quarta-feira, 3 de julho de 2019

Autopremonições de doença[1]




Seria difícil, nessa primeira subdivisão, encontrar um só caso cujos detalhes não pudessem ser explicados por um fenômeno de autossugestão; limitar-me-ei, portanto, a relatar um exemplo único, que, embora escolhido entre os mais característicos, não escapa desse defeito comum.
Extraio-o – resumindo-o em parte – da obra do Dr. Alphonse Teste: Manuel Pratique du Magnétisme Animal (pág. 140).
Sexta-feira, 8 de maio, o Dr. Teste mergulhou a Sra. Hortense M. num estado de sonambulismo, na presença do seu marido. Logo que foi adormecida, ela anunciou:
– Estou grávida de 15 dias, não levarei a gravidez até o fim e ressinto um desgosto pungente. Na próxima terça-feira (12 de maio) terei medo de uma coisa qualquer, levarei uma queda, e como resultado, um falso parto.
– Do que terá medo, então, senhora? – perguntei-lhe com uma expressão de interesse que estava longe de ser simulada.
Não sei de nada, senhor.
– Mas onde isso vai acontecer-lhe? Onde cairá?
– Não posso dizê-lo; não sei de nada.
– Não há nenhum meio de evitar tudo isso?
– Nenhum.
– Se, entretanto, nós não a deixarmos?
– Isso não servirá de nada.
– Só Deus poderia, portanto, prevenir o acidente que temem.
– Só Deus, mas ele não o fará, e estou profundamente aflita.
– E ficará muito doente?
– Sim, durante três dias.
– Sabe com certeza o que experimentará?
– Sem dúvida, e vou dizer-lhe: Terça-feira, às três e meia, logo depois de ter estado assustada, terei uma fraqueza que durará oito minutos; depois dessa fraqueza terei uma dor nos rins muito violenta que durará o resto do dia e se prolongará por toda a noite. Na quarta-feira pela manhã começarei a perder sangue; essa perda aumentará com rapidez e se tornará abundante. Todavia, não será necessário inquietar-se, pois ela não me causará a morte. Na manhã de quinta-feira estarei bem melhor, poderei até deixar meu leito durante quase todo o dia; mas à tarde, às cinco e meia, terei uma nova perda que será seguida de delírio. A noite de quinta-feira até a sexta-feira será boa, mas na noite de sexta-feira perderei a razão.
A Sra. Hortense não falava mais; e sem acreditar explicitamente no que ela nos dizia, ficamos tão chocados, que não pensávamos mais em interrogá-la. Entretanto, M., vivamente emocionado com a narrativa de sua mulher, e, sobretudo com suas últimas palavras, perguntou-lhe com uma indescritível ansiedade se ela ficaria muito tempo demente.
Três dias – ela responde com uma calma perfeita. Depois acrescentou com uma doçura cheia de graça: – Vai, não se preocupe, Alfredo, não ficarei louca e não morrerei; sofrerei, eis tudo.
Ao despertar, como sempre, a Sra. Hortense esquecera-se de tudo e o Dr. Teste, no interesse da paciente e da ciência, recomendou ao marido guardar segredo absoluto sobre o incidente. Ao mesmo tempo, tomou nota de tudo e submeteu suas anotações ao Dr. Amédée Latour. Chegada a terça-feira, foi à casa do casal M., encontrando-o à mesa, e observou que a Sra. Hortense estava em perfeita saúde e excelente humor. Finda a refeição, tendo obtido a permissão para mergulhar a Sra. Hortense em sonambulismo, perguntou:
– Como vai, senhora?
– Muito bem, senhor; mas não por muito tempo.
– Como assim?
A Sra. Hortense repetiu, então, sua frase sacramental da sexta-feira, a saber: Entre duas e quatro horas terei medo de qualquer coisa, levarei uma queda, que resultará numa perda abundante etc.
– Mas, afinal, qual o objeto que lhe dará medo?
– Não sei de nada.
– Então, senhora, se isso que a senhora diz se realizar, é preciso admitir uma fatalidade nos incidentes que lhes acontecem.
– Sim, senhor; como na maioria dos que acontecem com todos os homens.
– E não há nenhum meio de se subtrair a essa fatalidade?
– Nenhum.
– Esta tarde, senhora, estarei à altura de contradizê-la.
– Esta tarde, senhor, o senhor estará muito inquieto com a minha saúde, pois ficarei muito doente.
Nesse momento, o Dr. Teste despertou a Sra. Hortense, que não se lembrou de nada. De acordo com o marido, tomaram-se todas as precauções imagináveis para evitar o menor incidente fortuito; e quando a hora indicada se aproximou, fecharam hermeticamente os postigos, com medo de que um acidente na rua, ou na casa em frente, determinasse a realização da profecia. Pouco depois soou três e meia, quando a Sra. Hortense, que observava com ligeiro espanto o que se passava em torno dela, levantou-se de repente do divã sobre o qual tínhamos pedido que ela se sentasse, e disse:
– Permitam-se, senhores, furtar-me um minuto à sua inconcebível solicitude?
– Onde pretende ir, senhora? – eu perguntava com um ar de inquietude que não pudera disfarçar.
– Ah! Meu Deus! Senhor, o que é que o senhor tem? Pensa que tenho projetos de suicídio?
– Não, senhora, mas...
– Mas o quê?
– Sinto que estou sendo indiscreto, mas é a sua saúde que me interessa.
– Então, senhor – retomava ela rindo –, uma razão a mais para me deixar sair.
O motivo, como se vê, era plausível, e não havia nenhum meio de insistir. Todavia, M., que quis levar a coisa até o fim, disse à sua mulher:
– Pois bem, minha boa amiga, permita-me acompanhá-la até lá.
– Como! Mas é então uma aposta?
– Precisamente, senhora, uma aposta entre a senhora e eu, e que certamente ganharei, embora a senhora tenha jurado me fazer perder...
A Sra. Hortense olha-nos alternadamente e permanece bem distante de adivinhar.
– Uma aposta entre os dois? – ela repete... – Vamos, não compreendo nada; mas não importa... Veremos.
Ela aceita o braço que o marido lhe oferece e sai morrendo de rir.
Eu também ria, e entretanto experimentava um pressentimento de que o momento decisivo havia chegado. Era tão verdadeiro que essa ideia me preocupava, que pensava em entrar no aposento do senhor e da senhora durante sua ausência, e fiquei como um porteiro na porta da sala de espera, onde não tinha nada para fazer.
De repente, um grito estridente se fez ouvir, e o barulho de um corpo que cai ressoou na escadaria exterior. Subo correndo. À porta do banheiro, M. traz nos seus braços sua mulher desvairada, agonizante.
Foi ela mesma que gritou; o barulho que chocou meu ouvido foi bem o de sua queda. No momento em que acabava de deixar o braço do seu marido para entrar no banheiro, um rato (a Sra. Hortense tem um horror incrível desses animais), ali, onde há 20 anos jura-se não se ter visto um único, apresentara-se à sua vista e causara-lhe um terror tão vivo e tão repentino que ela caíra de costas, sem que houvesse possibilidade de segurá-la. Eis o fato tal como se passou, e juro pela minha honra.
O primeiro ponto da predição tinha-se realizado; o resto se efetuaria com a mesma exatidão. A Sra. Hortense teve sua fraqueza, suas dores, sua perda, seu delírio, seu dia calmo e seus três dias de alienação. Não faltou nada; nem a natureza dos fenômenos anunciados, nem a ordem em que se sucederiam. O Dr. Amédée Latour e vários amigos de M. seguiram com interesse as diferentes fases dessa miraculosa doença, que, graças a Deus, não deixou hoje nenhum traço.
Quem ousaria, depois de semelhantes fatos, impor ainda limites ao possível e definir a vida humana?
Quando, em 1901, reproduzi este caso na Revue d’Etudes Psychiques, Myers objetou com razão que, apesar do caráter notável sob outros aspectos, ele não oferecia nenhuma evidência precisa premonitória; e continuava assim: “O sonâmbulo não soube indicar precedentemente a causa do seu medo... Na ausência do rato, o eu subliminal da senhora Hortense saberia descobrir, provavelmente, alguma outra causa, real ou imaginária, do seu medo, e seus efeitos seriam seguidos na ordem estabelecida com antecedência”.
É inegável que as pesquisas modernas sobre os fenômenos hipnóticos provam o bom fundamento das observações de Myers; será necessário ouvir, portanto, que o mesmo curioso incidente do rato não basta para conferir um valor precognitivo ao caso em questão; isso não exclui, naturalmente, a possibilidade de que seja realmente, em parte, premonitório; porém em matéria científica as probabilidades não contam.
Observarei, entretanto, que em matéria de sugestão e autossugestão é preciso distinguir entre os estados superficiais de hipnose, nos quais a mentalidade do indivíduo encontra-se muito diminuída, as faculdades de discernimento abolidas, as condições de credulidade – em virtude das quais são determinadas as sugestões – aumentadas em proporção, e os estados profundos de hipnose, em que a mentalidade do indivíduo torna-se, ao contrario, maravilhosamente aumentada, onde as faculdades de discernimento estão disfarçadas e as condições de credulidade inexistentes, o que torna consequentemente impossível qualquer forma de sugestão e de autossugestão, como o sabem muito bem os hipnólogos modernos.
Ora, encontrando-se o eu do Dr. Teste evidentemente em condições de “sonambulismo lúcido”, o que equivale a um dos estados profundos de hipnose, seria difícil de conciliar esse fato com a explicação autossugestiva; inconciliáveis pareceriam também as circunstâncias de uma personalidade sonambúlica que, de um lado, exprime-se com bastante bom senso para manifestar suas condições perfeitas de integridade mental, e de outro mostra-se privada de razão a ponto de maltratar cegamente a parte consciente de si mesma. Os casos de lutas intestinas, elas próprias designadas pela expressão de personalidades por contraste, não poderiam ser adiantadas para contradizer minha afirmativa, pois estes últimos são fundamentalmente diferentes; e, realizando-se em condições de desagregação espontânea ou provocada da personalidade consciente, não podem criar – e não criam – senão personalidades subconscientes dotadas de mentalidade mais ou menos rudimentar, anormais e amorais, isto é, em perfeita harmonia com as ações que elas efetuam, o que não se produz justamente no caso oposto.

Em matéria de hipnose e de sugestão, minha opinião é de que sobra muito para perscrutar e para modificar nas teorias em voga, que pecam pelo seu amor transbordante pela generalização. Os estados profundos de hipnose esperam ainda pelo homem de ciência que tentará esclarecê-los como convém.





[1] Fenômenos Premonitórios – Autopremonições de doença ou de morte - Ernesto Bozzano

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