Ricardo Baesso de Oliveira
Veem-se, ainda, em parcela do
movimento espírita, considerações inadequadas sobre o tema homossexualidade.
Ainda temos ouvido as seguintes expressões: “não é coisa de Deus”, “escolha
infeliz”, “culpa dos pais”, “viciado em sexo” ou “sublimar o sexo”.
Há quem afirme que a literatura
espírita não possui elementos suficientes que permitam um posicionamento
definido em torno da homossexualidade e da transexualidade.
Penso que tal argumentação se
fundamenta em colocações que foram feitas, no passado, por personalidades
importantes, como Herculano Pires e Jorge Andréa, ou por Espíritos como
Philomeno de Miranda. Acredito que as considerações, hoje superadas, vindas
dessas figuras altamente respeitáveis se devem a ausência, em sua época, de
estudos científicos bem delineados sobre o tema.
Estudos recentes efetuados por
diversos pesquisadores têm mostrado que:
1.
As evidências de que os processos biológicos
desempenham algum papel na orientação sexual são consistentes. A melhor
evidência disponível sugere que a exposição a hormônios, especialmente a
testosterona, no ambiente pré-natal, está relacionada à orientação sexual[2].
2.
Ninguém se torna hetero, homo ou bissexual
por opção ou escolha. Um conjunto de influências de ordem
biopsicosocioculturais nos inclina para esta ou aquela orientação (que não é
opção) sexual[3].
3.
Nasce-se homossexual, não se escolhe sê-lo. O
balanço entre fatores biológicos ou culturais suscetíveis de explicar a
homossexualidade pende notavelmente em favor dos fatores biológicos, agindo de
maneira preponderante durante a vida embrionária. A homossexualidade seria o
resultado de uma interação entre fatores genéticos e hormonais embrionários com
uma contribuição menor dos efeitos de experiências sociais e sexuais pós-natais[4].
4.
Estudos com imagem têm dado suporte à visão
de que o encéfalo de homens homossexuais se assemelha aos de mulheres
heterossexuais, e que o encéfalo de mulheres homossexuais se assemelha aos de
homens heterossexuais[5].
5.
Não há evidência de que a maneira como os
pais tratam seus filhos tem alguma coisa a ver com a orientação sexual. Do
mesmo modo, não foi encontrado nenhum outro fator ambiental para explicar a
homossexualidade[6].
6.
Não há relação entre homossexualidade e
comportamento imoral. Os homossexuais “traem” seus parceiros com a mesma
prevalência dos heterossexuais. Existem promíscuos tanto entre homo e hetero e
não se pode relacionar a homossexualidade com a promiscuidade sexual[7].
7.
Não se trata de uma condição patológica,
tendo sido excluída do “Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais”,
desde 1973 e do “Código internacional de doenças”, desde 1990[8].
8.
A orientação sexual não pode ser alterada com
terapia, e estar com pessoas cuja orientação sexual difere da sua não muda sua
orientação sexual[9].
9.
Grande parte dos casamentos entre
homossexuais tem grande durabilidade, e os problemas identificados nesses
casamentos são semelhantes aos observados em casamentos de heterossexuais[10].
10.
Os homossexuais podem ser tão bons pais
quanto os heterossexuais. A investigação científica tem demonstrado que os
filhos criados por pais gays ou mães lésbicas apresentam o mesmo nível de
funcionamento emocional, cognitivos e sexual que os filhos de pais
heterossexuais[11].
Na obra de Allan Kardec, na
literatura mediúnica produzida através de Chico Xavier e em considerações mais
recentes do Espírito Joanna de Ângelis, encontramos ampla correlação com as
considerações apresentadas acima.
Kardec relaciona a
homossexualidade a uma mudança reencarnatória de polaridade sexual. Esclarece
que pode acontecer que o Espírito que percorra uma série de existências no
mesmo sexo, possa conservar, na condição de Espírito, o caráter de homem ou de
mulher, cuja marca nele ficou impressa. Numa nova encarnação, ele trará
naturalmente o caráter e as inclinações que tinha como Espírito. Mudando de
sexo ele poderá, portanto, sob essa impressão e em sua nova encarnação,
conservar os gostos, as inclinações e o caráter inerentes ao sexo que acaba de
deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de
certos homens e de certas mulheres[12].
Sabemos que a formação do
cérebro, durante o período fetal, é, em grande parte, efeito do psiquismo do Espírito
reencarnante, o que torna óbvio que um Espírito com psiquismo distinto da
biologia corporal no que se refere a masculinidade ou feminilidade, irá
interferir na constituição desse cérebro, justificando, do ponto de vista
espírita, o que os estudos têm mostrado: a homossexualidade definida ainda no
período gestacional.
Sobre a origem precoce da
homossexualidade, Emmanuel coloca:
[...] em minhas noções de dignidade do espírito, não
consigo entender por que razão esse ou aquele preconceito social impedirá certo
número de pessoas de trabalhar e de serem úteis à vida comunitária, unicamente
pelo fato de haverem trazido do berço características psicológicas ou
fisiológicas diferentes da maioria[13].
Joanna caminha nessa linha de
pensamento, ao afirmar que a homossexualidade pode ser considerada como certa
predisposição fisiológica[14].
No que concerne as experiências
sexuais entre pessoas do mesmo sexo, não encontramos na obra de Kardec e na
literatura produzida por Chico nada de substancial que considere tal conduta
como eticamente reprovada, obviamente, considerando o respeito ao parceiro e à
função sexual, pela prática monogâmica respeitosa, tal qual se espera das
relações heterossexuais.
Kardec considerou que é
necessário não esquecer que é o Espírito quem ama, e não o corpo[15]. O codificador dá uma importância
relativamente pequena ao fenótipo sexual, quando coloca que para o Espírito
pouco lhe importa encarnar no corpo de um homem ou de uma mulher, pois tudo
depende das provas pelas quais deverá passar[16].
Segundo Kardec, as almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que os unem
nada têm de carnal e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas
numa simpatia real e não são subordinadas às vicissitudes da matéria[17].
Quando estabelece que o
casamento é uma instituição fundada na lei natural, Kardec enfatiza que se
trata de uma união permanente entre dois seres[18].
Este pensamento de Kardec
embasou a resposta de Emmanuel à seguinte indagação:
− É lícito a duas pessoas do mesmo sexo viverem sob o
mesmo teto, como marido e mulher.
Na resposta, Emmanuel, se
reportando ao pensamento anterior, coloca:
− A esta indagação o Codificador da Doutrina Espírita
formulou a Questão 695, em “O Livro dos Espíritos’ com as seguintes palavras:
− “O casamento, quer dizer, a união permanente de dois
seres é contrário à lei natural?”
Os orientadores dos fundamentos
da Doutrina Espírita responderam com a seguinte afirmação:
− “É um progresso na marcha da Humanidade”.
Os amigos encarnados no plano
físico com a tarefa de sustentar e zelar pelo Cristianismo Redivivo, na
Doutrina Espírita estão aptos ao estudo e conclusões do texto em exame[19].
Emmanuel considera que à frente
da vida eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos
domínios do sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito de
Justiça e Misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e
da vida se especificam na intimidade da consciência de cada um[20].
A obra de André Luiz considera
que esses relacionamentos, quando fundados na afeição sincera (à semelhança dos
casamentos heterossexuais) nada significam de imoral ou que devam ser
proscritos. Em obra psicografada em 1947, o autor comenta que erro lamentável é
supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante as respeitáveis
convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas. O campo
do amor é infinito em sua essência e manifestação. Insta fugir às aberrações e
aos excessos; contudo é imperioso reconhecer que todos os seres nasceram no
Universo para amar e serem amados[21].
O autor volta ao tema, em obra
de 1963 colocando que nos foros da justiça Divina, em todos os distritos da
Espiritualidade Superior, as personalidades humanas tachadas por anormais são
consideradas tão carecentes de proteção quanto as outras que desfrutam a
existência garantida pelas regalias da normalidade, segundo a opinião dos
homens, observando-se que as faltas cometidas pelas pessoas de psiquismo
julgado anormal são examinadas no mesmo critério aplicado às culpas de pessoas
tidas por normais, notando-se, ainda, que, em muitos casos, os desatinos das
pessoas supostas normais são consideravelmente agravados, por menos
justificáveis perante acomodações e primazias que usufruem, no clima estável da
maioria[22].
Acrescentou, na mesma obra,
que no mundo porvindouro os irmãos
reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais,
serão tratados em pé de igualdade, no mesmo nível de dignidade humana, reparando-se
as injustiças assacadas, há séculos, contra aqueles que renascem sofrendo
particularidades anômalas, porquanto a perseguição e a crueldade com que são
batidos pela sociedade humana lhes impedem ou dificultam a execução dos
encargos que trazem à existência física, quando não fazem deles criaturas
hipócritas, com necessidade de mentir incessantemente para viver, sob o Sol que
a Bondade Divina acendeu em benefício de todos.
No programa Pinga-fogo, em 1971,
Chico se manifestou dizendo que tanto quanto acontece com a maioria que
desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de
sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior
respeito, e acrescentou que o comportamento sexual da humanidade sofrerá, no
futuro, revisões muito grandes[23].
E, finalmente, Joanna de
Ângelis, em obra de 2007, escreveu que o fato de alguém amar outrem do mesmo
sexo não significa distúrbio ou desequilíbrio da personalidade, mas uma opção
que merece respeito, podendo também ser considerada como certa predisposição fisiológica.
Pode-se considerar como uma necessidade sexual diferente com objetivos
experimentais no processo da evolução. O amor, no entanto, será sempre o
definidor de rumos em favor do ser humano em toda e qualquer situação em que o
mesmo se encontre[24].
[1] O CONSOLADOR -
Ano 16 - N° 781 - 17 de Julho de 2022 - http://www.oconsolador.com.br/ano16/781/ca5.html
[2] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga.
[3] Carmita Abdo sociedade@oglobo.com.br 09/08/2014.
[4] Biologie de l’homosexualité, Jacques
Balthazart.
[5] Princípios de neurociência, Eric Kandel.
[6] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga.
[7] A experiência homossexual, Marina Castañeda.
[8] Ciência psicológica, Michael Gazzaniga
[9] Idem.
[10] A experiência homossexual, Marina Castañeda.
[11] Academia americana de psiquiatria, arquivos, 2002;
Academia americana de Pediatria, Pediatrics, 2002.
[12] KARDEC, ALLAN - Revista Espírita, janeiro de
1866.
[13] Lições de sabedoria: entrevistas de Chico/Emmanuel,
à Folha espírita de SP.
[14] FRANCO, DIVALDO P. pelo espírito de Joanna de Ângelis
- Encontro com a paz e a saúde, cap.8.
[15] KARDEC, ALLAN - O Livro dos Espíritos, item
939.
[16] KARDEC, ALLAN - O Livro dos Espíritos, item 200.
[17] KARDEC, ALLAN - Revista Espírita, janeiro 1866.
[18] KARDEC, ALLAN - O Livro dos Espíritos, item 695.
[19] Lições de sabedoria: entrevistas de Chico/Emmanuel,
à Folha espírita de SP.
[20] XAVIER, FRANCISCO C. pelo espírito de ANDRÉ LUIZ - Vida
e sexo, cap 21.
[21]XAVIER, FRANCISCO C. pelo espírito de ANDRÉ LUIZ - No mundo maior, cap.11.
[22] XAVIER, FRANCISCO C. pelo espírito de ANDRÉ LUIZ
- Sexo e destino, cap.9, parte II.
[23] Programa PINGO FOGO - TV Tupi, 1971
[24] FRANCO, DIVALDO P. pelo espírito de Joanna de Ângelis
- Encontro com a paz e a saúde, cap.8.
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