sexta-feira, 14 de maio de 2021

PERDÃO, INSTRUMENTO LIBERTADOR[1]

 

Adriana Machado

 

Sabemos que muitos são os textos que falam sobre o perdão, mas vamos nos aventurar para falar um pouquinho sobre esse tema que é tão discutido e que parece ser tão complicado de ser colocado em prática.

 

O que é o perdão?

Etimologicamente, a palavra "perdão" vem do latim perdonare que significa a ação de perdoar, ou seja, aceitar ou pedir desculpas; se redimir em relação a algo de errado. A expressão "pedir perdão" é usada quando alguém reconhece o seu erro e pede desculpas para a pessoa com quem foi injusto. (...) No âmbito religioso, o conceito de perdão está relacionado com o chamado "processo de purificação espiritual", ideia que está presente em quase todas as doutrinas religiosas, e que consiste na eliminação de sentimentos nocivos ao homem, como a raiva, a magoa ou o desejo de vingança[2].

 

Diante deste conceito, gostaríamos de levantar uma questão interessante: nós já somos capazes de aceitar ou pedir perdão?

A princípio diríamos que sim. Mas, será que conseguiríamos fazê-lo sempre?

Se o perdão é um processo de purificação espiritual, porque parece ser tão difícil colocá-lo em prática em alguns momentos? É nessa resposta que queremos chegar hoje.

Aceitar ou pedir perdão está no âmbito interno de nosso ser. Somos nós que decidiremos como agir e são as nossas crenças que nos impedirão ou nos impulsionarão a fazê-lo.

É mais fácil pedir ou aceitar o perdão? Também isso dependerá de cada um de nós.

Se formos honestos, lembraremos de algum momento de nossa vida que deixamos de aceitar ou nos desculpar com alguém, tendo essa pendência até hoje. E qual foi o motivo que nos impediu de solucionar essa contenda?

Se tememos receber uma negativa ao pedido de perdão, possivelmente, não o pediremos; se tememos que o outro faça de novo o que nos magoou ou ofendeu, possivelmente, não o perdoaremos. Essas verdades seriam as nossas crenças! Todas as nossas ações estarão baseadas em como reagiríamos se estivéssemos no lugar do outro e, com todas as nossas imperfeições ainda reluzentes ao nosso olhar, escolheremos agir para evitar o sofrimento que acreditamos possível acontecer, esquecendo, todavia, que sofremos de qualquer forma, se não mudarmos a forma de como encaramos o lugar do outro e o nosso próprio lugar na nossa vida.

A verdade é que quando temos pendências, sofremos todos os dias por estarmos vivenciando aquela circunstância. O ponto que não muda, é que nós só teremos pendências sofridas com quem amamos ou consideramos.

A espiritualidade amiga afirma que quando construímos um sentimento com alguém (amor, amizade, consideração...), essa ligação jamais se quebrará. Se pensarmos que somente nos magoamos ou nos decepcionamos com quem temos alguma ligação de sentimentos, então, sofreremos até resolvermos essa pendência, porque estamos ligados permanentemente numa energia em desequilíbrio...

Vocês podem estar pensando em casos de estranhos terem tido a capacidade de provocar em vocês, indignação ou irritabilidade em algum caso passado. É verdade, tais sentimentos podem ter sido provocados, mas, se analisarem bem, não foram sustentados por muito tempo. Nós nos libertaremos rapidamente do desconforto, porque aquela pessoa nos é indiferente. Assim, se algum estranho na rua, esbarra em nós e derruba toda a nossa compra no chão e não nos ajuda, ficaremos revoltados, poderemos até xingá-lo, mas a indignação poderá permanecer por algumas horas, por alguns dias, mas, nunca, por toda a vida.

Vamos analisar com um exemplo mais grave: se este estranho mata um ente querido, teremos a oportunidade de ter inúmeros sentimentos (raiva, ódio, revolta...) por este alguém. Então, a teoria estaria errada?! Não, não está!

Segundo diz a espiritualidade:

o   Se o seu sentimento for muito profundo, quase de vingança, pode já ter havido alguma relação anterior entre você e este alguém e, estando já vinculados pelos sentimentos que antes os unia, agora só se reconheceram.

o   Se for ele um completo estranho para você (ou seja, não se conheciam antes), possivelmente, a sua dor, a sua indignação será profunda pela “perda” do seu ente amado, mas o seu ódio pelo ofensor não.

o   Se o seu ódio, porém, for profundo, contrariando o que foi dito anteriormente, um dos motivos pode ser que você está direcionando todo um sentimento de frustração e desejo de vingança contra um “alguém”, que agiu e lhe trouxe dor. Ele é só um alvo de sua dor profunda.

 

Nos dois últimos casos, vocês estarão iniciando um processo de conhecimento mútuo, infelizmente, por meio de um “escândalo”[3].

Mas, tudo isso, todos os vínculos que construímos, negativamente, dependem de nosso querer, porque podemos reagir com paz no espírito. Fato é que, se somos os únicos responsáveis pelos nossos próprios sentimentos, se alguém agir contra mim, pode ele determinar como me sentirei? Não, ele não pode. Eu me magoo, eu me irrito, eu sofro porque quero. Por ter interpretado a atitude dele contrária a mim, eu construo todos os sentimentos, bons ou não tão bons, que quiser.

Mas, o nosso equívoco contra o ofensor não começa aí. Ele começa, normalmente, quando construímos um pedestal para que ele resida. Sim, é o que fazemos! Colocamos o nosso amado, o nosso familiar, o nosso amigo em um pedestal, porque ele é especial, porque o aceitamos como alguém importante para nós. Se é assim, mesmo que ele demonstre o tempo todo quem ele é com os outros, nós queremos acreditar que ele jamais agirá conosco da mesma forma.

O problema é que ele pode até tentar não fazer conosco, mas se não conseguir e agir conforme a sua natureza (atual), nós o condenaremos, esquecendo que ele não pediu para estar neste pedestal, que fomos nós quem o colocamos lá e que a queda sofrida por ele será imensa diante de nossos olhos. A decepção que sentiremos se encontrará na mesma proporção do tamanho do pedestal que construímos para ele!

Começamos a perceber, portanto, que somos os únicos responsáveis pela nossa dor, porque tudo depende de nós.

Depois desta verdade flagrante, como ainda podemos pensar em não aceitar ou pedir o perdão alheio? Simples, porque apesar de sabermos disso tudo, ainda queremos preservar o nosso orgulho. É ele que é colocado em “xeque”.

Não é vergonha flagrarmos esse sentimento de autopreservação em nós. É muito importante termos em nossa consciência que existe algo que é tão importante para nós que, mesmo podendo impedir, nos permitiremos vivenciar momentos de muita dor em nosso íntimo para preservá-lo.

Mas, o orgulho não está só. Com ele associamos o medo! Temos medo de sofrer de novo. Temos medo do que podem falar de nós... Temos medo de ficarmos frente a frente com o nosso próprio eu!

Nós somente deixaremos de utilizar o orgulho como escudo de proteção e pararemos de ter medo, quando nos conhecermos melhor. Porque, quando aceitarmos quem somos, não nos abalaremos quando alguém vier dizendo verdades ou mentiras sobre nós. Nada será novidade, nada nos confundirá. O orgulho não será mais necessário para a nossa proteção.

Diante de tudo isso, como o perdão pode ser libertador?

Porque neste processo de autoconhecimento, neste processo de purificação espiritual, estaremos mais livres para compreendermos as circunstâncias que chegarem a nós. Não precisaremos fantasiar sobre os outros ou sobre nós mesmos. Não teremos que colocar ninguém sobre pedestais ou nos culparmos por termos errado na escolha das pessoas que estarão ao nosso lado. Teremos consciência que estamos aprendendo, que estamos caminhando, que estamos crescendo... Devagar.

O perdão é libertador porque todos nós poderemos praticá-lo, estando em que patamar evolutivo estivermos, só dependendo de nós desejarmos ficar bem.

Tudo estará baseado em como enxergamos a vida e que, se nós podemos errar, por não sermos perfeitos, os outros também poderão. O perdão, então, aceito ou pedido será consequência consoladora!



[3] “O escândalo é necessário, mas ai daquele que o praticar” – Jesus.

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