Allan Kardec
Muitas vezes vemos
Espíritos de natureza má cederem muito prontamente sob a influência da
moralização e se melhorarem. Podemos agir do mesmo modo sobre os encarnados,
mais com muito mais trabalho.
Por que a educação
moral dos Espíritos desencarnados é mais fácil que a dos encarnados?
Esta pergunta foi motivada pelo
seguinte fato. Um rapaz, cego há doze anos, tinha sido recolhido por um
espírita devotado, empenhado em curá-lo pelo magnetismo, pois os Espíritos
haviam dito que a cura era possível. Mas o rapaz, em vez de se mostrar
reconhecido pela bondade de que era objeto, e sem a qual teria ficado sem asilo
e sem pão, só teve ingratidão e mau procedimento, dando provas do pior caráter.
Consultado a respeito, respondeu
o Espírito São Luís:
Como muitos outros,
esse jovem é punido por onde pecou e suporta a pena de sua má conduta. Sua
enfermidade não é incurável, e uma magnetização espiritual, praticada com zelo,
devotamento e perseverança, certamente teria êxito, auxiliada por um tratamento
médico destinado a corrigir seu sangue viciado. Já haveria uma sensível melhora
em sua visão, que ainda não está completamente extinta, se os maus fluidos de
que está cercado e saturado não opusessem um obstáculo à penetração dos bons fluidos
que, de certo modo, são repelidos. No estado em que se encontra, a ação
magnética será impotente, enquanto não se desembaraçar, por sua vontade e sua
melhoria, desses fluidos perniciosos.
É, pois, uma cura moral
que se deve obter, antes de buscar a cura física. Só um retorno sério sobre si
mesmo poderá tornar eficazes os cuidados de seu magnetizador, que os Espíritos bons
se desvelarão em secundar. Caso contrário, deve-se esperar que perca o pouco de
luz que lhe resta e que sofra novas e mais terríveis provações.
Agi, pois, sobre ele
como fazeis com os Espíritos maus desencarnados, que quereis reconduzir ao bem.
Ele não está sob a ação de uma obsessão: é sua natureza que é má e, além disso,
perverteu-se no meio onde viveu. Os Espíritos maus que o assediam só são
atraídos pela similitude existente entre eles; à medida que se melhorar, eles
se afastarão. Só então a ação magnética terá toda a sua eficácia. Dai-lhe
conselhos; explicai-lhe sua posição; que várias pessoas sinceras se unam em
pensamento para orar, a fim de atrair para ele influências salutares. Se as aproveitar,
não tardará a lhes experimentar os bons efeitos, pois será recompensado por um
mais sensível na sua posição.
Esta instrução nos revela um
fato importante, o do obstáculo oposto pelo estado moral, em certos casos, à
cura dos males físicos. A explicação acima é de uma lógica incontestável, mas
não poderia ser compreendida pelos que só veem em toda parte a ação exclusiva
da matéria. No caso em tela, a cura moral do paciente encontrou sérias
dificuldades; foi o que motivou a pergunta acima, proposta na Sociedade
Espírita de Paris.
Foram obtidas seis respostas,
todas concordando perfeitamente entre si. Citaremos apenas duas, para evitar repetições
inúteis. Escolhemos aquelas em que a questão é tratada com mais
desenvolvimento.
I
Como o Espírito desencarnado vê
manifestamente o que se passa e os exemplos terríveis da vida, compreende com tanto
mais rapidez o que o estimula a crer ou a fazer. Esta a razão por que não é
raro vermos Espíritos desencarnados dissertarem sabiamente sobre questões que,
em vida, estavam longe de os comover.
A adversidade amadurece o
pensamento. Esta expressão é verdadeira, sobretudo para os Espíritos
desencarnados, que veem de perto as consequências de sua vida passada.
A negligência e o preconceito,
ao contrário, triunfam nos Espíritos encarnados; as seduções da vida e, mesmo,
os seus desenganos, dão-lhes uma misantropia[2]
ou uma completa indiferença pelos homens e pelas coisas divinas. A carne lhes
faz esquecer o Espírito; uns, essencialmente honestos, fazem o bem evitando o
mal, por amor do bem, mas a vida de sua alma é quase nula; outros, ao
contrário, consideram a vida como uma comédia e esquecem seu papel de homens;
outros, enfim, completamente embrutecidos e no último degrau da espécie humana,
nada vendo além, não pressentindo mesmo nada, entregam-se, como animais, aos
crimes bárbaros e esquecem sua origem.
Assim, uns e outros, pela
própria vida, são arrastados, ao passo que os Espíritos desencarnados veem,
escutam e se arrependem com mais boa vontade.
Lamennais (Médium: Sr. A.
Didier)
II
Quantos problemas e questões a
resolver antes que seja realizada a transformação humanitária conforme as ideias
espíritas!
A da educação dos Espíritos
encarnados, do ponto de vista moral, está neste número. Os desencarnados estão
desembaraçados dos laços da carne e não mais lhe sofrem as condições
inferiores, ao passo que os homens, acorrentados numa matéria imperiosa do ponto
de vista pessoal, se deixam arrastar pelo estado das provas no qual estão
mergulhados. É em razão da diferença entre as diversas situações que se deve
atribuir a dificuldade que experimentam os Espíritos iniciadores e os homens
encarregados de melhorarem rapidamente e em algumas semanas, as criaturas que
lhes são confiadas. Os Espíritos, ao contrário, aos quais a matéria já não opõe
suas leis, nem mais fornece meios de satisfazer seus maus apetites e que, por
conseguinte, não têm mais desejos insaciáveis, são mais aptos a aceitar os
conselhos que lhes são dados. Talvez respondam com esta pergunta, que tem sua importância:
Por que não ouvem os conselhos de seus guias do espaço e esperam os
ensinamentos dos homens? Porque é necessário que os dois mundos, visível e
invisível, reajam um sobre o outro e que a ação dos humanos seja útil aos que
viveram, como a ação da maior parte destes é benéfica aos que vivem entre vós.
É uma dupla corrente, uma dupla ação, igualmente satisfatória para esses dois
mundos, que estão unidos por tantos laços.
Eis o que julgo dever responder
à pergunta levantada por vosso presidente.
Erasto (Médium: Sr. d’Ambel)
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