terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

CURA DE UMA FRATURA PELA MAGNETIZAÇÃO ESPIRITUAL[1]



Allan Kardec

Sem dúvida nossos leitores se lembram do caso de cura quase instantânea de uma entorse operada pelo Espírito Dr. Demeure, poucos dias depois de sua morte e que relatamos na Revista do mês de março último, bem como a descrição da cena tocante ocorrida naquela ocasião. Esse bondoso Espírito acaba de revelar sua boa vontade por uma cura ainda mais maravilhosa, na mesma pessoa.
Eis o que nos escreveram de Montauban, em 14 de julho de 1865:
O Espírito Dr. Demeure acaba de nos dar uma nova prova de sua solicitude e de seu profundo saber. Eis em que ocasião:
Na manhã de 26 de maio último, a Sra. Maurel, nossa médium vidente e escrevente mecânico, sofreu uma queda desastrosa e quebrou o antebraço, um pouco abaixo do cotovelo.
Essa fratura, complicada por distensões no punho e no cotovelo, estava bem caracterizada pela crepitação dos ossos e inchação, que são os sinais mais certos.
Sob a impressão da primeira emoção produzida pelo acontecimento, os pais da Sra. Maurel iam procurar o primeiro médico que surgisse quando esta, retendo-os, tomou de um lápis e escreveu mediunicamente com a mão esquerda: “Não procureis um médico; eu me encarrego disto. Demeure.” Então esperaram com confiança.
Conforme as indicações do Espírito, pequenas faixas e um aparelho foram imediatamente confeccionados e colocados.
Em seguida foi feita uma magnetização espiritual praticada pelos Espíritos bons, que ordenaram um repouso temporário.
Na noite do mesmo dia, alguns adeptos, convocados pelos Espíritos, se reuniram em casa da Sra. Maurel que, adormecida por um médium magnetizador, não demorou a entrar em estado sonambúlico. Então o Dr. Demeure continuou o tratamento que havia iniciado pela manhã, agindo mecanicamente sobre o braço fraturado. Sem outro recurso aparente senão sua mão esquerda, nossa doente logo já tinha tirado o primeiro aparelho, deixando apenas as faixas, quando se viu insensivelmente e sob a influência da atração magnética espiritual, o membro tomar diversas posições, próprias para facilitar a redução da fratura.
Parecia, então, ser objeto de toques inteligentes, sobretudo no ponto onde devia efetuar-se a soldadura dos ossos; depois se alongava, sob a ação de trações longitudinais.
Após alguns instantes dessa magnetização espiritual, a Sra. Maurel procedeu sozinha à consolidação das faixas e a uma nova aplicação do aparelho, que consistia em duas tabuinhas ligadas entre si e ao braço por meio de uma correia. Tudo, pois, se passara como se hábil cirurgião tivesse, ele mesmo, operado visivelmente; e, coisa curiosa, ouvia-se durante o trabalho essas palavras que, sob a opressão da dor, escapavam da boca da paciente: “Não aperteis tanto!... Vós me maltratais!...” Ela via o Espírito do doutor e era a ele que se dirigia, suplicando ter cuidado com a sua sensibilidade.
Era, pois, um ser invisível para todos, exceto para ela, que lhe fazia apertar o braço, servindo-se inconscientemente de sua própria mão esquerda.
Qual era o papel do médium magnetizador durante esse trabalho? Aos nossos olhos parecia inativo; com a mão direita, apoiada no ombro da sonâmbula, contribuía com sua parte para o fenômeno, pela emissão dos fluidos necessários à sua realização.
Na noite de 27 para 28, tendo a Sra. Maurel desarranjado seu braço em consequência de uma posição falsa, tomada durante o sono, manifestou-se uma febre alta, pela primeira vez. Era urgente remediar esse estado de coisas. Assim, reuniram-se novamente no dia 28 e, uma vez declarado o sonambulismo, foi formada a cadeia magnética, a pedido dos Espíritos bons. Depois de vários passes e diversas manipulações, em tudo semelhantes aos descritos acima, o braço foi recolocado em bom estado, não sem ter a pobre senhora experimentado cruéis sofrimentos. A despeito do novo acidente, o membro já se ressentia do efeito salutar produzido pelas magnetizações anteriores; aliás, o que se segue o prova. Momentaneamente desembaraçado das tabuinhas, o antebraço repousava sobre almofadas, quando, de repente, levantou-se alguns centímetros em posição horizontal, dirigindo-se suavemente da esquerda para a direita e vice-versa; depois baixou obliquamente e foi submetido a uma nova tração. A seguir os Espíritos se puseram a girá-lo em todos os sentidos, fazendo, de vez em quando, trabalhar direito as articulações do cotovelo e do punho. Tais movimentos automáticos imprimidos a um braço fraturado, inerte, contrários a todas as leis conhecidas da gravidade e da mecânica, só podiam ser atribuídas à ação fluídica. Se não se tivesse certeza da existência dessa fratura, bem como dos gritos lancinantes dessa infeliz mulher, confesso que eu teria tido muita dificuldade em admitir o fato, um dos mais curiosos que a Ciência pode registrar. Assim, posso dizer, com toda sinceridade, que me sinto feliz por ter podido testemunhar semelhante fenômeno.
Nos dias 29, 30 e 31 seguintes as magnetizações espirituais sucessivas, acompanhadas de manipulações variadas de mil maneiras, acarretaram sensível melhora no estado geral de nossa doente; diariamente o braço adquiria novas forças. Sobretudo o dia 31 deve ser assinalado, como marcando o primeiro passo para a convalescença. Naquela noite dois Espíritos, que se faziam notar pelo brilho de sua irradiação, assistiam nosso amigo Demeure.
Pareciam dar-lhe conselhos, que este se apressava em pôr em prática. Um deles, até, de vez em quando se punha à obra e, por sua doce influência, produzia sempre um alívio instantâneo. Pelo fim da noite as tabuinhas foram definitivamente abandonadas, restando apenas as faixas para sustentar o braço e mantê-lo em determinada posição. Devo acrescentar que, além disso, um aparelho de suspensão vinha aumentar a solidez das ataduras. Assim, no sexto dia após o acidente, e malgrado a lamentável recaída acidental do dia 27, a fratura estava em tal via de cura, que o emprego dos meios usados pelos médicos durante trinta ou quarenta dias tinha se tornado inútil. A 4 de junho, dia fixado pelos Espíritos bons para a redução definitiva dessa fratura complicada por distensões, reunimo-nos à noite. Mal entrara em sonambulismo, a Sra. Maurel começou a desenrolar as faixas que envolviam seu braço, imprimindo-lhe um movimento de rotação tão rápido que dificilmente o olho seguia os contornos da curva descrita. A partir desse momento passou a servir-se do braço, como habitualmente.
Estava curada.
No fim da sessão houve uma cena tocante, que merece ser relatada. Os Espíritos bons, em número de trinta, no começo formavam uma cadeia magnética paralela à que nós próprios formávamos. Tendo a Sra. Maurel se colocado, pela mão direita, em comunicação direta, sucessivamente, com cada dois Espíritos, recebia a ação benfazeja de uma dupla corrente fluídica energética, já que se punha no interior das duas cadeias. Radiosa de satisfação aproveitava a ocasião para agradecer efusivamente ao poderoso concurso que tinham prestado à sua cura. Por sua vez, recebia encorajamento para perseverar no bem. Terminado isto, ela experimentou suas forças de mil modos; apresentando o braço aos assistentes, fazia-os tocar nas cicatrizes da soldadura dos ossos; apertava-lhes a mão com força, anunciando-lhes com alegria a cura operada pelos Espíritos bons. Ao despertar, vendo-se livre em todos os movimentos, desfaleceu dominada por profunda emoção!...
Quando se foi testemunha de tais fatos não se pode deixar de os proclamar em voz alta, pois merecem chamar a atenção das pessoas sérias.
Por que, então, no mundo inteligente se encontra tanta resistência em admitir a intervenção dos Espíritos sobre a matéria? Por que há pessoas que creem na existência e na individualidade do Espírito, e lhes recusam a possibilidade de manifestar-se? É porque não se dão conta das faculdades físicas do Espírito, que se lhes afigura imaterial de maneira absoluta. Ao contrário, a experiência demonstra que, por sua própria natureza, ele age diretamente sobre os fluidos imponderáveis e, por conseguinte, sobre os fluidos ponderáveis, e mesmo sobre os corpos tangíveis.
Como procede um magnetizador ordinário?
Suponhamos, por exemplo, que queira agir sobre um braço.
Concentra sua ação sobre esse membro e, por um simples movimento dos dedos, executado a distância e em todos os sentidos, agindo absolutamente como se o contato da mão fosse real, dirige uma corrente fluídica sobre o ponto visado. O Espírito não age de outro modo; sua ação fluídica se transmite de perispírito a perispírito, e deste ao corpo material. O estado de sonambulismo facilita consideravelmente essa ação, graças ao desprendimento do perispírito, que melhor se identifica com a natureza fluídica do Espírito, e sofre, então, a influência magnética espiritual, elevada ao seu maior poder.
A cidade inteira ocupou-se desta cura, obtida sem o concurso da ciência oficial, e cada um dá a sua opinião. Uns pretenderam que o braço não se quebrou; mas a fratura tinha sido bem e devidamente constatada por numerosas testemunhas oculares, entre outras o Dr. D..., que visitou a doente durante o tratamento. Outros disseram: “É muito surpreendente!” e ficaram nisto. Inútil acrescentar que alguns afirmaram que a Sra. Maurel tinha sido curada pelo demônio. Se ela não estivesse entre mãos profanas, nisso teriam visto um milagre. Para os espíritas, que se dão conta do fenômeno, aí veem muito simplesmente a ação de uma força natural, até agora desconhecida, e que o Espiritismo veio revelar aos homens.

Observações – Se há fatos espíritas que, até certo ponto, poderiam ser atribuídos à imaginação, como o das visões, por exemplo, neste já não seria o mesmo. A Sra. Maurel não sonhou que tivesse quebrado o braço, como também não sonharam as diversas pessoas que acompanharam o tratamento; as dores que sentia não era alucinação; sua cura em oito dias não é uma ilusão, pois se serve do seu braço. O fato brutal está aí, ante o qual devemos necessariamente nos inclinar. Confunde a Ciência, é verdade, porque, no estado atual dos conhecimentos, parece impossível. Mas não foi sempre assim que se revelaram novas leis?
É a rapidez da cura que vos espanta? A Medicina, contudo, não descobriu inúmeros agentes mais ativos do que os que conhecia para apressar certas curas? Nos últimos tempos não achou os meios de cicatrizar certas feridas quase instantaneamente? Não encontrou o de ativar a vegetação e a frutificação? Por que não teria um para ativar a soldadura dos ossos? Então conheceis todos os agentes da Natureza e Deus não tem mais segredos para vós? Não há mais lógica em negar hoje a possibilidade de uma cura rápida do que havia, no século passado, de negar a possibilidade de fazer em algumas horas o caminho que se gastavam dez dias para percorrer.
Direis que este meio não está na farmacopeia, e é verdade; mas antes que a vacina nele fosse inscrita, seu inventor não foi tratado como louco? Os remédios homeopáticos também lá não se acham, o que não impede que os médicos homeopatas se encontrem em toda parte e curem. Aliás, como aqui não se trata de uma preparação farmacêutica, é mais que provável que esse meio de cura não figure por muito tempo na ciência oficial.
Mas, dirão, se os médicos vêm exercer sua arte depois de mortos, vão fazer concorrência aos médicos vivos; é bem possível; entretanto, que se tranquilizem estes últimos; se eles lhes arrancam algumas práticas, não é para os suplantar, mas para lhes provar que não estão absolutamente mortos, e lhes oferecer o concurso desinteressado aos que se dignarem em aceitá-lo. Para melhor fazê-los compreender, mostram-lhes que, em certas circunstâncias, pode-se passar sem eles. Sempre houve médicos e os haverá sempre; apenas os que aproveitarem as novidades que lhes trouxerem os desencarnados terão uma grande vantagem sobre os que ficarem na retaguarda. Os Espíritos vêm ajudar o desenvolvimento da ciência humana, e não suprimi-la.
Na cura da Sra. Maurel, um fato que talvez surpreenda ainda mais que a rapidez da soldadura dos ossos, é o movimento do braço fraturado, que parece contrariar todas as leis conhecidas da dinâmica e da gravidade. Contrário ou não, o fato aí está; desde que existe, tem uma causa; desde que se repete, está submetido a uma lei. Ora, é essa lei que o Espiritismo nos vem dar a conhecer pelas propriedades dos fluidos perispirituais. Aquele braço, submetido apenas às leis da gravidade, não poderia erguer-se; imaginai-o, porém, mergulhado num líquido de densidade muito maior que a do ar; fraturado como está, sustentado por esse líquido que lhe diminui o peso, aí poderá mover-se sem dificuldade e até erguer-se sem o menor esforço. É assim que num banho de imersão, o braço, que parece muito pesado fora d’água, parece muito leve dentro dela. Substituí o líquido por um fluido que goze das mesmas propriedades e tereis o que se passa no caso presente, fenômeno que repousa sobre o mesmo princípio que o das mesas e das pessoas que se mantêm no espaço sem ponto de apoio. Esse fluido é o fluido perispiritual, que o Espírito dirige à vontade, e cujas propriedades modifica pela simples ação da vontade. Na circunstância presente, deve-se, pois, imaginar o braço da Sra. Maurel mergulhado num meio fluídico que produz o efeito do ar sobre os balões.
A respeito, alguém perguntava se, na cura dessa fratura, o Espírito Dr. Demeure teria agido com ou sem o concurso da eletricidade e do calor.
A isto respondemos que a cura foi produzida, neste como em todos os casos de cura, pela magnetização espiritual, pela ação do fluido emanado do Espírito; que esse fluido, não obstante etéreo, não deixa de ser matéria; que pela corrente que lhe imprime, o Espírito pode com ele impregnar e saturar todas as moléculas da parte doente; que pode modificar suas propriedades, como o magnetizador modifica as da água e lhe dá uma virtude curativa apropriada às necessidades; que a energia da corrente está na razão do número, da qualidade e da homogeneidade dos elementos que compõem a corrente das pessoas chamadas a fornecer seu contingente fluídico. Essa corrente provavelmente ativa a secreção que deve produzir a soldadura dos ossos, assim produzindo uma cura mais rápida do que quando entregue a si mesma.
Agora a eletricidade e o calor desempenham um papel nesse fenômeno? Isto é tanto mais provável quanto o Espírito não curou por milagre, mas por uma aplicação mais judiciosa das leis da Natureza, em virtude de sua clarividência. Se, como a Ciência é levada a admitir, a eletricidade e o calor não são fluidos especiais, mas modificações ou propriedades de um fluido elementar universal, devem fazer parte dos elementos constitutivos do fluido perispiritual. Sua ação, no caso presente, está, pois, implicitamente compreendida, absolutamente como quando se bebe vinho, necessariamente se bebe água e álcool.



[1] Revista Espírita – Setembro/1865 – Allan Kardec

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