segunda-feira, 10 de maio de 2021

CARLOS JOAQUIM DE LIMA E CIRNE[1]

 


Carlos Joaquim de Lima e Cirne, nasceu em 5 de março de 1839.

Iniciado no Espiritismo em 1872, isto é, aos 33 anos de idade alistou-se imediata e resolutamente nas fileiras militantes, e todas as energias do seu cérebro e do seu coração, tudo o que de generoso possuía o seu Espírito ‒ e era muito ‒ tudo ele consagrou desde então à causa da propaganda espírita, pela palavra, pelo pensamento e sobretudo pelas obras.

Carlos Joaquim de Lima e Cirne durante 33 anos consecutivos dedicou-se com todas as forças a uma propaganda ativa do Espiritismo, quer em conferências, quer constituindo, com outros confrades, Associações às quais emprestava todas as suas energias, nunca faltando - conforme salientou um seu biógrafo, José Bernardino da Silva ‒ às sessões programadas, ainda que desabassem as maiores tempestades.

Apesar de seu grande trabalho no Espiritismo, diz o citado biógrafo que Lima e Cirne foi injustamente apreciado por alguns confrades, "mas, sempre firme como um rochedo batido pelas ondas encapeladas de oceano tempestuoso, nunca se lhe ouviu um queixume, uma mágoa contra pessoa alguma; ao contrário, tudo perdoava, tudo desculpava, como adepto genuíno da nova Doutrina que de coração cultivava".

Não nos consta, como já se disse algures, ter sido Lima e Cirne o fundador do "Grupo Confúcio", a primeira sociedade espiritista instalada no Rio de Janeiro, em 1873. Talvez, isto sim, ele tenha colaborado para a sua fundação, o que é, de certa forma, diferente.

Houve, em 1881, no mês de agosto, culminado precisamente no dia 28, um movimento persecutório em que a própria segurança individual dos espíritas se viu ameaçada. Damos aqui, a esse respeito, uma síntese, segundo as noticias que colhemos na "Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade", daquele ano, em seus números de setembro, outubro e novembro.

No dia 28 de agosto de 1881, "O Cruzeiro" e o "Jornal do Comercio", diários cariocas, noticiaram, em furo de reportagem, a ordem policial que proibia o funcionamento da Sociedade Acadêmica e bem assim de todos os Círculos a ela filiados, tornando passíveis de sanções penais os espíritas que contrariassem as disposições policiais. Seria esse talvez o preâmbulo de uma perseguição em escala maior e mais generalizada, se não fora a ação pronta dos membros daquela Sociedade.

Nesse mesmo dia 28, reuniram-se eles em sessão extraordinária, a fim de tomarem providências defensivas, caso a referida noticia fosse confirmada. Ainda na data em foco, a Diretoria da Sociedade Acadêmica compareceu perante o Ministro da Justiça, que a recebeu mui cordialmente, declarando que deveria ter havido algum equivoco e que não consentiria na perseguição de ninguém.

Todavia, em 30 de agosto de 1881, um Oficial de Justiça apresentava à Sociedade Acadêmica a contrafé do mandado de intimação do 2º Delegado de Policia da Corte, mandado que suspendia, vedava as reuniões da Sociedade, alegando que ela não se achava legalmente constituída.

Imediatamente a Diretoria expediu ofícios ao Chefe de Policia e ao Ministro da Justiça, Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, provando a arbitrariedade daquela injusta medida. Uma comissão, da qual faziam parte o Dr. Antonio Pinheiro Guedes, Carlos Joaquim de Lima e Cirne, e parece que o Dr. Joaquim Carlos Travassos, o primeiro tradutor das obras de Kardec em português, logo ser pôs em contato com o Chefe de Policia, que, apesar de tê-la recebido com amabilidade, nada resolveu, parecendo que a ordem vinha de cima.

A vista disso, a referida comissão recorreu a S. Majestade D.Pedro II em 6 de setembro de 1881. Na presença deste, no paço da Corte, no mesmo tempo que lhe depunham em mãos uma exposição minuciosa dos fatos, com a respectiva defesa dos direitos e das liberdades dos espíritas no Brasil, ouviram da boca do Imperador esta frase frisante: "Eu não consinto em perseguição".

Quinze dias depois, a mesma comissão voltou ao palácio a fim de conhecer da resposta às considerações emitidas na exposição que fora entregue a D.Pedro II. Este, dizendo que mandara os papéis ao Ministro do Império para dar solução ao caso, tornou a afirmar, com certo ar de graça: "Ninguém os perseguirá. Mas... não queiram agora ser mártires".

Ante a reiterada promessa do Imperador a "Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade" continuou a funcionar, sabendo os seus membros que de uma noite para o dia todos eles poderiam ser presos e multados, pois que a ordem policial ainda estava de pé. Na verdade, ela parece que nunca foi revogada, mas não há noticia de que fosse posta em execução, demonstrando ter sido sustada a sua aplicação, talvez por apadrinhamento direto do próprio D.Pedro II...

O seu nome aparece, entretanto, como um dos membros da primeira Diretoria da "Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade", fundada aos 3 de outubro de 1879, e realmente a ela pertenceu por muito tempo, tendo sido aí denodado trabalhador, participando de várias campanhas na defesa do Espiritismo, contra as hostilidades que o preconceito e a rotina lhe moviam. A residência do nosso biografado serviu mesmo, pelo menos nos primeiros anos, de sede para a referida Sociedade.

O "Centro da União Espírita do Brasil", criado em 3 de outubro de 1881 (fruto do primeiro Congresso Espírita realizado no Brasil, aos 6 de setembro de 1881), com a finalidade de reunir e orientar as Sociedades espíritas, teve-o também entre os seus diretores. Reorganizado o Centro, em 1889, por Bezerra de Menezes, dele igualmente fez parte Lima e Cirne. E mais tarde, em 1894, quando esse mesmo Centro foi reinstalado pelo Prof. Angeli Torteroli, agora com o nome de "Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil", ainda aí Lima e Cirne foi chamado a cooperar, juntamente com doze outros diretores efetivos.

A primeira ação policial contra o Espiritismo, ação que logo abortou em seus passos iniciais, trouxe como consequência imediata a fundação no Rio, em setembro ou outubro de 1881, do Grupo Espírita Vinte e Oito de Agosto, data que os espíritas da época quiseram fixar para a posteridade.

Finalmente, em oficio datado de 10 de janeiro de 1882, dirigido à SM. D. Pedro de Alcântara, Imperador do Brasil, a diretoria da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade manifestava o seu jubilo "pelo começo da tolerância" em relação àquela Sociedade, "sinal evidente de que estão terminadas as perseguições encetadas contra o Espiritismo e os espíritas".

Sócio fundador da Federação Espírita Brasileira, aí conquistou, com sua presença insinuante e modesta, o respeito e a admiração dos companheiros, tendo até colaborado com suas luzes na organização do primeiro Estatuto da Casa de Ismael.

Quer doutrinando os Espíritos sofredores, ou endurecidos, quer intervindo nos debates sobre questões de Doutrina e de administração, a singeleza e a humildade de que se revestia a exposição de suas ideias dispunham a seu favor quantos o escutavam. Ao lado dessas, porém, a virtude que mais brilhava naquele elevado espírito era a bondade de coração. Muito amou, dissemos atrás, os pobres e os enfermos, e devemos insistir nisso, porque foi o característico predominante do seu labor de crente. Pobre, simples funcionário da antiga Repartição Geral dos Telégrafos, vivia a amparar os indigentes, e muitas vezes voltava do trabalho a pé, pois que até o próprio níquel indispensável à passagem de bonde havia sido dado.

Nos últimos anos de sua vida, já alquebrado pelo trabalho e pela idade, ainda assim fazia longas caminhadas para levar os socorros espirituais ou fluídicos, pelos passes magnéticos ‒ pois que era médium curador ‒, aos atormentados por males físicos e morais.

Quem com ele privasse, fosse por um momento sequer, de pronto sentia a bondade daquela alma, bondade a transparecer nas feições, nos gestos e na palavra.

Embora prostrado no leito, em extremo depauperamento físico e intelectual, ele revelava a preocupação constante de voltar à atividade militante, à propaganda da Doutrina, bem como à infatigável visitação aos enfermos e necessitados, que ele tanto amava e pelos quais tanto se sacrificou. Foi, até o último alento, um exemplo vivo de trabalho e de fé!

Em 4 de dezembro de 1906, após ano e meio de penosa enfermidade, iniciada com uma congestão, libertava-se do casulo de carne, no bairro de São Cristóvão, o Espírito do bondoso velhinho Carlos Joaquim de Lima e Cirne. Fora se unir à sua extremosa esposa, desencarnada alguns meses antes dele, para juntos alçarem às esferas radiosas do Infinito...

Bela teria sido, assim, a recepção que na Pátria Celeste lhe prepararam, recebendo o grande operário da Seara Espírita, o fiel discípulo de Jesus, o salário a que de fato fez jus.

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