Alexandre Mota
Nos evangelhos é fácil verificar
o quanto Jesus foi contra a idolatria à sua pessoa. Ele direcionava ao Pai toda
sua a atenção e pedia àqueles à sua volta que também o fizessem. Afinal só Deus
poderia ser chamado de bom, ele no máximo de mestre.
Mestre no grego, e
posteriormente no latim, está relacionado àquele que tem notório saber em
alguma coisa e que o transmite para outros. Alguns definem a ação do mestre
como puro exercício dialético, pois todo discípulo poderia sobrepujar o mestre,
como Jesus também afirmou aos apóstolos.
Jesus, ao se autodefinir como
mestre, marca como queria ser reconhecido claramente, esvaziando o intento de
qualquer um querer-lhe imputar uma importância divina.
Porém, hoje, século XXI, a
figura de Jesus está transformada para além do mestre. Jesus é adorado em
paridade com a figura de Deus (o que de certa forma é até justificável pela
subjetividade que Deus impõe aos nossos sentidos e inteligência). A construção
histórica de Jesus levou a essa configuração, porém vale a pena refletir sobre
ela, principalmente os espíritas kardecistas que colocam Jesus em posição de
superioridade em relação a qualquer outro espírito que esteja ligado ao planeta
Terra.
Por qual motivo essa reflexão
deve ser feita sobre a figura de Jesus estar acima de qualquer outra e superior
ao perfil que ele mesmo definiu para si?
Frente aos desafios de se viver
em um mundo mais justo e igual é importante que os cristãos tenham consciência
que eles não representam mais do 35% da população mundial. Ou seja, outros
quase 2/3 do mundo procuram sua religiosidade em fontes primárias longe do
cristianismo.
Dentre os espíritas kardecistas
é mais pujante a necessidade dessa reflexão, pois supostamente a viagem do
espírito em seu arco evolutivo ocorre em diversos países, diferentes culturas,
ocupação de corpos de diferentes gêneros e por aí vai. Ou seja, a visão
inter-religiosa, intercultural, inter-racial deveria ser o guia de entendimento
do mundo atual pelo espírita, independentemente de como coloque seu sentimento
e ligação com Deus a partir da ética de qualquer figura religiosa.
Pontuar Jesus dessa forma, mais
próximo do significado de mestre, não busca diminuí-lo ou colocar o cristianismo
em julgamento. Mas se os cristãos mantiverem a visão de superioridade de Jesus
perante os demais líderes religiosos, como se solucionará a questão da evolução
planetária, por exemplo? Será necessário a conversão de 2/3 da população
mundial para o cristianismo?
Não é lógico que isso aconteça.
Nem mesmo sensato, pois haveria um toque de fundamentalismo religioso que,
conforme a história nos conta, não leva a lugar algum senão a um vale de
tristezas e abusos.
Mesmo se inferirmos que no Livro
dos Espíritos Jesus é citado como o modelo mais perfeito a ser seguido é
preciso colocar a obra em seu contexto histórico. A história que conhecemos a
fundo (brasileiros e europeus) é a Ocidental, sendo o Ocidente praticamente
sinônimo de Europa, daí o termo eurocentrismo. Kardec estava imerso nesse
ambiente, O Livro dos Espíritos teria
como primeiros leitores os franceses e depois os demais povos da Europa. Não
fazia sentido apresentar outras culturas e personalidades desconhecidas. Até
porque a figura de Jesus apartada dos desmandos das Igrejas, bastava para que a
mensagem fosse divulgada como deveria (Em O
Evangelho Segundo o Espiritismo não
há sequer uma mensagem de um espírito oriental).
A grande verdade é que os
principais ensinos de Jesus são universais, calam na humanidade de todos
aqueles que buscam o necessário bem viver para si e para o próximo, o que para
o espírita significa evoluir pelo conhecimento e prática do amor. Nesse sentido
universal, também foi dito, que sempre houve na humanidade a presença de grandes
mestres, em todos os lugares, o que nos leva a crer que a ética defendida por
Jesus também foi passada às demais culturas por outros mestres, adaptadas às
suas características. Além disso, se no caso do cristianismo tivemos os
problemas criados pelas Igrejas, também em outros lugares aconteceu o mesmo.
Assim, e nisso o espiritismo
kardecista é emancipador, o kardecista, mesmo tendo com sua base sólida e como
fonte primária os ensinos de Jesus, poderá dialogar com qualquer outra matriz
religiosa e filosófica sem entraves, pois a busca nesses diálogos seria
procurar os pontos comuns que elevam o ser em direção a Deus, e por
consequência, à evolução espiritual, e sem a necessidade de instituições para
intermediar esses processos.
Fonte: Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE)
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