Redação - BBC News Mundo - 2 abril 2022
Embora tenha morrido jovem, aos
24 anos, Alice Ball deixou uma marca profunda no mundo científico.
A química afro-americana
desenvolveu o primeiro e único tratamento eficaz para milhares de pessoas que,
em 1915, sofriam da hanseníase, antigamente conhecida como lepra.
Mas ela quebrou mais barreiras:
Ball também abriu um importante precedente para as mulheres interessadas nos
ramos complexos da ciência, que naqueles anos eram predominantemente liderados
por homens brancos.
Carreira universitária de sucesso
Alice Augusta Ball nasceu em 24
de julho de 1892 em Seattle, no Estado de Washington, em uma família de classe
média.
Sua mãe, Laura, era fotógrafa e
seu pai, James P. Ball, advogado. Ela tinha dois irmãos mais velhos, Robert e
William, e uma irmã mais nova, Addie.
Seu avô foi um dos primeiros
negros a usar um daguerreótipo, primeiro processo fotográfico a ser
comercializado ao grande público.
Ela frequentou a Seattle High
School no ensino médio, graduando-se com honras em ciências em 1910. Mais
tarde, entrou na Universidade de Washington para estudar química.
Quatro anos depois, em 1914, obteve
os diplomas em química farmacêutica e ciências farmacêuticas. A jovem estudante
se destacou entre seus colegas por ser coautora de um artigo de dez páginas no
prestigiado “Journal of the American Chemical Society”.
Graças a esses feitos, após se formar,
Ball recebeu uma bolsa de estudos para estudar na Universidade do Havaí.
Foi lá que, em 1915, ela se
tornou a primeira mulher e a primeira afro-americana nos Estados Unidos a obter
um mestrado em química. A universidade ofereceu uma vaga para ensino e pesquisa
e, com apenas 23 anos, ela se tornou a primeira professora de química da
instituição.
"Método Ball"
No laboratório, Ball trabalhou
duro para desenvolver um tratamento bem-sucedido para aqueles que sofrem de
hanseníase.
Há indícios de que a doença
tenha afetado a humanidade por pelo menos 4.000 anos. Ainda no início do século
20 havia poucas informações sobre como curá-la.
Milhares de pessoas ao redor do
mundo sofriam os efeitos da hanseníase sem obter tratamento adequado. Além
disso, os pacientes eram profundamente estigmatizados. Muitos foram forçados a
viver em isolamento até a morte.
O único antídoto dado a alguns
pacientes era um óleo das sementes da árvore chaulmoogra[2],
usada há séculos na medicina chinesa e indiana.
Mas sucesso desse tratamento era
limitado. Muitos doentes desistiam de usar o óleo. Quando injetado, era
extremamente doloroso. E tendia a revirar o estômago quando tomado por via
oral.
O Dr. Harry T. Hollmann, que
trabalhava no Hospital Kalihi, no Havaí, especializado em pacientes com lepra,
pediu a Alice Ball que ajudasse a encontrar uma solução. Naqueles anos, a lepra
era comum no arquipélago havaiano.
Ela então isolou os compostos
químicos do óleo (os ésteres etílicos dos ácidos graxos) e com eles criou o
primeiro remédio solúvel em água, fácil de injetar, pois podia ser facilmente
absorvido pela corrente sanguínea.
Assim, a cientista conseguiu um
método de sucesso para aliviar os sintomas da hanseníase - mais tarde conhecido
como "Método Ball", que foi usado em milhares de pessoas infectadas
por mais de 30 anos até a chegada da dapsona, um antibiótico da classe das
sulfonas.
O que é hanseníase?
É uma doença que afeta a
humanidade há milhares de anos e ainda segue presente. A hanseníase é causada
pelo bacilo Mycobacterium leprae, transmitido por gotículas do nariz e
da boca de pessoas infectadas.
A infecção afeta principalmente
os nervos periféricos e a pele, e o paciente pode ter complicações graves, como
desfiguração, deformidades e incapacidades, seja por dano neurológico ou
cegueira.
As bactérias da lepra destroem a
capacidade do corpo de sentir dor, o que pode fazer com que uma pessoa se
machuque inadvertidamente e suas feridas podem se infectar.
Alterações na pele também podem
ocorrer causando úlceras que, se não tratadas, podem levar a complicações,
feridas e desfiguração da face e membros.
O diagnóstico precoce e o
tratamento oportuno e adequado são dois pilares fundamentais para o controle da
doença. Mas por séculos a lepra tem sido uma doença mal compreendida pela sociedade,
de acordo com especialistas.
Em algumas partes do mundo, os
portadores de hanseníase continuam a ser temidos, e persistem as antigas
percepções da doença como uma "maldição bíblica".
Morte e legado
Infelizmente, Alice Ball não
pôde ver o impacto de seu trabalho porque em dezembro de 1916 morreu com apenas
24 anos. A jovem nem conseguiu publicar suas descobertas.
Embora a causa de sua morte não
seja clara, acredita-se que pode ter sido provocada pela inalação de gases
tóxicos durante seu trabalho no laboratório ou por tuberculose.
O químico Arthur L. Dean
continuou o trabalho de Ball e publicou os resultados. Em 1918, foi relatado
que 79 pacientes do Hospital Kalihi receberam alta graças a esse tratamento que
continuou a ser usado até a década de 1940.
Embora a Universidade do Havaí
não tenha reconhecido seu trabalho por quase 90 anos, em 2000 finalmente
prestou homenagem com uma placa comemorativa na única árvore chaulmoogra do
campus.
O nome de Alice Ball também está
inscrito na London School of Hygiene & Tropical Medicine ao lado de nomes
como Florence Nightingale e Marie Curie.
O cientista Paul Wermager, que
fez uma extensa pesquisa sobre o trabalho de Ball, observou que a jovem não
apenas alcançou o primeiro tratamento útil para a hanseníase, mas também
superou as barreiras raciais e de gênero da época.
Muitos de seus admiradores hoje
se perguntam quantas outras descobertas ela poderia ter alcançado se não
tivesse morrido tão jovem.
[2] Hydnocarpus wightianus ou chaulmoogra é uma árvore da
família Achariaceae. O óleo de semente de Hydnocarpus wightiana tem sido
amplamente utilizado na medicina tradicional indiana, especialmente na Ayurveda
e na medicina tradicional chinesa para o tratamento da lepra
Nenhum comentário:
Postar um comentário