da vontade. Entre os dois polos extremos dessa faculdade, há infinitos matizes. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só diferem pela intensidade e pela rapidez da ação.

O princípio é sempre o mesmo: o fluido, a desempenhar o papel de agente terapêutico e cujo efeito se acha subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.

 

A ação magnética pode produzir-se da seguinte maneira[4]:

1.       pelo próprio fluido do magnetizador; é o magnetismo propriamente dito, ou magnetismo humano, cuja ação se acha adstrita à força e, sobretudo, à qualidade do fluido;

2.       pelo fluido dos Espíritos, atuando diretamente e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer sobre o indivíduo uma influência como prática espírita física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está na razão direta das qualidades do Espírito;

3.       pelos fluidos que os Espíritos derramam sobre o magnetizador, que serve de veículo para esse derramamento. É o magnetismo misto, semiespiritual, ou, se o preferirem, humano-espiritual.

Combinado com o fluido humano, o fluido espiritual lhe imprime qualidades de que ele carece. Em tais circunstâncias, o concurso dos Espíritos é amiúde espontâneo, porém, as mais das vezes, provocado por um apelo do magnetizador.

 

Considerando haver três tipos de fontes para a emissão fluídica, a ação magnética decorre dos fluidos de encarnado(s), de desencarnado(s) ou de ambos, simultaneamente.

A qualificação dos fluidos decorrerá de aspectos morais e físicos. Moralmente, dependerão das intenções e dos sentimentos vivenciados pelo emissor, como inveja ou bondade, ódio ou amor, egoísmo ou compaixão. Fisicamente, apresentará as seguintes características:

Sob o aspecto físico, são excitantes, calmantes, penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos, tóxicos, reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão etc. O quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos efeitos que eles produzem[5].

 

O processo terapêutico resulta da ação magnética qualificada por encarnados e/ou desencarnados.

Com relação à efetividade da aplicação a distância, Kardec descreve e concorda com a recomendação de um Espírito sobre esse tipo de assistência.

Cinco ou seis espíritas sinceros que se reúnam todos os dias, durante alguns instantes e peçam com fervor a Deus e aos bons Espíritos que a assistam, e que a ardente prece seja, ao mesmo tempo, uma magnetização mental.

Para tanto, não necessitais estar junto a ela. Ao contrário, podeis, pelo pensamento, levar-lhe uma salutar corrente fluídica, cuja força estará na razão direta de vossa intenção, e aumentada pelo número. Dessa maneira podereis neutralizar o mau fluido que a envolve. Fazei isto, tende fé em Deus e esperai. (Revista Espírita, janeiro/1863 - “Estudos sobre os possessos de Morzine”).

Destaca-se, ainda, que a prece não tem apenas o efeito de chamar para junto do doente um socorro estranho, mas também o de exercer uma ação magnética a qual é compreendida como consequência da relação natural entre emissor e receptor de fluidos, em que a emissão pode ocorrer simultaneamente entre encarnados e desencarnados. A assimilação fluídica, por sua vez, dependerá das próprias condições orgânicas e psíquicas do indivíduo.

A expressão “passe coletivo” remete à ação fluídica terapêutica exercida, ao mesmo tempo, nos indivíduos presentes em determinado ambiente físico, em que a respectiva assimilação e os consequentes efeitos são individuais. Em outras palavras, caracteriza-se a emissão simultânea de fluidos com assimilação individual.

Ainda hoje, verifica-se a resistência à prática do “passe coletivo” por parte de pessoas que supõem, opinativamente, que a eficácia terapêutica dependerá da atenção personalizada de um encarnado emissor dos fluidos, porém, doutrinariamente, não há qualquer impedimento para tal prática e ampara-se nos fundamentos da ação magnética descrita por Allan Kardec.

Sugere-se, nesse sentido, que pesquisas científicas possam comparar, com o esperado rigor metodológico, os efeitos percebidos nos indivíduos receptores de passes individuais e coletivos.



[1] DIRIGENTE ESPÍRITA - julho/agosto 2022 - edição 190 - https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/07/DE190.pdf

[2] Marco Milani é diretor do Departamento de Doutrina da USE e presidente da USE Regional de Campinas.

[3] A Gênese, Cap. XIV, i. 32

[4] A Gênese, Cap. XIV, i. 33

[5] A Gênese, Cap. XIV, i. 17

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