Marco Milani[2]
O termo “passe” não foi adotado
por Allan Kardec, porém integra o vocabulário de parcela significativa dos
espíritas brasileiros na atividade de assistência física e espiritual.
De origem latina, “passe”, decorrente
do ato de “passar”, vincula-se à ideia de movimento e está diretamente
relacionada aos conceitos de “ação magnética”, “magnetismo” e “magnetização”,
os quais foram popularizados na França durante o século XIX e encontram-se
presentes em diferentes trechos das obras fundamentais do Espiritismo.
Sob a perspectiva kardequiana,
passe é o equivalente à ação magnética (ou fluídica) promovida por encarnados e
que pode contar com a assistência de desencarnados, direcionada a um ou mais
indivíduos objetivando benefícios orgânicos e psíquicos.
Terapeuticamente, os efeitos da
ação fluídica sobre os doentes variam consideravelmente em intensidade e
duração.
Kardec, sobre essa situação,
assim se manifesta[3]:
São extremamente variados os efeitos da ação fluídica
sobre os doentes, de acordo com as circunstâncias. Algumas vezes é lenta e
reclama tratamento prolongado, como no magnetismo ordinário; doutras vezes é
rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam
curas instantâneas nalguns doentes, por meio apenas da imposição das mãos, ou,
até, exclusivamente por ato da vontade. Entre os dois polos extremos dessa
faculdade, há infinitos matizes. Todas as curas desse gênero são variedades do
magnetismo e só diferem pela intensidade e pela rapidez da ação.
O princípio é sempre o mesmo: o fluido, a desempenhar o
papel de agente terapêutico e cujo efeito se acha subordinado à sua qualidade e
a circunstâncias especiais.
A ação magnética pode
produzir-se da seguinte maneira[4]:
1.
pelo próprio fluido do magnetizador; é o
magnetismo propriamente dito, ou magnetismo humano, cuja ação se acha adstrita
à força e, sobretudo, à qualidade do fluido;
2.
pelo fluido dos Espíritos, atuando diretamente
e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um
sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer
sobre o indivíduo uma influência como prática espírita física ou moral
qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está na razão direta das
qualidades do Espírito;
3.
pelos fluidos que os Espíritos derramam
sobre o magnetizador, que serve de veículo para esse derramamento. É o
magnetismo misto, semiespiritual, ou, se o preferirem, humano-espiritual.
Combinado com o fluido humano, o fluido espiritual lhe
imprime qualidades de que ele carece. Em tais circunstâncias, o concurso dos
Espíritos é amiúde espontâneo, porém, as mais das vezes, provocado por um apelo
do magnetizador.
Considerando haver três tipos de
fontes para a emissão fluídica, a ação magnética decorre dos fluidos de
encarnado(s), de desencarnado(s) ou de ambos, simultaneamente.
A qualificação dos fluidos
decorrerá de aspectos morais e físicos. Moralmente, dependerão das intenções e
dos sentimentos vivenciados pelo emissor, como inveja ou bondade, ódio ou amor,
egoísmo ou compaixão. Fisicamente, apresentará as seguintes características:
Sob o aspecto físico, são excitantes, calmantes,
penetrantes, adstringentes, irritantes, dulcificantes, soporíficos, narcóticos,
tóxicos, reparadores, expulsivos; tornam-se força de transmissão, de propulsão
etc. O quadro dos fluidos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e
dos vícios da Humanidade e das propriedades da matéria, correspondentes aos
efeitos que eles produzem[5].
O processo terapêutico resulta
da ação magnética qualificada por encarnados e/ou desencarnados.
Com relação à efetividade da
aplicação a distância, Kardec descreve e concorda com a recomendação de um Espírito
sobre esse tipo de assistência.
Cinco ou seis espíritas sinceros
que se reúnam todos os dias, durante alguns instantes e peçam com fervor a Deus
e aos bons Espíritos que a assistam, e que a ardente prece seja, ao mesmo
tempo, uma magnetização mental.
Para tanto, não necessitais
estar junto a ela. Ao contrário, podeis, pelo pensamento, levar-lhe uma salutar
corrente fluídica, cuja força estará na razão direta de vossa intenção, e
aumentada pelo número. Dessa maneira podereis neutralizar o mau fluido que a
envolve. Fazei isto, tende fé em Deus e esperai. (Revista Espírita, janeiro/1863
-
“Estudos sobre os possessos de Morzine”).
Destaca-se, ainda, que a prece
não tem apenas o efeito de chamar para junto do doente um socorro estranho, mas
também o de exercer uma ação magnética a qual é compreendida como consequência
da relação natural entre emissor e receptor de fluidos, em que a emissão pode
ocorrer simultaneamente entre encarnados e desencarnados. A assimilação fluídica,
por sua vez, dependerá das próprias condições orgânicas e psíquicas do indivíduo.
A expressão “passe coletivo”
remete à ação fluídica terapêutica exercida, ao mesmo tempo, nos indivíduos
presentes em determinado ambiente físico, em que a respectiva assimilação e os
consequentes efeitos são individuais. Em outras palavras, caracteriza-se a
emissão simultânea de fluidos com assimilação individual.
Ainda hoje, verifica-se a
resistência à prática do “passe coletivo” por parte de pessoas que supõem,
opinativamente, que a eficácia terapêutica dependerá da atenção personalizada
de um encarnado emissor dos fluidos, porém, doutrinariamente, não há qualquer
impedimento para tal prática e ampara-se nos fundamentos da ação magnética
descrita por Allan Kardec.
Sugere-se, nesse sentido, que
pesquisas científicas possam comparar, com o esperado rigor metodológico, os
efeitos percebidos nos indivíduos receptores de passes individuais e coletivos.
[1] DIRIGENTE ESPÍRITA - julho/agosto 2022 - edição 190 - https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/07/DE190.pdf
[2] Marco Milani é diretor do Departamento de Doutrina da
USE e presidente da USE Regional de Campinas.
[3] A Gênese, Cap. XIV, i. 32
[4] A Gênese, Cap. XIV, i. 33
[5] A Gênese, Cap. XIV, i. 17
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