Allan Kardec
Sem dúvida nossos leitores se
lembram do caso de cura quase instantânea de uma entorse operada pelo Espírito
Dr. Demeure, poucos dias depois de sua morte e que relatamos na Revista do mês
de março último, bem como a descrição da cena tocante ocorrida naquela ocasião.
Esse bondoso Espírito acaba de revelar sua boa vontade por uma cura ainda mais
maravilhosa, na mesma pessoa.
Eis o que nos escreveram de
Montauban, em 14 de julho de 1865:
O Espírito Dr.
Demeure acaba de nos dar uma nova prova de sua solicitude e de seu profundo
saber. Eis em que ocasião:
Na manhã de 26 de maio último, a Sra. Maurel, nossa médium
vidente e escrevente mecânico, sofreu uma queda desastrosa e quebrou o
antebraço, um pouco abaixo do cotovelo.
Essa fratura, complicada por distensões no punho e no cotovelo,
estava bem caracterizada pela crepitação dos ossos e inchação, que são os
sinais mais certos.
Sob a impressão da primeira emoção produzida pelo acontecimento,
os pais da Sra. Maurel iam procurar o primeiro médico que surgisse quando esta,
retendo-os, tomou de um lápis e escreveu mediunicamente com a mão esquerda:
“Não procureis um médico; eu me encarrego disto. Demeure.” Então esperaram com confiança.
Conforme as indicações do Espírito, pequenas faixas e um
aparelho foram imediatamente confeccionados e colocados.
Em seguida foi feita uma magnetização espiritual praticada
pelos Espíritos bons, que ordenaram um repouso temporário.
Na noite do mesmo dia, alguns adeptos, convocados pelos
Espíritos, se reuniram em casa da Sra. Maurel que, adormecida por um médium
magnetizador, não demorou a entrar em estado sonambúlico. Então o Dr. Demeure
continuou o tratamento que havia iniciado pela manhã, agindo mecanicamente sobre
o braço fraturado. Sem outro recurso aparente senão sua mão esquerda, nossa
doente logo já tinha tirado o primeiro aparelho, deixando apenas as faixas,
quando se viu insensivelmente e sob a influência da atração magnética
espiritual, o membro tomar diversas posições, próprias para facilitar a redução
da fratura.
Parecia, então, ser objeto de toques inteligentes,
sobretudo no ponto onde devia efetuar-se a soldadura dos ossos; depois se alongava,
sob a ação de trações longitudinais.
Após alguns instantes dessa magnetização espiritual, a Sra.
Maurel procedeu sozinha à consolidação das faixas e a uma nova aplicação do
aparelho, que consistia em duas tabuinhas ligadas entre si e ao braço por meio
de uma correia. Tudo, pois, se passara como se hábil cirurgião tivesse, ele
mesmo, operado visivelmente; e, coisa curiosa, ouvia-se durante o trabalho
essas palavras que, sob a opressão da dor, escapavam da boca da paciente: “Não
aperteis tanto!... Vós me maltratais!...” Ela via o Espírito do doutor e era a ele
que se dirigia, suplicando ter cuidado com a sua sensibilidade.
Era, pois, um ser invisível para todos, exceto para ela,
que lhe fazia apertar o braço, servindo-se inconscientemente de sua própria mão
esquerda.
Qual era o papel do médium magnetizador durante esse trabalho?
Aos nossos olhos parecia inativo; com a mão direita, apoiada no ombro da
sonâmbula, contribuía com sua parte para o fenômeno, pela emissão dos fluidos
necessários à sua realização.
Na noite de 27 para 28, tendo a Sra. Maurel desarranjado
seu braço em consequência de uma posição falsa, tomada durante o sono,
manifestou-se uma febre alta, pela primeira vez. Era urgente remediar esse
estado de coisas. Assim, reuniram-se novamente no dia 28 e, uma vez declarado o
sonambulismo, foi formada a cadeia magnética, a pedido dos Espíritos bons.
Depois de vários passes e diversas manipulações, em tudo semelhantes aos descritos
acima, o braço foi recolocado em bom estado, não sem ter a pobre senhora
experimentado cruéis sofrimentos. A despeito do novo acidente, o membro já se
ressentia do efeito salutar produzido pelas magnetizações anteriores; aliás, o
que se segue o prova. Momentaneamente desembaraçado das tabuinhas, o antebraço
repousava sobre almofadas, quando, de repente, levantou-se alguns centímetros
em posição horizontal, dirigindo-se suavemente da esquerda para a direita e
vice-versa; depois baixou obliquamente e foi submetido a uma nova tração. A
seguir os Espíritos se puseram a girá-lo em todos os sentidos, fazendo, de vez
em quando, trabalhar direito as articulações do cotovelo e do punho. Tais
movimentos automáticos imprimidos a um braço fraturado, inerte, contrários a
todas as leis conhecidas da gravidade e da mecânica, só podiam ser atribuídas à
ação fluídica. Se não se tivesse certeza da existência dessa fratura, bem como
dos gritos lancinantes dessa infeliz mulher, confesso que eu teria tido muita dificuldade
em admitir o fato, um dos mais curiosos que a Ciência pode registrar. Assim,
posso dizer, com toda sinceridade, que me sinto feliz por ter podido
testemunhar semelhante fenômeno.
Nos dias 29, 30 e 31 seguintes as magnetizações espirituais
sucessivas, acompanhadas de manipulações variadas de mil maneiras, acarretaram
sensível melhora no estado geral de nossa doente; diariamente o braço adquiria
novas forças. Sobretudo o dia 31 deve ser assinalado, como marcando o primeiro
passo para a convalescença. Naquela noite dois Espíritos, que se faziam notar pelo
brilho de sua irradiação, assistiam nosso amigo Demeure.
Pareciam dar-lhe conselhos, que este se apressava em pôr
em prática. Um deles, até, de vez em quando se punha à obra e, por sua doce
influência, produzia sempre um alívio instantâneo. Pelo fim da noite as
tabuinhas foram definitivamente abandonadas, restando apenas as faixas para
sustentar o braço e mantê-lo em determinada posição. Devo acrescentar que, além
disso, um aparelho de suspensão vinha aumentar a solidez das ataduras. Assim,
no sexto dia após o acidente, e malgrado a lamentável recaída acidental do dia
27, a fratura estava em tal via de cura, que o emprego dos meios usados pelos
médicos durante trinta ou quarenta dias tinha se tornado inútil. A 4 de junho,
dia fixado pelos Espíritos bons para a redução definitiva dessa fratura
complicada por distensões, reunimo-nos à noite. Mal entrara em sonambulismo, a
Sra. Maurel começou a desenrolar as faixas que envolviam seu braço, imprimindo-lhe
um movimento de rotação tão rápido que dificilmente o olho seguia os contornos
da curva descrita. A partir desse momento passou a servir-se do braço, como
habitualmente.
Estava curada.
No fim da sessão houve uma cena tocante, que merece ser
relatada. Os Espíritos bons, em número de trinta, no começo formavam uma cadeia
magnética paralela à que nós próprios formávamos. Tendo a Sra. Maurel se
colocado, pela mão direita, em comunicação direta, sucessivamente, com cada
dois Espíritos, recebia a ação benfazeja de uma dupla corrente fluídica
energética, já que se punha no interior das duas cadeias. Radiosa de satisfação
aproveitava a ocasião para agradecer efusivamente ao poderoso concurso que
tinham prestado à sua cura. Por sua vez, recebia encorajamento para perseverar
no bem. Terminado isto, ela experimentou suas forças de mil modos; apresentando
o braço aos assistentes, fazia-os tocar nas cicatrizes da soldadura dos ossos; apertava-lhes
a mão com força, anunciando-lhes com alegria a cura operada pelos Espíritos
bons. Ao despertar, vendo-se livre em todos os movimentos, desfaleceu dominada
por profunda emoção!...
Quando se foi testemunha de tais fatos não se pode deixar
de os proclamar em voz alta, pois merecem chamar a atenção das pessoas sérias.
Por que, então, no mundo inteligente se encontra tanta resistência
em admitir a intervenção dos Espíritos sobre a matéria? Por que há pessoas que creem
na existência e na individualidade do Espírito, e lhes recusam a possibilidade
de manifestar-se? É porque não se dão conta das faculdades físicas do Espírito, que se lhes afigura imaterial de maneira
absoluta. Ao contrário, a experiência demonstra que, por sua própria natureza,
ele age diretamente sobre os fluidos imponderáveis e, por conseguinte, sobre os
fluidos ponderáveis, e mesmo sobre os corpos tangíveis.
Como procede um magnetizador ordinário?
Suponhamos, por exemplo, que queira agir sobre um braço.
Concentra sua ação sobre esse membro e, por um simples movimento
dos dedos, executado a distância e em todos os sentidos, agindo absolutamente
como se o contato da mão fosse real, dirige uma corrente fluídica sobre o ponto
visado. O Espírito não age de outro modo; sua ação fluídica se transmite de
perispírito a perispírito, e deste ao corpo material. O estado de sonambulismo facilita
consideravelmente essa ação, graças ao desprendimento do perispírito, que
melhor se identifica com a natureza fluídica do Espírito, e sofre, então, a
influência magnética espiritual, elevada ao seu maior poder.
A cidade inteira ocupou-se desta cura, obtida sem o concurso
da ciência oficial, e cada um dá a sua opinião. Uns pretenderam que o braço não
se quebrou; mas a fratura tinha sido bem e devidamente constatada por numerosas
testemunhas oculares, entre outras o Dr. D..., que visitou a doente durante o tratamento.
Outros disseram: “É muito surpreendente!” e ficaram nisto. Inútil acrescentar
que alguns afirmaram que a Sra. Maurel tinha sido curada pelo demônio. Se ela
não estivesse entre mãos profanas, nisso teriam visto um milagre. Para os
espíritas, que se dão conta do fenômeno, aí veem muito simplesmente a ação de uma
força natural, até agora desconhecida, e que o Espiritismo veio revelar aos
homens.
Observações – Se há fatos espíritas que, até certo ponto, poderiam
ser atribuídos à imaginação, como o das visões, por exemplo, neste já não seria
o mesmo. A Sra. Maurel não sonhou que tivesse quebrado o braço, como também não
sonharam as diversas pessoas que acompanharam o tratamento; as dores que sentia
não era alucinação; sua cura em oito dias não é uma ilusão, pois se serve do
seu braço. O fato brutal está aí, ante o qual devemos necessariamente nos
inclinar. Confunde a Ciência, é verdade, porque, no estado atual dos
conhecimentos, parece impossível. Mas não foi sempre assim que se revelaram
novas leis?
É a rapidez da cura que vos espanta? A Medicina, contudo,
não descobriu inúmeros agentes mais ativos do que os que conhecia para apressar
certas curas? Nos últimos tempos não achou os meios de cicatrizar certas
feridas quase instantaneamente? Não encontrou o de ativar a vegetação e a
frutificação? Por que não teria um para ativar a soldadura dos ossos? Então
conheceis todos os agentes da Natureza e Deus não tem mais segredos para vós?
Não há mais lógica em negar hoje a possibilidade de uma cura rápida do que
havia, no século passado, de negar a possibilidade de fazer em algumas horas o
caminho que se gastavam dez dias para percorrer.
Direis que este meio não está na farmacopeia, e é verdade;
mas antes que a vacina nele fosse inscrita, seu inventor não foi tratado como
louco? Os remédios homeopáticos também lá não se acham, o que não impede que os
médicos homeopatas se encontrem em toda parte e curem. Aliás, como aqui não se
trata de uma preparação farmacêutica, é mais que provável que esse meio de cura
não figure por muito tempo na ciência oficial.
Mas, dirão, se os médicos vêm exercer sua arte depois de
mortos, vão fazer concorrência aos médicos vivos; é bem possível; entretanto,
que se tranquilizem estes últimos; se eles lhes arrancam algumas práticas, não
é para os suplantar, mas para lhes provar que não estão absolutamente mortos, e
lhes oferecer o concurso desinteressado aos que se dignarem em aceitá-lo. Para melhor
fazê-los compreender, mostram-lhes que, em certas circunstâncias, pode-se
passar sem eles. Sempre houve médicos e os haverá sempre; apenas os que
aproveitarem as novidades que lhes trouxerem os desencarnados terão uma grande
vantagem sobre os que ficarem na retaguarda. Os Espíritos vêm ajudar o desenvolvimento da ciência humana,
e não suprimi-la.
Na cura da Sra. Maurel, um fato que talvez surpreenda ainda
mais que a rapidez da soldadura dos ossos, é o movimento do braço fraturado,
que parece contrariar todas as leis conhecidas da dinâmica e da gravidade.
Contrário ou não, o fato aí está; desde que existe, tem uma causa; desde que se
repete, está submetido a uma lei. Ora, é essa lei que o Espiritismo nos vem dar
a conhecer pelas propriedades dos fluidos perispirituais. Aquele braço,
submetido apenas às leis da gravidade, não poderia erguer-se; imaginai-o, porém,
mergulhado num líquido de densidade muito maior que a do ar; fraturado como
está, sustentado por esse líquido que lhe diminui o peso, aí poderá mover-se
sem dificuldade e até erguer-se sem o menor esforço. É assim que num banho de
imersão, o braço, que parece muito pesado fora d’água, parece muito leve dentro
dela. Substituí o líquido por um fluido que goze das mesmas propriedades e
tereis o que se passa no caso presente, fenômeno que repousa sobre o mesmo
princípio que o das mesas e das pessoas que se mantêm no espaço sem ponto de apoio.
Esse fluido é o fluido perispiritual, que o Espírito dirige à vontade, e cujas propriedades
modifica pela simples ação da vontade. Na circunstância presente, deve-se,
pois, imaginar o braço da Sra. Maurel mergulhado num meio fluídico que produz o
efeito do ar sobre os balões.
A respeito, alguém perguntava se, na cura dessa fratura, o
Espírito Dr. Demeure teria agido com ou sem o concurso da eletricidade e do
calor.
A isto respondemos que a cura foi produzida, neste como em
todos os casos de cura, pela magnetização espiritual, pela ação do fluido
emanado do Espírito; que esse fluido, não obstante etéreo, não deixa de ser
matéria; que pela corrente que lhe imprime, o Espírito pode com ele impregnar e
saturar todas as moléculas da parte doente; que pode modificar suas
propriedades, como o magnetizador modifica as da água e lhe dá uma virtude
curativa apropriada às necessidades; que a energia da corrente está na razão do
número, da qualidade e da homogeneidade dos elementos que compõem
a corrente das pessoas chamadas a fornecer seu contingente fluídico. Essa
corrente provavelmente ativa a secreção que deve produzir a soldadura dos
ossos, assim produzindo uma cura mais rápida do que quando entregue a si mesma.
Agora a eletricidade e o calor desempenham um papel nesse
fenômeno? Isto é tanto mais provável quanto o Espírito não curou por milagre, mas por uma aplicação mais judiciosa das
leis da Natureza, em virtude de sua clarividência. Se, como a Ciência é levada
a admitir, a eletricidade e o calor não são fluidos especiais, mas modificações
ou propriedades de um fluido elementar universal, devem fazer parte dos
elementos constitutivos do fluido perispiritual. Sua ação, no caso presente,
está, pois, implicitamente compreendida, absolutamente como quando se bebe
vinho, necessariamente se bebe água e álcool.
Nenhum comentário:
Postar um comentário