Adriana Machado
Sabemos que muitos são os textos
que falam sobre o perdão, mas vamos nos aventurar para falar um pouquinho sobre
esse tema que é tão discutido e que parece ser tão complicado de ser colocado
em prática.
O que é o perdão?
Etimologicamente, a
palavra "perdão" vem do latim perdonare
que significa a ação de perdoar, ou seja, aceitar ou pedir desculpas; se
redimir em relação a algo de errado. A expressão "pedir perdão" é
usada quando alguém reconhece o seu erro e pede desculpas para a pessoa com
quem foi injusto. (...) No âmbito religioso, o conceito de perdão está
relacionado com o chamado "processo de purificação espiritual", ideia
que está presente em quase todas as doutrinas religiosas, e que consiste na
eliminação de sentimentos nocivos ao homem, como a raiva, a magoa ou o desejo
de vingança[2].
Diante deste conceito, gostaríamos de levantar uma questão
interessante: nós já somos capazes de aceitar ou pedir perdão?
A princípio diríamos que sim.
Mas, será que conseguiríamos fazê-lo sempre?
Se o perdão é um processo de
purificação espiritual, porque parece ser tão difícil colocá-lo em prática em
alguns momentos? É nessa resposta que queremos chegar hoje.
Aceitar ou pedir perdão está no
âmbito interno de nosso ser. Somos nós que decidiremos como agir e são as
nossas crenças que nos impedirão ou nos impulsionarão a fazê-lo.
É mais fácil pedir ou aceitar o
perdão? Também isso dependerá de cada um de nós.
Se formos honestos, lembraremos
de algum momento de nossa vida que deixamos de aceitar ou nos desculpar com
alguém, tendo essa pendência até hoje. E qual foi o motivo que nos impediu de
solucionar essa contenda?
Se tememos receber uma negativa
ao pedido de perdão, possivelmente, não o pediremos; se tememos que o outro
faça de novo o que nos magoou ou ofendeu, possivelmente, não o perdoaremos.
Essas verdades seriam as nossas crenças! Todas as nossas ações estarão baseadas
em como reagiríamos se estivéssemos no lugar do outro e, com todas as nossas
imperfeições ainda reluzentes ao nosso olhar, escolheremos agir para evitar o
sofrimento que acreditamos possível acontecer, esquecendo, todavia, que
sofremos de qualquer forma, se não mudarmos a forma de como encaramos o lugar
do outro e o nosso próprio lugar na nossa vida.
A verdade é que quando temos pendências, sofremos todos os dias por
estarmos vivenciando aquela circunstância. O ponto que não muda, é que nós
só teremos pendências sofridas com quem amamos ou consideramos.
A espiritualidade amiga afirma
que quando construímos um sentimento com alguém (amor, amizade,
consideração...), essa ligação jamais se quebrará. Se pensarmos que somente nos
magoamos ou nos decepcionamos com quem temos alguma ligação de sentimentos,
então, sofreremos até resolvermos essa pendência, porque estamos ligados
permanentemente numa energia em desequilíbrio...
Vocês podem estar pensando em
casos de estranhos terem tido a capacidade de provocar em vocês, indignação ou
irritabilidade em algum caso passado. É verdade, tais sentimentos podem ter
sido provocados, mas, se analisarem bem, não foram sustentados por muito tempo.
Nós nos libertaremos rapidamente do desconforto, porque aquela pessoa nos é
indiferente. Assim, se algum estranho na rua, esbarra em nós e derruba toda a
nossa compra no chão e não nos ajuda, ficaremos revoltados, poderemos até
xingá-lo, mas a indignação poderá permanecer por algumas horas, por alguns
dias, mas, nunca, por toda a vida.
Vamos analisar com um exemplo
mais grave: se este estranho mata um ente querido, teremos a oportunidade de
ter inúmeros sentimentos (raiva, ódio, revolta...) por este alguém. Então, a
teoria estaria errada?! Não, não está!
Segundo diz a espiritualidade:
o Se
o seu sentimento for muito profundo, quase de vingança, pode já ter havido
alguma relação anterior entre você e este alguém e, estando já vinculados pelos
sentimentos que antes os unia, agora só se reconheceram.
o Se
for ele um completo estranho para você (ou seja, não se conheciam antes),
possivelmente, a sua dor, a sua indignação será profunda pela “perda” do seu
ente amado, mas o seu ódio pelo ofensor não.
o Se
o seu ódio, porém, for profundo, contrariando o que foi dito anteriormente, um
dos motivos pode ser que você está direcionando todo um sentimento de
frustração e desejo de vingança contra um “alguém”, que agiu e lhe trouxe dor.
Ele é só um alvo de sua dor profunda.
Nos dois últimos casos, vocês
estarão iniciando um processo de conhecimento mútuo, infelizmente, por meio de
um “escândalo”[3].
Mas, tudo isso, todos os
vínculos que construímos, negativamente, dependem de nosso querer, porque
podemos reagir com paz no espírito. Fato é que, se somos os únicos responsáveis
pelos nossos próprios sentimentos, se alguém agir contra mim, pode ele
determinar como me sentirei? Não, ele não pode. Eu me magoo, eu me irrito, eu
sofro porque quero. Por ter interpretado a atitude dele contrária a mim, eu
construo todos os sentimentos, bons ou não tão bons, que quiser.
Mas, o nosso equívoco contra o
ofensor não começa aí. Ele começa, normalmente, quando construímos um pedestal
para que ele resida. Sim, é o que fazemos! Colocamos o nosso amado, o nosso
familiar, o nosso amigo em um pedestal, porque ele é especial, porque o
aceitamos como alguém importante para nós. Se é assim, mesmo que ele demonstre
o tempo todo quem ele é com os outros, nós queremos acreditar que ele jamais
agirá conosco da mesma forma.
O problema é que ele pode até
tentar não fazer conosco, mas se não conseguir e agir conforme a sua natureza
(atual), nós o condenaremos, esquecendo que ele não pediu para estar neste
pedestal, que fomos nós quem o colocamos lá e que a queda sofrida por ele será
imensa diante de nossos olhos. A decepção que sentiremos se encontrará na mesma
proporção do tamanho do pedestal que construímos para ele!
Começamos a perceber, portanto, que somos os únicos responsáveis pela
nossa dor, porque tudo depende de nós.
Depois desta verdade flagrante,
como ainda podemos pensar em não aceitar ou pedir o perdão alheio? Simples,
porque apesar de sabermos disso tudo, ainda queremos preservar o nosso orgulho.
É ele que é colocado em “xeque”.
Não é vergonha flagrarmos esse
sentimento de autopreservação em nós. É muito importante termos em nossa
consciência que existe algo que é tão importante para nós que, mesmo podendo
impedir, nos permitiremos vivenciar momentos de muita dor em nosso íntimo para
preservá-lo.
Mas, o orgulho não está só. Com
ele associamos o medo! Temos medo de sofrer de novo. Temos medo do que podem
falar de nós... Temos medo de ficarmos frente a frente com o nosso próprio eu!
Nós somente deixaremos de
utilizar o orgulho como escudo de proteção e pararemos de ter medo, quando nos
conhecermos melhor. Porque, quando aceitarmos quem somos, não nos abalaremos quando
alguém vier dizendo verdades ou mentiras sobre nós. Nada será novidade, nada
nos confundirá. O orgulho não será mais necessário para a nossa proteção.
Diante de tudo isso, como o
perdão pode ser libertador?
Porque neste processo de
autoconhecimento, neste processo de purificação espiritual, estaremos mais
livres para compreendermos as circunstâncias que chegarem a nós. Não
precisaremos fantasiar sobre os outros ou sobre nós mesmos. Não teremos que
colocar ninguém sobre pedestais ou nos culparmos por termos errado na escolha
das pessoas que estarão ao nosso lado. Teremos consciência que estamos
aprendendo, que estamos caminhando, que estamos crescendo... Devagar.
O perdão é libertador porque todos nós poderemos praticá-lo, estando em
que patamar evolutivo estivermos, só dependendo de nós desejarmos ficar bem.
Tudo estará baseado em como
enxergamos a vida e que, se nós podemos errar, por não sermos perfeitos, os
outros também poderão. O perdão, então, aceito ou pedido será consequência
consoladora!
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