Cezar Braga Said - Junho/2020
Nestes dias de reclusão, todos
fomos chamados a uma volta para casa. Curioso, pois, saímos diariamente para o
trabalho, compras, médicos, atividade física, templo religioso, passeios e
nesse automatismo nem sempre nos damos conta do quanto é importante voltarmos
para casa.
A ideia de volta para casa nos
remete a algumas reflexões. Para os que acreditam que a morte seja uma vírgula
e não um ponto final, voltar para casa pode ser retornar à pátria espiritual de
onde um dia saímos e para a qual retornaremos mais experientes, virtuosos e
sábios, pelo menos é o que esperamos.
Podemos pensar num volver de
olhos e atenção para a nossa morada comum, a casa planetária tão maltratada e
explorada por causa da ganância e egoísmo que ainda nos caracteriza. Por conta
dessas imperfeições destruímos abusivamente, pensamos exclusivamente em nós,
burlamos leis, ferimos ecossistemas com nossa sanha de poder e domínio. Nossa
Terra com sua biodiversidade, culturas diversas e histórias maravilhosas de
cada povo pede socorro e nos convida a repensar a relação que temos
estabelecido com ela a partir do lixo que produzimos, do consumo desenfreado,
da poluição que geramos, da acumulação desproporcional de capital em detrimento
do empobrecimento contínuo de tanta gente. Trata-se de uma relação predatória,
nada integrativa nem harmoniosa, onde os valores econômicos estão acima dos
valores humanos.
Uma terceira possibilidade é a
de cultivarmos mais a nossa habitação, o espaço que nos alberga todos os dias
com nossa família consanguínea. Além dos cuidados materiais que esse lugar
solicita em termos de limpeza e conservação, é nele que damos e recebemos
afeto. É nesse recanto formidável que podemos transcender a noção de casa
fazendo dele um lar, ou seja, mais do que um espaço de coabitação, criar laços
genuínos de amor.
Um quarto viés é poder pensar no
corpo físico, morada da alma, da essência espiritual que somos. Zelar por ele
com uma alimentação saudável, boa ingestão de água, atividades físicas,
ocupação útil, descanso necessário, não o bombardeando com o tóxico dos maus
pensamentos, valorizando o investimento evolutivo e espiritual que a vida nos
oferece. Estar num corpo físico é estar matriculado numa escola onde temos
muito para aprender e nenhum aluno consciente deixa de valorizar e preservar
uma escola tão sublime como essa.
Por fim, voltar para casa também
nos faz pensar na casa mental e emocional, pois é com ela que nos relacionamos
com as demais noções de casa listadas anteriormente.
Há muito lixo mental e emocional
que guardamos sem reciclar e descartar adequadamente, por isso adoecemos
(culpas, mágoas, ressentimentos, frustrações, invejas, recalques…).
Essa parada forçada em casa é um
convite divino para repensarmos o que temos feito da vida, das nossas múltiplas
relações, do tempo, da inteligência, do dinheiro, do planeta, da saúde, dos
princípios religiosos que abraçamos e que usamos, muitas vezes, para manipular,
esgrimir, debochar. É a possibilidade de um mergulho mais profundo em nós
mesmos a fim de mudarmos, corrigirmos o rumo, acertarmos o prumo, voltarmo-nos
para o que é essencial.
E o que é essencial? O respeito
ao outro, o compartilhar com o outro, descobrindo que não somos donos de nada e
que toda forma de apego gera sofrimento. Que precisamos de mais empatia e
compaixão.
Temos em nossas mãos a
possibilidade real de daqui para frente fazermos do amor a nós mesmos e ao
próximo, a regra áurea da vida, regra com roteiro já ensinada e exemplificada
por um homem terno e gentil, sábio e amigo, há mais de dois mil anos…
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