Marcelo Anátocles Ferreira – Outubro/2021
O Codificador indaga aos
Espíritos, na obra básica[2]:
Desaparecerá algum dia, da legislação humana, a pena de morte?
Respondem os benfeitores:
Incontestavelmente
desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os
homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida
na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me
a uma época ainda muito distante de vós.
Pena de morte ou pena capital é
um processo legal, pelo qual uma pessoa é morta pelo Estado, como punição por
um crime cometido.
A História da Humanidade é
marcada pela sua aplicação. De Sócrates a Jesus e de Joana d’Arc a Tiradentes,
a História está repleta de inocentes colhidos pela pena capital.
Quando refletimos nos argumentos
que a justificariam, se faz necessário recordar alguns postulados espíritas.
O primeiro se refere ao Espírito
e sua proposta de evolução.
Deus criou todos os Espíritos
simples e ignorantes, isto é, sem saber[3].
A encarnação, ou seja, o nascimento no corpo tem por objetivo o aperfeiçoamento[4].
E a reencarnação é o retorno do Espírito ao corpo, para prosseguir seu processo
evolutivo.
Assim como evoluem os Espíritos,
os mundos também evoluem. Há uma escala dos mundos habitados[5],
que vão desde os primitivos, passando pelos de provas e expiações, de
regeneração, ditosos, até os celestes ou divinos. A Terra já foi mundo
primitivo, destinado às primeiras encarnações dos homens, evoluiu para mundo de
provas e expiações, onde renascem Espíritos endividados, para que possam se
aperfeiçoar, onde o mal prevalece sobre o bem. Caminha, atualmente, para mundo
de regeneração, onde o bem é a regra.
Com essas premissas, vamos à
argumentação de defesa da pena capital.
A Organização Mundial da Saúde
define violência como o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática,
contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resulte
ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento
prejudicado ou privação.
O tema violência traz o dos
crimes e penas. Por consequência, a pena de morte como resposta aos grandes
atos de violência e ao aumento da violência urbana.
Em sua obra “O Contrato Social”,
Rousseau defende que a sociedade organizada tem origem num acordo coletivo, no
qual cada um abre mão de parte da sua liberdade, pelas vantagens da vida em
grupo, especialmente no que se refere à segurança e sobrevivência.
A soma dessas liberdades dará,
ao soberano, o poder de punir aqueles que infringirem as regras do grupo.
Nessas regras, estão conceituados os crimes, ou seja, aquilo que não pode ser
praticado e as consequências do descumprimento, que são as penas.
Pela teoria do Contrato Social,
duas objeções são apontadas para a pena de morte. A primeira, sustentada por
Beccaria[6],
no sentido de não ser possível alguém ceder parte de sua liberdade ao soberano
e ter, como resposta ao descumprimento do pacto, a sua própria morte. E a
outra, que aponta para a impossibilidade da sociedade, que não fornece o mínimo
de condições de sobrevivência para uma parcela dos seus participantes,
responder, com a morte, eventual descumprimento.
Entretanto, o grande argumento
em favor da pena capital é no sentido de que a violência urbana tem crescido
muito e as penas aplicadas, como a prisão, até mesmo perpétua, não conseguem
diminuir tal incidência. Argumentam que a pena de morte seria para os crimes
mais graves e para os reincidentes, evitando-se o erro judiciário. Necessário
voltar a Beccaria, quando afirma:
(…) a certeza do
castigo, ainda que moderado, causará sempre maior impressão que o temor de
outro castigo mais terrível, mas que aparece unido com a esperança da
impunidade.
Não é a intensidade da pena o
que causa mais efeito na alma humana, mas a sua duração. Porque a nossa
sensibilidade é mais fácil e duramente movida por impressões mínimas, porém
repetidas, do que por um movimento forte, porém passageiro.
Causará maior temor saber de uma
efetiva prisão por um tempo grande do que a pena de morte, que pode ser
encarada por alguns como um desafio rápido e final.
Também aqui deve ser lembrado
que, sob o aspecto prático, nos países, que adotaram a pena de morte, não
ocorreu o fim da violência e nem nos países, que a aboliram, um aumento.
Podemos afirmar que, no
continente europeu e no Canadá, onde não se aplica a pena de morte, há mais
segurança pública do que nos Estados Unidos, onde a maioria dos Estados a
aplica.
Há ainda um aspecto que deve ser
enfrentado. O da violência do Estado, contra o cidadão, podendo e gerando mais
violência.
A favor, argumenta-se que, como
o cidadão pode agir em legítima defesa de sua vida, o Estado também poderia.
Vale meditar que a legítima defesa, permitida ao indivíduo, em uma situação
prática, inusitada e incomum, não pode autorizar o Estado. Este tem que se
valer das regras processuais para punir o cidadão e só chegará a uma decisão,
em tempo bem posterior ao crime. A legítima defesa é uma reação imediata,
enquanto a pena a ser escolhida demora um tempo razoável e necessário, o tempo
do julgamento, afastando-se a natureza daquele instituto.
O objetivo do Estado deve ser o
de eliminar o crime e suas causas, não o criminoso.
Necessário refletir no provável
teor de violência provocado na mente de um indivíduo que está praticando um
crime e sabendo-se enquadrado na futura pena de morte. Sua violência torna-se
ainda maior, uma vez que não tem nada a perder.
Importante, no tema violência,
abordar as tantas formas de violência, algumas, causas da violência urbana[7]:
a violência do desemprego, da fome, da falta de moradia, de assistência à saúde
e do analfabetismo, dentre outras.
Ao indagar Allan Kardec[8],
se é Lei da Natureza, a desigualdade das condições sociais, respondem os guias
da Humanidade negativamente, esclarecendo que tal desigualdade é obra dos
homens e não de Deus. Cabe ao Estado e a
todos nós minorar ou acabar com essas modalidades de violência que, sem dúvida,
provocará a redução da violência urbana.
Somos Espíritos em evolução, uma
família espiritual agrupada no planeta Terra. Alguns encarnados, a maioria
desencarnada. Todos reencarnamos para evoluir. Aqui é a escola. E quem é o
criminoso, senão aquele de nós que foi descoberto, conforme define o Espírito
Emmanuel, através de Chico Xavier.
Matar o criminoso é retirá-lo da
escola onde veio aprender. A morte não destrói a vida, apenas muda o palco de
atuação do indivíduo.
Se há um crime, deve haver uma
resposta e, na nossa fase evolutiva, temos penas, que podem ser aplicadas, sem
exterminar o réu e que servirão para o seu resgate e aprendizado.
Para nós, espíritas, a proposta
da pena deverá sempre ser de reeducação. Executar o criminoso significa
devolver esse Espírito para o mundo espiritual, mais violento e revoltado que
antes de renascer. Ou seja, o problema do aprendizado não foi resolvido, mas
adiado e piorado. Na economia da coletividade, um grave prejuízo.
Devemos lembrar que a evolução
do planeta pressupõe a evolução da coletividade. A Terra progride e cabe-nos
trabalhar por esse progresso coletivo, para que ela alcance melhores níveis
sociais e, um dia, em estágio mais adiantado, o fim da pena de morte.
A regra, “Não matarás”, está
escrita no Velho Testamento. Também lá
está expressa a Lei de Talião: “Olho por olho, dente por dente”, que trouxe
proporcionalidade na reação, na resposta, que mesmo assim, em tese, não admite
que o Estado mate, pois não teríamos a proporcionalidade.
Entretanto, Jesus apresenta uma
nova ordem de ideias[9]:
Ouvistes que foi
dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais
ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa.
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te
pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Nenhuma resposta violenta pode
ser defendida com base no Evangelho de Jesus.
Ainda na obra básica, Kardec[10]
nos fala de um elemento importante na equação social e econômica: (…) a
educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. (…) que consiste na
arte de formar os caracteres, a que incute hábitos, porquanto a educação é o
conjunto dos hábitos adquiridos. (…) Esse o ponto de partida, o elemento real
do bem-estar, o penhor da segurança de todos.
Evidente que essa educação moral
traz em seu conteúdo todas as informações espirituais e transformadoras do
Cristianismo revivido pela Doutrina Espírita, como a crença em Deus e Sua
Justiça, a imortalidade da alma, a reencarnação e o progresso permanente do
Espírito, compreendidos de acordo com a razão.
A sociedade viverá sempre às
voltas com os delinquentes, enquanto não cumprir o dever que lhe assiste de
educá-los[11],
preceitua Pedro de Camargo.
Esse o trabalho da educação
moral a que se referiu o Codificador.
O mundo tem avançado muito,
também no campo moral. Já não temos a escravidão permitida por Lei. A tortura,
antes admitida, hoje é crime em muitos países. Há mais respeito às minorias e
diminuem os preconceitos. A pena de morte tem sido abolida em vários países.
Incontestavelmente, a supressão
da pena de morte marcará um grande avanço da Humanidade.
Estamos mais perto da abolição.
Confiemos. Pena de morte nunca.
[2] KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 2, cap. VII, q. 760.
[3] Op. cit. pt. 2,
cap. I, q. 115.
[4] Op. cit. pt. 2,
cap. II, q. 132.
[5] KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001. cap. III.
[6] BECCARIA, Cesare. “Dos delitos e das penas”.
Petrópolis: Vozes, 2020.
[7] TEIXEIRA, J. Raul. “Justiça e amor”. Pelo Espírito
Camilo. Niterói: Fráter, 1996. cap. III.
[8] KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1974. pt. 3, cap. IX, q. 806.
[9] BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. O novo testamento.
Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica
Brasileira, 1966. cap. 5, vers. 38 a 42.
[10] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro:
FEB, 1974. pt. 3, cap. III, q. 685.
[11] Camargo, Pedro de – Vinicius. “O Mestre na educação”.
Rio de Janeiro: FEB, 1982. cap. 11.
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