terça-feira, 17 de setembro de 2019

CORRESPONDÊNCIA DE ALÉM-TÚMULO – Estudo Mediúnico[1]




Para a compreensão do fato principal de que se trata, extraímos a passagem seguinte da carta de um de nossos assinantes; é, além disso, uma simples e tocante expressão das consolações que os aflitos haurem no Espiritismo:
Permiti vos diga o quanto o Espiritismo me tem aliviado, ao dar-me a certeza de rever num mundo melhor um ser que amei com um amor sem limites, um irmão querido, morto na flor da idade. Como é consolador o pensamento de que aquele cuja morte pranteamos muitas vezes está perto de nós, sustentando-nos quando estamos acabrunhados sob o peso da dor, alegrando-se quando a fé no futuro nos deixa entrever um encontro certo!
Iniciado há alguns anos nos admiráveis preceitos do Espiritismo, tinha aceitado todas as suas verdades e me esforçava por viver aqui de maneira a apressar o meu adiantamento. Minhas boas resoluções tinham sido tomadas muito sinceramente; confesso, todavia, que não possuindo os elementos necessários para fortalecer e sustentar minha crença na comunicação dos Espíritos, pouco a pouco me havia habituado, não a rejeitá-la, mas a encará-la com mais indiferença. É que a desgraça até então me era desconhecida. Hoje, que a Deus aprouve enviar-me uma prova dolorosa, hauri no Espiritismo preciosas consolações e sinto necessidade de vo-lo agradecer muito particularmente, como o primeiro propagador desta santa doutrina.
Não sendo a doutrina do Espiritismo uma simples hipótese, mas apoiando-se em fatos patentes e ao alcance de todo o mundo, as consolações que proporciona consistem não apenas na certeza de rever as pessoas amadas, mas, também e sobretudo, na possibilidade de corresponder-se com elas e delas obter salutares ensinos.

Assim convicto, o irmão vivo escreveu ao irmão morto a seguinte carta, solicitando a resposta através de um médium:
N..., 14 de março de 1865
Meu irmão bem-amado,
É-me impossível dizer-te quanto fiquei feliz ao ler a carta que me enviaste através do médium de S... Comuniquei-a aos nossos pobres pais, a quem muito afligiste, ao deixá-los de maneira tão inesperada. Eles me pediram que te escrevesse novamente, que te pedisse novos detalhes sobre tua existência atual, a fim de poderem crer, por provas que darás facilmente, na realidade do ensino dos Espíritos. Mas, antes de tudo, acerca-te deles, inspira-lhes a resignação e a fé no futuro; consola-os, pois necessitam ser consolados, alquebrados que estão por um golpe tão inesperado.
Quanto a mim, ó meu irmão bem-amado, serei sempre feliz quando te for permitido dar as tuas notícias. Hoje venho pedir-te novos detalhes sobre a tua moléstia, tua morte e teu despertar no mundo dos Espíritos.
Quais os Espíritos que vieram receber-te no limiar do mundo invisível? Reviste o nosso avô? Ele é feliz? Reviste e reconheceste nossos parentes, mortos antes de ti, mesmo os que não havias conhecido na Terra? Assististe ao teu sepultamento? Que impressão sentiste? Peço-te que me dês alguns detalhes sobre essa triste cerimônia, que não permitam aos nossos pais duvidarem de tua identidade. Poderias dizer se algum membro de nossa família se tornará médium? Não desejarias comunicar-te através de um de nós?
Não posso compreender que não queiras continuar teus estudos de música, que cultivavas com tanto ardor na Terra; para nós seria uma doce consolação se quisesses terminar, através de um médium, os salmos que começaste a musicar em Paris.
Pudeste constatar o vazio imenso causado por tua morte no coração de todos nós. Suplico-te que inspires a teus pais a coragem necessária para não sucumbirem nesta terrível prova; sê muitas vezes com eles e dá notícias tuas. Quanto a mim, Deus sabe quanto chorei. Apesar de minha crença no Espiritismo, há momentos em que não posso acostumar-me à ideia de não mais te rever na Terra, e em que daria a vida para poder apertar-te ao coração.
Adeus, meu nobre amigo. Pensa algumas vezes naquele cujos pensamentos estão constantemente dirigidos para ti, e que fará o possível para ser julgado digno de um dia estar reunido a ti.
Abraço-te e te aperto ao coração.
Teu irmão devotado, B...

Nota – Em precedente comunicação dada aos pais, através de outro médium, tinha sido dito que o jovem não queria continuar seus estudos musicais no mundo dos Espíritos.

RESPOSTA DO IRMÃO MORTO AO IRMÃO VIVO
Eis-me aqui, meu bom irmão; mas és muito exigente.
Mesmo com a melhor boa vontade não posso responder, numa só evocação, às numerosas perguntas que me diriges. Então não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos transmitir o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos Espíritos e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade, que leva os interessados à negação mais formal das manifestações?
Isto é muito pouco lisonjeiro e entristece profundamente os que, em falta de instrumentos adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade.
Crê-me, bom irmão, evoca-me em família. Com um pouco de boa vontade e alguns ensaios perseverantes, tu mesmo poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre perto de ti, porque sei que és espírita e tenho confiança em ti. É certo que a simpatia atrai a simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que a gente vê pela primeira vez. Entretanto, esforçar-me-ei por satisfazer-te.
Minha morte, que te aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Teu amor, tua solicitude, tua ternura tinham tornado doce o meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos momentos de inspiração musical, eu voltava o olhar para as regiões luminosas, onde tudo é harmonia, absorto em escutar os acordes longínquos da melodia celeste que me inundava em doces vibrações. Quantas vezes eu me extasiei nesses devaneios arrebatadores, aos quais devia o sucesso de meus estudos musicais, que continuo aqui! Seria um erro extraordinário acreditar que a aptidão individual se perde no mundo espírita; ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são chamados a viver.
Não choreis mais, vós todos, bem-amados pais! Para que servem as lágrimas? Para enfraquecer, para desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas murchas. Mas, por sua vez, o carvalho morre e tem a sorte da rosa que chorou e cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.
Ainda algum tempo e vireis a mim; então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em suas obras. Juntos seremos felizes se vos resignardes à provação que vos aflige.
Aquele que foi teu irmão na Terra e te ama sempre,
B...

Vários ensinamentos importantes ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade do Espírito para se exprimir com o auxílio do instrumento que lhe é dado.
Conhecemos pessoalmente esse médium, que há muito tempo vem dando provas de força e de flexibilidade da faculdade, sobretudo no que respeita às evocações particulares. É o que se pode chamar um médium seguro e bem assistido. De onde provém, então, esse impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade fluídica existente entre o Espírito e o médium.
Assim, cada médium é mais ou menos apto a receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual Espírito; pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, e este fato em nada desmerece as suas qualidades, pois a condição é mais orgânica do que moral. Assim, pois, os Espíritos buscam de preferência os instrumentos com os quais vibram em uníssono; impor-lhes o primeiro que aparecer e crer que deles possam servir-se indiferentemente, seria a mesma coisa que obrigar um pianista a tocar violino: em virtude de saber música, deve ser capaz de tocar todos os instrumentos.
Sem esta harmonia, a única que pode levar à assimilação fluídica, tão necessária na tiptologia quanto na escrita, as comunicações ou são impossíveis, ou incompletas, ou falsas. Em falta do Espírito, que não se pode ver, se não puder manifestar-se livremente, não faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se importam com a verdade do que dizem.
Esta assimilação fluídica por vezes é completamente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns; outras vezes, e é o caso mais ordinário, só se estabelece gradualmente e com o tempo, o que explica por que os Espíritos que se manifestam habitualmente a um médium o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase sempre atestam certa dificuldade e são menos explícitas.
Está, pois, demonstrado, tanto pela teoria quanto pela experiência, que não há mais médiuns universais para as evocações, como não os há aptos a todos os gêneros de manifestações. Aquele que pretendesse receber à vontade e no momento certo as comunicações de todos os Espíritos e, por conseguinte, satisfazer aos legítimos desejos de todos os que querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de radical ignorância dos princípios mais elementares da ciência, ou de charlatanismo e, em todo o caso, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de um bom médium. Pôde-se acreditar nisto em certo tempo, mas hoje os progressos da ciência teórica e prática demonstram, em princípio, a sua impossibilidade. Quando um Espírito se comunica pela primeira vez a um médium, sem qualquer dificuldade, isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito e seu intérprete.
É, pois, um erro impor um médium ao Espírito que se quer invocar. É preciso deixar-lhe a escolha de seu instrumento.
Mas, indagarão, como fazer quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Primeiro, se contentar com o que se tem e abster-se do que não se tem. Não está no poder da ciência espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como não cabe à química mudar as da combinação dos elementos.
Contudo, há aqui um meio de atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o médium deve sempre evocar o seu guia espiritual, previamente, e indagar se ela é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se encontra no médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium ou ser por ele assistido.
Neste caso, o pensamento do Espírito chega de segunda mão, isto é, depois de ter atravessado dois meios. Compreende-se, então, quanto importa que o médium seja bem assistido, porque se o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada. Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel importante, pela natureza dos Espíritos que atrai a si. Os médiuns mais indignos podem dispor de poderosas faculdades; os mais seguros, porém, são os que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, de modo algum essas simpatias garantem os nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos que assinam as comunicações recebidas por via mediúnica.
Esses princípios fundamentam-se ao mesmo tempo na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que revelam provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.
Outro fato ressalta igualmente da comunicação acima: é a confirmação do princípio de que os Espíritos inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que empreenderam na vida corporal.
É por isso que damos preferência, nas comunicações que publicamos, àquelas de onde pode sair um ensinamento útil.
Quanto à carta do irmão vivo ao seu irmão morto, é uma ingênua e tocante expressão da fé sincera na sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros e da possibilidade de continuar com estes as relações de afeição, que a eles nos uniam.
Sem dúvida os incrédulos rirão daquilo que, aos seus olhos, é uma pueril credulidade. Por mais que façam, o nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque parte o coração e aniquila as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; apavora e desespera, em vez de fortalecer e consolar.
Como suas diatribes contra o Espiritismo têm por eixo a doutrina apavorante do nada, não se deve admirar da sua impotência em desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não poderia ser duvidosa.
Depois da horrível catástrofe da igreja de Santiago do Chile, em 1864, nela encontraram uma caixa de cartas, nas quais os fiéis depositavam as missivas que dirigiam à Santa Virgem. Poder-se-ia estabelecer uma paridade entre o fato que excitou a verve dos zombadores e a carta acima? Seguramente, não. Contudo, o erro não era dos que acreditavam na possibilidade de corresponder-se com o outro mundo, mas dos que exploravam essa crença, respondendo às cartas previamente seladas. Há poucas superstições que não tenham seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância. Acusado de as ressuscitar, o Espiritismo vem, ao contrário, reduzi-las ao seu justo valor.




[1] Revista Espírita – Abril/1865 – Allan Kardec

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