Allan Kardec
Marmande, 12 de maio
de 1867.
Caro senhor Kardec,
Há algum tempo vos
entretive com o resultado de nossos trabalhos espíritas, que continuamos com
perseverança e, sinto-me feliz em dizê-lo, com sucessos satisfatórios. Os obsedados
e os doentes são sempre objeto de nossos cuidados exclusivos. A moralização e
os fluidos são os principais meios indicados por nossos guias.
Nossos Espíritos
bons, que se devotam à propagação do Espiritismo, tomaram também a tarefa de
vulgarizar o magnetismo. Em quase todas as consultas, para os diversos casos de
moléstias, eles pedem o auxílio dos parentes: um pai, uma mãe, um irmão ou uma
irmã, um vizinho, um amigo são requisitados para dar passes. Essas bravas criaturas ficam surpresas de debelar crises,
de acalmar dores. Parece-me que este meio é engenhoso e seguro para fazer adeptos;
por isso a confiança se estende cada vez mais em nosso país. Os grupos que se
ocupam de curas talvez fizessem bem em dar os mesmos conselhos; os felizes
resultados obtidos provariam de maneira evidente a verdade do magnetismo, e
dariam a certeza de que a faculdade de curar ou aliviar o semelhante não é
privilégio exclusivo de algumas pessoas; que, para tanto, não é preciso senão
boa vontade e confiança em Deus. Não falo aqui de uma boa saúde, que é condição
indispensável, compreende-se. Reconhecendo-se que se tem tal poder em si mesmo,
adquire-se a certeza de que não há astúcia, nem sortilégio, nem pacto com o
diabo. É, pois, um meio de destruir as ideias supersticiosas.
Eis alguns exemplos
de curas obtidas.
Uma menina de 6 ou 7
anos estava acamada, com uma dor de cabeça contínua, febre, tosse frequente com
expectoração e dor viva do lado esquerdo e também nos olhos, que, de vez em
quando, se cobriam de uma substância leitosa, formando uma espécie de belida[2].
Sob os cabelos, a pele do crânio estava coberta de películas brancas; urina
espessa e turva. Fraca e abatida, a criança não comia nem dormia. O médico
acabara por suspender as visitas. A mãe, pobre,
em presença de sua filha doente e abandonada, veio me procurar. Consultados,
nossos guias prescreveram como único remédio a imposição das mãos, os passes
fluídicos por parte da mãe, recomendando-me que fosse, durante alguns dias,
fazer-lhe ver como deveria se conduzir. Comecei por drenar as vesículas e fazer
secá-las. Depois de três dias de passes e de imposição das mãos sobre a cabeça,
os rins e o peito, efetuadas a título de
lições, mas feitas com alma, a criança pediu para se levantar; a febre
tinha passado e todos os acidentes descritos acima desapareceram ao cabo de dez
dias.
Esta cura, que a mãe
qualificava de miraculosa, fez que me chamassem dois dias mais tarde, junto a
outra menina de 3 ou 4 anos, que tinha febre. Depois dos passes e imposição das
mãos, a febre cessou, desde o primeiro dia.
As curas de algumas
obsessões não nos dão menos satisfação e confiança. Maria B..., jovem de 21
anos, de Samazan, perto de Marmande, punha-se nua como um bicho, corria nos
campos e ia deitar-se ao lado do cachorro num buraco de palheiro.
A moralização do
obsessor por nossa parte e os passes fluídicos feitos pelo marido, conforme as
nossas instruções, logo a livraram. Toda a comuna de Samazan foi testemunha da
impotência da Medicina para curá-la, e da eficácia do meio simples empregado
para trazê-la ao estado normal.
A Sra. D..., de 22
anos, da comuna de Santa Marta, não muito longe de Marmande, caía em crises
extraordinárias e violentas; berrava, mordia, rolava-se, sentia golpes
terríveis no estômago, desfalecia e, às vezes, ficava quatro ou cinco horas
inconsciente; uma vez passou oito dias sem recobrar a lucidez. Em vão o Dr.
D... lhe havia prestado cuidados. O marido, depois de ter corrido à busca de
profissionais, sacerdotes da região reputados como curadores e exorcistas,
adivinhos, pois confessou os haver consultado, dirigiu-se a nós, pedindo que
nos ocupássemos de sua mulher, se, como lhe haviam contado, estivesse em nós o
poder de curá-la. Prometemos escrever-lhe, para indicar o que deveria fazer.
Consultados, nossos
guias disseram: Cessem qualquer tratamento médico: os remédios seriam inúteis;
que o marido eleve sua alma a Deus imponha as mãos sobre a fronte da esposa e
lhe dê passes fluídicos com amor e confiança; que observe pontualmente as
recomendações que lhe vamos fazer, por mais contrariado que possa ficar (seguem
as recomendações, absolutamente pessoais), e bem se compenetre da ideia que
estas são necessárias em benefício de sua pobre atormentada, e em breve terá a
sua recompensa.
Também nos disseram
que chamássemos e moralizássemos o Espírito obsessor, sob o nome de Lucie Cédar. Este Espírito revelou a
causa que o levava a atormentar a Sra. D... Esta causa se ligava precisamente
às recomendações feitas ao marido. Tendo este último se conformado a tudo, teve
a satisfação de ver sua mulher completamente livre no espaço de dez dias.
Disse-me: Já que os Espíritos se comunicam, não me admiro de que vos tenham
dito o que só era conhecido por mim, mas estou muito mais admirado que nenhum
remédio tenha podido curar minha mulher; se me tivesse dirigido a vós desde o
começo, teria 150 francos no bolso, que aí não estão mais, pois os gastei em
medicamentos.
Aperto a vossa mão
muito cordialmente.
Dombre
Estes casos de cura nada têm de
mais extraordinários que os que já temos citado, provenientes do mesmo centro;
mas provam, pela persistência do sucesso, há vários anos, o que se pode obter
pela perseverança e pela dedicação, razão por que nunca lhes falta a
assistência dos Espíritos bons. Eles só abandonam os que deixam o bom caminho,
o que é fácil de reconhecer pelo declínio do sucesso, ao passo que sustentam, até
o último momento, mesmo contra os ataques da malevolência, aqueles cujo zelo,
sinceridade, abnegação e humanidade são à prova das vicissitudes da vida.
Elevam o que se humilha e
humilham o que se eleva. Isto se aplica a todos os gêneros de mediunidade.
Nada desanimou o Sr. Dombre. Ele
lutou energicamente contra todos os entraves que lhe foram suscitados e deles
triunfou; desprezou as injúrias e as ameaças dos nossos adversários comuns e os
forçou ao silêncio por sua firmeza; não poupou seu tempo, nem seu esforço, nem
os sacrifícios materiais; jamais procurou prevalecer-se do que faz para pôr-se
em evidência ou disso fazer um trampolim qualquer; seu desinteresse moral
iguala o seu desinteresse material; se é feliz por triunfar, é porque cada
sucesso o é para a doutrina. Eis os títulos sérios ao reconhecimento de todos
os espíritas presentes e futuros, títulos aos quais é preciso associar os
membros do grupo que o secundam com tanto zelo e abnegação, e cujos nomes
lamentamos não poder citar.
O fato mais característico
assinalado nesta carta é o da intervenção dos parentes e amigos dos doentes nas
curas. É uma ideia nova, cuja importância não escapará a ninguém, porque sua
propagação não pode deixar de ter resultados consideráveis. É a vulgarização
anunciada da mediunidade curadora. Os espíritas notarão quanto os Espíritos são
engenhosos nos meios tão variados que empregam, para fazer penetrar a ideia nas
massas.
Como não o seria, desde que se
lhe abrem, incessantemente, novos canais e lhe são dados os meios de bater em
todas as portas?
Esta prática, pois, nunca seria
demasiado encorajada.
Todavia, não se deve perder de
vista que os resultados estarão na razão da boa direção dada à coisa pelos
chefes dos grupos curadores, e do impulso que souberem imprimir por sua
energia, seu devotamento e seu próprio exemplo.
[1] Revista Espírita
– Junho/1867 – Allan Kardec
[2] [Medicina] Mancha semitransparente ou opaca na córnea,
que pode ser classificada como nefélio (ou nubécula), albugem (ou albugo) ou
leucoma, consoante a espessura e opacidade. https://dicionario.priberam.org/belida [consultado em
18-10-2021].
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