Allan Kardec
Um dos nossos correspondentes de
Oloron (Basses-Pyrénées), enviou-nos o relato do seguinte fato, que é de seu
conhecimento pessoal:
Pelo fim do mês de dezembro de 1866, não longe do vilarejo
de Monin (Basses-Pyrénées), uma camponesa de vinte e quatro anos, chamada
Marianne Coubert, estava ocupada em juntar folhas num prado, perto da casa onde
mora com seu pai, de sessenta e quatro anos, e uma irmã de vinte e nove. Desde
alguns instantes, um velho de estatura média, vestido à camponesa, já se
mantinha no canto do gradeado que dá passagem para o prado. De repente, ele
chamou a jovem, que logo se aproxima, e pergunta se ela lhe podia dar uma
esmola.
– Mas que vos poderia dar? perguntou ela. Nada
tenho; a não ser que queirais aceitar um pedaço de pão.
– O que quiserdes, replicou o velho. Aliás, podeis
ficar tranquila, ele não vos faltará.
E a camponesa apressou-se em ir buscar o pedaço de pão. Ao
retornar, disse-lhe o velho:
– Há muito tempo que já me respondestes.
– Como, respondeu a camponesa atônita, eu vos
podia responder? Ainda não me tínheis chamado.
– Eu não vos tinha chamado, é verdade, mas meu Espírito
se havia transportado para vós, tinha penetrado o vosso Espírito e foi assim
que conheci previamente as vossas intenções. Também parei diante de outra casa,
lá embaixo; meu Espírito entrou e conheci as disposições pouco caridosas dos
que ali habitam. Por isso pensei que seria inútil ali pedir alguma coisa. Se
aquelas pessoas não mudarem, se continuarem a não praticar a caridade, muito
terão a lamentar. Quanto a vós, jamais recuseis dar esmola, e Deus vos levará
em conta os vossos sentimentos e vos dará muito além do que tiverdes dado aos
infelizes... Estais doente dos olhos?
– Ah! sim, respondeu a camponesa, a maior parte
das vezes minha vista é tão fraca que não posso me dedicar aos trabalhos do
campo.
– Pois bem! continuou o velho, eis um par de
óculos com os quais vereis perfeitamente. Tendes uma irmã que amastes muito e
que morreu há oito anos e quatro meses.
– É verdade, respondeu a camponesa, cada vez
mais atônita.
– Vossa mãe morreu há um ano.
– É verdade, continuou ela, ainda mais espantada.
– Pois bem! Ireis dizer cinco Pater e cinco Ave
em seu túmulo. Aliás, ambas se encontram num lugar onde são felizes e onde as
revereis um dia. Antes de vos deixar, tenho algo a vos recomendar: ide à casa
de tal pessoa (uma moça de má conduta, que tinha vários filhos) e
pedi-lhe que vos deixe levar um de seus filhos, que educareis até a época de
sua primeira comunhão. Enfim, eis um missal que deveis guardar preciosamente, e
ao qual está ligado uma graça para todos os que o tocarem. As pessoas que vos
vierem ver deverão, ao chegar e ao partir, dizer dois Pater e duas Ave,
pelas almas do purgatório. Entre essas pessoas, cujo número aumentará de dia
para dia de modo considerável, há os que rirão, que zombarão; a estes não
conteis nada. Não deixeis de recomendar à pessoa, na casa de quem deveis pegar
o menino, que se converta, pois não creio que ela viva ainda muito tempo. Previno-vos
que tereis uma grave moléstia pelo fim do mês de março; não mandeis chamar
médico, pois será inútil; é uma prova a que vos deveis submeter com resignação.
Aliás, eu voltarei a vos ver.
E o velho afastou-se. Chegando a
uma pequena ponte muito próxima, desapareceu de repente.
Naturalmente, a jovem camponesa apressou-se em ir contar o
fato ao Sr. Cura, ao qual mostrou o livro de orações. O Cura lhe disse que
pensava que houvesse nisto algo de extraordinário e aconselhou-a a guardar o
missal com cuidado. Ela se apressou em fazer tudo quanto o velho lhe havia
recomendado, e depois a viram sempre com os óculos e o menino de que se havia
encarregado. Foi visitada por uma multidão considerável e, no último domingo,
sua casa estava tão cheia que o Cura teve que cantar as vésperas quase só. Não
posso esquecer uma circunstância importante: é que, segundo a predição do
velho, a camponesa estava acamada há oito dias. Agora é preciso dizer que em
Monin, como em Oloron, as opiniões estão muito divididas a respeito do fato em
questão. Uns acreditam, outros permanecem incrédulos. O Cura de Monin, que a
princípio tinha achado a coisa muito extraordinária, pregou várias vezes para
dissuadir seus paroquianos de ir visitar a camponesa. Segundo esta, a
personagem que se apresentou a ela lhe disse seu nome e lhe confiou várias
coisas que ela não devia revelar, pelo menos agora. Em tudo isto, o que me
faria refletir um pouco, é que ele manifestou o desejo de que se erigisse uma
estátua para o representar, no lugar onde apareceu.
A opinião geral, entre os crentes, é que deve ser São
José. Para mim, se o fato for verdadeiro, aí não posso ver senão uma
manifestação espírita, tendo por fim chamar a atenção sobre a nossa filosofia,
numa região dominada por influências contrárias.
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