Bobo risonho, J. Cornelisz van Oostsanen (~1500). Fonte: Wikipédia.
Ademir Xavier
(...) Um espírito
mau antipatiza com quem quer que o possa julgar e desmascarar. Ao ver pela
primeira vez uma pessoa, logo sabe que vai ser censurado. Seu afastamento dessa
pessoa se transforma em ódio, em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o
mal. O bom Espírito sente repulsão pelo mal, por saber que este o não
compreenderá e porque díspares dos dele são os seus sentimentos. Entretanto,
consciente da sua superioridade, não alimenta o ódio, nem inveja contra o
outro. Limita-se a evitá-lo e a lastimá-lo. (O Livro dos Espíritos, resposta à questão 391)
A ciência espírita não só trata
do conhecimento das manifestações espíritas ou dos mecanismos entre o espírito
e o perispírito. Essa ciência, que ainda está em sua tenra infância, permite
compreender de forma racional um conjunto de influências tanto boas como más
que recebemos durante nossas vidas.
Essa compreensão se alicerça na
imagem nova que a revelação traz, principalmente, da verdadeira razão da
existência humana. É verdade que a moderna psicologia propõe procedimentos e
elabora recomendações sobre como devemos proceder psicologicamente em nossas
vidas. Porém, a revelação dos Espíritos nos traz ingredientes adicionais pelos
quais é possível absorver um pouco mais racionalmente essas recomendações. Há
obviamente racionalidade em todo tratamento psicológico: o de melhorar a vida e
restaurar a felicidade e a paz de espírito. Mas, todo e qualquer ensinamento
adicional que colabore com esse objetivo é bem-vindo. Não há maior ensinamento
sobre a vida do que conhecer sua razão de ser e objetivo final.
As causas das simpatias, mas
principalmente, antipatias que enfrentamos na vida estão bem descritas no Cap.
VII da 2ª Parte de O Livro dos Espíritos.
Ainda motivado pelas complexidades da "Volta do Espírito à Vida
Corporal" (O Capítulo VII), há uma seção inteira dedicada a "simpatia
e antipatia terrenas". É importante dizer que não há nada de inerentemente
ruim ou bom no fato de dois Espíritos sentirem, por exemplo, antipatia
recíproca. Isso está bem claro na resposta à Questão 390:
De não simpatizarem
um com o outro, não se segue que dois Espíritos sejam necessariamente maus. A antipatia,
entre eles, pode derivar da diversidade no modo de pensar. À proporção, porém,
que se forem elevando, essa divergência irá desaparecer e a antipatia deixará
de existir.
Como consequência dessa
independência, a antipatia não nasce primeiro naquele Espírito de natureza
inferior: "Numa e noutra
indiferentemente, mas distintas são as causas e os efeitos nas duas",
diz o início da questão 391, cuja segunda parte citamos no começo deste post.
Não obstante a antipatia ser recíproca, ela provoca em cada Espírito reações diferentes.
No inferior, ela amplifica
sentimentos já existentes de inveja, ódio e do "desejo de praticar o
mal". Disso segue que, embora o sentimento seja recíproco, a parte mais
inferior quase sempre toma a iniciativa da prática lamentável, da perseguição,
da injúria ou da maledicência, ações que, sem freio, são a causa de muitos
crimes que assistimos todos os dias nos noticiários.
“Não é porque ela é
tua mãe que tem obrigação de te amar" ou as antipatias na família.
Uma leitura desatenta da seção
que estudamos aqui pode levar a pensar que os Espíritos apenas se referiam a
antipatias 'fortuitas' que encontramos em nossas vidas, problemas entre amigos
ou nas relações profissionais. A mais difícil lição para os Espíritos
encarnados é a de serem obrigados a enfrentar antipatias dentro da própria
família. Pois, como consequência do ensino dos Espíritos, não há obrigações
inatas ou genéticas para que uma mãe, um pai ou filhos amem-se, caso sejam Espíritos antipáticos.
Muitos se escandalizam com essas
conclusões, mas o sentimento de revolta é, na verdade, consequência dos ditames
culturais e do que seria 'natural' encontrar, mas não da realidade oculta da
Vida Maior que se mostra nos casos particulares. De fato, as leis de afinidade
entre os Espíritos e as vidas pregressas explicam muitas das antipatias
observadas no seio das famílias. Muitos se perguntam por quê? A resposta aí
está. Tais espíritos podem ser antipáticos, mas
não necessariamente maus, repetimos.
Mas, não importa a cor, a
cultura, o laço de relação familiar ou a educação que adorne aquele que pratica
atos como racismo, bulling,
perseguições sistemáticas por motivos fúteis e outros. Serão sempre prova da natureza inferior da personalidade de seus Espíritos que estarão sujeitos à correção
no futuro. Por outro lado, muito melhores são os pais e filhos que, não
obstante antipatias entre si, seguem firmes os princípios de respeito e
justiça.
Também não é verdade que a
antipatia que sentimos por alguém próximo ou distante na família seja exclusivamente fundada em ações de vidas
anteriores. Muitas vezes isso é afirmado entre os espíritas, mas uma leitura
atenta da seção que estudamos aqui traz essa consequência lógica, que também
vale para as afinidades:
Dois Espíritos, que
se ligam bem, naturalmente se procuram um ao outro, sem que se tenham
conhecidos como homens. (Resposta à questão 387)
Reconhecida uma antipatia mútua,
é importante que cada um busque evitar qualquer contenda, criando uma atmosfera
de respeito mútuo. Ora, isso nasce mais naturalmente em quem tem o Espírito
mais desenvolvido. Reconhecida a antipatia, surge imediatamente a repulsa pela
situação, a ânsia pela fuga ou distanciamento do outro. Segundo os Espíritos,
isso é bastante natural, e a situação cai na classe das
"vicissitudes" da vida ‒ dos testes ou provas a que os Espíritos
estão sujeitos para melhor controlarem seus sentimentos.
Não há uma pergunta específica
em O Livro dos Espíritos sobre o que
acontece quando os dois Espíritos têm o mesmo grau de esclarecimento, mas são
antipáticos. Mas a resposta, obviamente, é uma consequência lógica dos
princípios enunciados. Também, de acordo
com a resposta à Questão 390, Espíritos verdadeiramente superiores não mantêm
antipatias, pois não mais estão sob influência das paixões inferiores. Assim, à medida que se elevam, a
"antipatia deixará de existir". Isso não implica que, em missões na
Terra, não sofram eles também antipatias. De fato, isso é o que mais ocorre,
pois são muito diferentes do meio que encontram.
Antipatias entre os
não esclarecidos
Resta, porém, o dificílimo
problema de como lidar com a antipatia que nasce entre Espíritos de natureza inferior. Desde que a razão não intervenha e
induza a ambos reconhecer que o melhor para os dois é manterem a devida distância,
a relação quase sempre evolui em espiral descendente de sentimentos, da prática
abusiva de perseguições sem justificativas, que podem acabar em crimes, alguns
até hediondos. Incapazes de compreender a origem da antipatia, procedem
instigando-se uns aos outros. Adquirem assim débitos que somente poderão ser
quitados em futuras existências ‒ quase sempre em situações ainda mais
difíceis. Muitos dos que estão no entorno desses Espíritos sofrem
consideravelmente, quando não acabam se transformando em verdadeiros grupos antagônicos e inimigos
declarados.
Incapazes de compreender a
origem da antipatia que sempre permanece oculta ‒ seja por uma falta de
afinidade natural ou por reconhecimento mútuo com causas no passado, a escalada
do mal que alimenta as antipatias entre os Espíritos somente pode ser
contrabalançada pelo perdão das ofensas. Essa é a mais difícil lição a que os
Espíritos libertos do mal em si próprios estão sujeitos: o de perdoarem os
erros e as falhas daqueles que se apresentam como inimigos.
É possível imaginar que, até que
tenham atingido estágio de discernimento, continuam a lutar entre si. No
cadinho dos sentimentos levianos, tornam-se afins por interesses pessoais.
Incapazes de perdoar, fustigam seus rivais. Colhem, por tempo indeterminado,
decepções e sofrimentos, gozando de forma muito momentânea da felicidade fugaz
que alimenta ainda mais os sentimentos do momento. Não há ponto de retorno
aqui, até que o sofrimento resultante disso corroa todo o ânimo de praticar o
mal e faça nascer na alma uma luz. O arrependimento precede ao perdão, porque a
duras penas o Espírito passa a entender que ele não será feliz no velho modo de
agir. O mundo para o Espírito assim
regenerado se torna um grande campo de regeneração. Aqui e ali, entretanto, ainda
encontrará suas antipatias, das quais, agora redimido, tentará fugir.
Isso assim será até que,
completamente refeito em sua estrutura psicológica, o Espírito se torne tão
sólido moralmente que nada abale seu ânimo. Haverá então conquistado a
verdadeira salvação.
Tal como os Espíritos, as
sociedades também evoluem ao reconhecerem a origem do mal e ao procurarem
rejeitá-lo sistematicamente. Mas esse é um assunto para um futuro post.
Nenhum comentário:
Postar um comentário