Para a compreensão do fato
principal de que se trata, extraímos a passagem seguinte da carta de um de
nossos assinantes; é, além disso, uma simples e tocante expressão das
consolações que os aflitos haurem no Espiritismo:
Permiti vos diga o
quanto o Espiritismo me tem aliviado, ao dar-me a certeza de rever num mundo
melhor um ser que amei com um amor sem limites, um irmão querido, morto na flor
da idade. Como é consolador o pensamento de que aquele cuja morte pranteamos
muitas vezes está perto de nós, sustentando-nos quando estamos acabrunhados sob
o peso da dor, alegrando-se quando a fé no futuro nos deixa entrever um
encontro certo!
Iniciado há alguns
anos nos admiráveis preceitos do Espiritismo, tinha aceitado todas as suas
verdades e me esforçava por viver aqui de maneira a apressar o meu
adiantamento. Minhas boas resoluções tinham sido tomadas muito sinceramente;
confesso, todavia, que não possuindo os elementos necessários para fortalecer e
sustentar minha crença na comunicação dos Espíritos, pouco a pouco me havia
habituado, não a rejeitá-la, mas a encará-la com mais indiferença. É que a
desgraça até então me era desconhecida. Hoje, que a Deus aprouve enviar-me uma
prova dolorosa, hauri no Espiritismo preciosas consolações e sinto necessidade
de vo-lo agradecer muito particularmente, como o primeiro propagador desta
santa doutrina.
Não sendo a doutrina
do Espiritismo uma simples hipótese, mas apoiando-se em fatos patentes e ao
alcance de todo o mundo, as consolações que proporciona consistem não apenas na
certeza de rever as pessoas amadas, mas, também e sobretudo, na possibilidade
de corresponder-se com elas e delas obter salutares ensinos.
Assim convicto, o irmão vivo
escreveu ao irmão morto a seguinte carta, solicitando a resposta através de um
médium:
N..., 14 de março de
1865
Meu irmão bem-amado,
É-me impossível
dizer-te quanto fiquei feliz ao ler a carta que me enviaste através do médium
de S... Comuniquei-a aos nossos pobres pais, a quem muito afligiste, ao
deixá-los de maneira tão inesperada. Eles me pediram que te escrevesse
novamente, que te pedisse novos detalhes sobre tua existência atual, a fim de
poderem crer, por provas que darás facilmente, na realidade do ensino dos
Espíritos. Mas, antes de tudo, acerca-te deles, inspira-lhes a resignação e a
fé no futuro; consola-os, pois necessitam ser consolados, alquebrados que estão
por um golpe tão inesperado.
Quanto a mim, ó meu
irmão bem-amado, serei sempre feliz quando te for permitido dar as tuas
notícias. Hoje venho pedir-te novos detalhes sobre a tua moléstia, tua morte e
teu despertar no mundo dos Espíritos.
Quais os Espíritos
que vieram receber-te no limiar do mundo invisível? Reviste o nosso avô? Ele é
feliz? Reviste e reconheceste nossos parentes, mortos antes de ti, mesmo os que
não havias conhecido na Terra? Assististe ao teu sepultamento? Que impressão
sentiste? Peço-te que me dês alguns detalhes sobre essa triste cerimônia, que
não permitam aos nossos pais duvidarem de tua identidade. Poderias dizer se
algum membro de nossa família se tornará médium? Não desejarias comunicar-te
através de um de nós?
Não posso
compreender que não queiras continuar teus estudos de música, que cultivavas
com tanto ardor na Terra; para nós seria uma doce consolação se quisesses
terminar, através de um médium, os salmos que começaste a musicar em Paris.
Pudeste constatar o
vazio imenso causado por tua morte no coração de todos nós. Suplico-te que
inspires a teus pais a coragem necessária para não sucumbirem nesta terrível
prova; sê muitas vezes com eles e dá notícias tuas. Quanto a mim, Deus sabe
quanto chorei. Apesar de minha crença no Espiritismo, há momentos em que não
posso acostumar-me à ideia de não mais te rever na Terra, e em que daria a vida
para poder apertar-te ao coração.
Adeus, meu nobre
amigo. Pensa algumas vezes naquele cujos pensamentos estão constantemente
dirigidos para ti, e que fará o possível para ser julgado digno de um dia estar
reunido a ti.
Abraço-te e te
aperto ao coração.
Teu irmão devotado,
B...
Nota – Em
precedente comunicação dada aos pais, através de outro médium, tinha sido dito
que o jovem não queria continuar seus estudos musicais no mundo dos Espíritos.
RESPOSTA DO IRMÃO MORTO AO IRMÃO VIVO
Eis-me aqui, meu bom
irmão; mas és muito exigente.
Mesmo com a melhor
boa vontade não posso responder, numa só evocação, às numerosas perguntas que
me diriges. Então não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos
transmitir o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber
claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos
Espíritos e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade, que leva os
interessados à negação mais formal das manifestações?
Isto é muito pouco
lisonjeiro e entristece profundamente os que, em falta de instrumentos
adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade.
Crê-me, bom irmão,
evoca-me em família. Com um pouco de boa vontade e alguns ensaios
perseverantes, tu mesmo poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre
perto de ti, porque sei que és espírita e tenho confiança em ti. É certo que a
simpatia atrai a simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que a
gente vê pela primeira vez. Entretanto, esforçar-me-ei por satisfazer-te.
Minha morte, que te
aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Teu amor, tua solicitude, tua
ternura tinham tornado doce o meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos
momentos de inspiração musical, eu voltava o olhar para as regiões luminosas,
onde tudo é harmonia, absorto em escutar os acordes longínquos da melodia
celeste que me inundava em doces vibrações. Quantas vezes eu me extasiei nesses
devaneios arrebatadores, aos quais devia o sucesso de meus estudos musicais,
que continuo aqui! Seria um erro extraordinário acreditar que a aptidão
individual se perde no mundo espírita; ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em
seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são
chamados a viver.
Não choreis mais,
vós todos, bem-amados pais! Para que servem as lágrimas? Para enfraquecer, para
desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza
não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no
carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas
murchas. Mas, por sua vez, o carvalho morre e tem a sorte da rosa que chorou e
cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.
Ainda algum tempo e
vireis a mim; então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em
suas obras. Juntos seremos felizes se vos resignardes à provação que vos
aflige.
Aquele que foi teu
irmão na Terra e te ama sempre,
B...
Vários ensinamentos importantes
ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade do Espírito para se
exprimir com o auxílio do instrumento que lhe é dado.
Conhecemos pessoalmente esse
médium, que há muito tempo vem dando provas de força e de flexibilidade da
faculdade, sobretudo no que respeita às evocações particulares. É o que se pode
chamar um médium seguro e bem assistido. De onde provém, então, esse
impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade
fluídica existente entre o Espírito e o médium.
Assim, cada médium é mais ou
menos apto a receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual
Espírito; pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, e este fato em
nada desmerece as suas qualidades, pois a condição é mais orgânica do que
moral. Assim, pois, os Espíritos buscam de preferência os instrumentos com os
quais vibram em uníssono; impor-lhes o primeiro que aparecer e crer que deles
possam servir-se indiferentemente, seria a mesma coisa que obrigar um pianista
a tocar violino: em virtude de saber música, deve ser capaz de tocar todos os
instrumentos.
Sem esta harmonia, a única que
pode levar à assimilação fluídica, tão necessária na tiptologia quanto na
escrita, as comunicações ou são impossíveis, ou incompletas, ou falsas. Em
falta do Espírito, que não se pode ver, se não puder manifestar-se livremente, não
faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se importam
com a verdade do que dizem.
Esta assimilação fluídica por
vezes é completamente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns;
outras vezes, e é o caso mais ordinário, só se estabelece gradualmente e com o
tempo, o que explica por que os Espíritos que se manifestam habitualmente a um
médium o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase
sempre atestam certa dificuldade e são menos explícitas.
Está, pois, demonstrado, tanto
pela teoria quanto pela experiência, que não há mais médiuns universais para as
evocações, como não os há aptos a todos os gêneros de manifestações. Aquele que
pretendesse receber à vontade e no momento certo as comunicações de todos os
Espíritos e, por conseguinte, satisfazer aos legítimos desejos de todos os que
querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de radical
ignorância dos princípios mais elementares da ciência, ou de charlatanismo e,
em todo o caso, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de
um bom médium. Pôde-se acreditar nisto em certo tempo, mas hoje os progressos
da ciência teórica e prática demonstram, em princípio, a sua impossibilidade.
Quando um Espírito se comunica pela primeira vez a um médium, sem qualquer dificuldade,
isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito
e seu intérprete.
É, pois, um erro impor um médium
ao Espírito que se quer invocar. É preciso deixar-lhe a escolha de seu instrumento.
Mas, indagarão, como fazer
quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Primeiro, se contentar com
o que se tem e abster-se do que não se tem. Não está no poder da ciência
espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como não cabe à química
mudar as da combinação dos elementos.
Contudo, há aqui um meio de
atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o
médium deve sempre evocar o seu guia espiritual, previamente, e indagar se ela
é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se encontra no
médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver
dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium
ou ser por ele assistido.
Neste caso, o pensamento do
Espírito chega de segunda mão, isto é, depois de ter atravessado dois meios.
Compreende-se, então, quanto importa que o médium seja bem assistido, porque se
o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada.
Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel
importante, pela natureza dos Espíritos que atrai a si. Os médiuns mais
indignos podem dispor de poderosas faculdades; os mais seguros, porém, são os
que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, de modo
algum essas simpatias garantem os nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos
que assinam as comunicações recebidas por via mediúnica.
Esses princípios fundamentam-se
ao mesmo tempo na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que revelam
provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.
Outro fato ressalta igualmente
da comunicação acima: é a confirmação do princípio de que os Espíritos
inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que empreenderam
na vida corporal.
É por isso que damos
preferência, nas comunicações que publicamos, àquelas de onde pode sair um
ensinamento útil.
Quanto à carta do irmão vivo ao
seu irmão morto, é uma ingênua e tocante expressão da fé sincera na
sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros e da
possibilidade de continuar com estes as relações de afeição, que a eles nos
uniam.
Sem dúvida os incrédulos rirão
daquilo que, aos seus olhos, é uma pueril credulidade. Por mais que façam, o
nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque parte o coração
e aniquila as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; apavora e
desespera, em vez de fortalecer e consolar.
Como suas diatribes contra o
Espiritismo têm por eixo a doutrina apavorante do nada, não se deve admirar da
sua impotência em desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina
desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não poderia ser
duvidosa.
Depois da horrível catástrofe da
igreja de Santiago do Chile, em 1864, nela encontraram uma caixa de cartas, nas
quais os fiéis depositavam as missivas que dirigiam à Santa Virgem. Poder-se-ia
estabelecer uma paridade entre o fato que excitou a verve dos zombadores e a
carta acima? Seguramente, não. Contudo, o erro não era dos que acreditavam na
possibilidade de corresponder-se com o outro mundo, mas dos que exploravam essa
crença, respondendo às cartas previamente seladas. Há poucas superstições que
não tenham seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância.
Acusado de as ressuscitar, o Espiritismo vem, ao contrário, reduzi-las ao seu
justo valor.
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