José Carlos Cueto - BBC News Mundo -9 agosto 2021
Sento para escrever este texto.
Começo. Estou indo bem, já tenho 100 palavras. Na verdade, acho que esta última
frase talvez não esteja clara. Deleto. Acabo apagando tudo. Como faço para
voltar? Página em branco. Mente em branco. Os minutos passam. Eu checo o
telefone. É impossível me concentrar!
É muito provável que no último
ano e meio você tenha sentido algo semelhante ao realizar alguma atividade.
Se for o caso, não se preocupe.
Você não está sozinho. Temos um cérebro pandêmico.
Não se trata de um termo
clínico, mas é assim que alguns cientistas chamam a série de males que nosso
cérebro está sofrendo como resultado da pandemia.
O estresse crônico e os longos
períodos de confinamento não afetaram apenas nossa capacidade de memória e
concentração. Alguns especialistas acreditam que é possível que algumas áreas
do nosso cérebro também tenham diminuído de tamanho.
Mas será que vamos ficar assim
para sempre?
Estresse prolongado
Os especialistas concordam que o
principal responsável pelas mudanças na nossa mente é a longa exposição ao
estresse por tanto tempo, o estresse crônico.
"Há níveis 'bons' de
estresse. Se você precisa completar uma tarefa em um prazo apertado, uma vez
que você completa, o estresse vai embora. Tudo acaba", exemplifica Michael
Yassa, neurologista do Centro de Neurobiologia da Aprendizagem e Memória da
Califórnia, nos EUA.
"Mas quando o fim não está
à vista, e o estresse continua por uma sessão prolongada, se torna
problemático", explica Yassa à BBC News Mundo, serviço de notícias da BBC
em espanhol.
É isso que está acontecendo com
a gente na pandemia. Vivemos um estado prolongado de espera, de confinamentos e
relaxamentos, restrições e medidas de proteção sem saber quando vamos recuperar
o que hoje chamamos de normalidade.
O estresse prolongado libera
cortisol e, se você tiver problemas contínuos com esse hormônio, ele pode
afetar o volume de algumas áreas do cérebro.
A neuropsicóloga Barbara
Sahakian, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, tem analisado os
efeitos do distanciamento social e da ansiedade durante a pandemia em nossa
massa encefálica.
"Por meio de exames de
imagem de pessoas socialmente isoladas, detectamos mudanças no volume das
regiões temporal, frontal, occipital e subcortical, assim como no hipocampo e
na amígdala", conta Sahakian à BBC News Mundo.
"Já no passado, níveis
elevados e prolongados de cortisol foram associados a transtornos de humor e
encolhimento do hipocampo. Isso é observado especialmente em pacientes com
depressão", acrescenta.
Em 2018, por exemplo, um estudo
publicado na revista científica “Neurology”, da Academia Americana de
Neurologia, mostrou que um alto nível de cortisol em pacientes estava associado
a uma memória e percepção visual pior, assim como a volumes mais baixos de
massa cinzenta total, occipital e do lobo frontal.
E essas mudanças de volume, como
as detectadas por Sahakian, podem afetar diretamente as atividades que
realizamos no dia a dia.
"Esse conjunto de problemas
que afetam a saúde mental e geram depressão e ansiedade é o que estamos
chamando coloquialmente de cérebro pandêmico", ressalta Yassa.
Como o cérebro
pandêmico nos afeta no dia a dia?
Sahakian dá um exemplo muito
comum.
"Você para o carro em um
estacionamento de vários níveis em um shopping. Você volta depois de várias
horas. Por um momento, você se perde e não consegue lembrar onde deixou o
carro. O hipocampo é a área do cérebro responsável por implementar essa
memória, justamente uma das áreas mais afetadas pelos efeitos da pandemia".
O hipocampo também está
envolvido nos processos de aprendizagem. Além disso, é uma área que normalmente
se deteriora com a idade.
"É por isso que os idosos
podem ser mais vulneráveis, embora também tenhamos detectado que as crianças
podem sofrer atrasos no desenvolvimento social e de linguagem", argumenta
Sahakian.
Mas os efeitos do chamado
cérebro pandêmico vão muito além de um leve comprometimento da memória ou declínio
na capacidade de aprendizagem.
Há muitos receptores que são
sensíveis ao cortisol, por isso várias redes neurais são afetadas, o que se
revela em nossas possíveis oscilações de humor frequentes, sentimentos de medo
ou incapacidade de concentração, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo ou
tomar decisões sem hesitação.
Isso se deve ao seu impacto no
sistema límbico e na amígdala, sendo esta última responsável por nos fazer
sentir emoções.
"Muitos pacientes descrevem
uma sensação de 'névoa cerebral' e se queixam que não tomam mais decisões da
mesma forma que faziam antes", explica Yassa.
Naturalmente, essa carga
psicológica também é acompanhada por consequências fisiológicas irremediáveis.
"A depressão e a ansiedade
afetam nosso sono, alteram nosso apetite e causam fadiga", acrescenta o
neurologista.
Não afeta a todos da
mesma forma
Como em tudo, o cérebro
pandêmico é mais suscetível em algumas pessoas do que em outras. Aqui, entram
em cena a resiliência individual e o nível de estresse a que estamos submetidos.
Quem padeceu com o isolamento
social não sofre tanto quanto alguém que perdeu um familiar ou conhecido, ficou
desempregado ou foi infectado.
Nestes casos, além do estresse
crônico, também pode surgir o estresse pós-traumático, aumentando a instabilidade
da saúde mental, a depressão, o sofrimento e a ansiedade.
"Alguns de nós mostraram
mais resiliência e criaram estratégias durante o confinamento para nos
mantermos saudáveis, como seguir uma rotina de exercícios físicos. Mas, para os
mais afetados, pode ser mais difícil seguir esse tipo de atividade", diz
Sahakian.
"A autogestão do estresse é
algo pessoal que nem todos nós alcançamos da mesma forma. Todos nós já tivemos
estresse em nossas vidas. Se conseguimos superá-lo, esse estresse pode até ser
bom em certo ponto", completa.
É possível se
recuperar?
Yassa quer acreditar que é
possível superar as mudanças sofridas, mas reconhece que não será da noite para
o dia — e que vai demorar.
"As pessoas superam
desastres naturais ou a perda de entes queridos, por isso também devemos
superar isso. Mas primeiro a causa precisa desaparecer", esclarece.
"À medida que as liberdades
forem recuperadas, e as pessoas retomarem o contato social, todos nós vamos
melhorar", acrescenta Sahakian.
Enquanto esperamos pelo retorno
à normalidade, os especialistas aconselham adotar algumas técnicas para trazer
de volta nossas funções cognitivas.
"Precisamos nos desafiar
com jogos de memória para recuperá-la, assim como aprender coisas novas",
recomenda a neuropsicóloga.
Yassa acredita que devemos nos
concentrar em criar uma espécie de "harmonia de ritmos".
"Levantar da cama na mesma
hora, comer regularmente e fazer exercício físico dá ao cérebro uma chance
melhor de se recuperar".
Mas embora essas atividades
possam ser suficientes para muitos, Sahakian reconhece que alguns de nós podem
precisar da ajuda de profissionais.
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