Seria difícil, nessa primeira
subdivisão, encontrar um só caso cujos detalhes não pudessem ser explicados por
um fenômeno de autossugestão; limitar-me-ei, portanto, a relatar um exemplo
único, que, embora escolhido entre os mais característicos, não escapa desse
defeito comum.
Extraio-o – resumindo-o em parte
– da obra do Dr. Alphonse Teste: Manuel
Pratique du Magnétisme Animal (pág. 140).
Sexta-feira, 8 de maio, o Dr.
Teste mergulhou a Sra. Hortense M. num estado de sonambulismo, na presença do
seu marido. Logo que foi adormecida, ela anunciou:
– Estou
grávida de 15 dias, não levarei a gravidez até o fim e ressinto um desgosto
pungente. Na próxima terça-feira (12 de maio) terei medo de uma coisa qualquer,
levarei uma queda, e como resultado, um falso parto.
– Do que terá
medo, então, senhora? – perguntei-lhe com uma expressão de interesse que
estava longe de ser simulada.
– Não sei de
nada, senhor.
– Mas onde
isso vai acontecer-lhe? Onde cairá?
– Não posso
dizê-lo; não sei de nada.
– Não há
nenhum meio de evitar tudo isso?
– Nenhum.
– Se,
entretanto, nós não a deixarmos?
– Isso não
servirá de nada.
– Só Deus
poderia, portanto, prevenir o acidente que temem.
– Só Deus, mas
ele não o fará, e estou profundamente aflita.
– E ficará
muito doente?
– Sim, durante
três dias.
– Sabe com
certeza o que experimentará?
– Sem dúvida,
e vou dizer-lhe: Terça-feira, às três e meia, logo depois de ter estado
assustada, terei uma fraqueza que durará oito minutos; depois dessa fraqueza
terei uma dor nos rins muito violenta que durará o resto do dia e se prolongará
por toda a noite. Na quarta-feira pela manhã começarei a perder sangue; essa
perda aumentará com rapidez e se tornará abundante. Todavia, não será
necessário inquietar-se, pois ela não me causará a morte. Na manhã de
quinta-feira estarei bem melhor, poderei até deixar meu leito durante quase
todo o dia; mas à tarde, às cinco e meia, terei uma nova perda que será seguida
de delírio. A noite de quinta-feira até a sexta-feira será boa, mas na noite de
sexta-feira perderei a razão.
A Sra. Hortense não falava mais;
e sem acreditar explicitamente no que ela nos dizia, ficamos tão chocados, que
não pensávamos mais em interrogá-la. Entretanto, M., vivamente emocionado com a
narrativa de sua mulher, e, sobretudo com suas últimas palavras, perguntou-lhe
com uma indescritível ansiedade se ela ficaria muito tempo demente.
– Três dias – ela responde com uma calma perfeita. Depois acrescentou
com uma doçura cheia de graça: – Vai, não
se preocupe, Alfredo, não ficarei louca e não morrerei; sofrerei, eis tudo.
Ao despertar, como sempre, a
Sra. Hortense esquecera-se de tudo e o Dr. Teste, no interesse da paciente e da
ciência, recomendou ao marido guardar segredo absoluto sobre o incidente. Ao
mesmo tempo, tomou nota de tudo e submeteu suas anotações ao Dr. Amédée Latour.
Chegada a terça-feira, foi à casa do casal M., encontrando-o à mesa, e observou
que a Sra. Hortense estava em perfeita saúde e excelente humor. Finda a
refeição, tendo obtido a permissão para mergulhar a Sra. Hortense em
sonambulismo, perguntou:
– Como vai, senhora?
– Muito bem, senhor;
mas não por muito tempo.
– Como assim?
A Sra. Hortense repetiu, então, sua frase sacramental da
sexta-feira, a saber: Entre duas e quatro
horas terei medo de qualquer coisa, levarei uma queda, que resultará numa perda
abundante etc.
– Mas, afinal, qual
o objeto que lhe dará medo?
– Não sei de nada.
– Então, senhora, se
isso que a senhora diz se realizar, é preciso admitir uma fatalidade nos
incidentes que lhes acontecem.
– Sim, senhor; como
na maioria dos que acontecem com todos os homens.
– E não há nenhum
meio de se subtrair a essa fatalidade?
– Nenhum.
– Esta tarde,
senhora, estarei à altura de contradizê-la.
– Esta tarde,
senhor, o senhor estará muito inquieto com a minha saúde, pois ficarei muito
doente.
Nesse momento, o Dr. Teste
despertou a Sra. Hortense, que não se lembrou de nada. De acordo com o marido,
tomaram-se todas as precauções imagináveis para evitar o menor incidente
fortuito; e quando a hora indicada se aproximou, fecharam hermeticamente os
postigos, com medo de que um acidente na rua, ou na casa em frente,
determinasse a realização da profecia. Pouco depois soou três e meia, quando a
Sra. Hortense, que observava com ligeiro espanto o que se passava em torno
dela, levantou-se de repente do divã sobre o qual tínhamos pedido que ela se
sentasse, e disse:
– Permitam-se,
senhores, furtar-me um minuto à sua inconcebível solicitude?
– Onde pretende ir,
senhora? – eu perguntava com um ar de inquietude que não pudera disfarçar.
– Ah! Meu Deus!
Senhor, o que é que o senhor tem? Pensa que tenho projetos de suicídio?
– Não, senhora,
mas...
– Mas o quê?
– Sinto que estou
sendo indiscreto, mas é a sua saúde que me interessa.
– Então, senhor – retomava
ela rindo –, uma razão a mais para me
deixar sair.
O motivo, como se vê, era
plausível, e não havia nenhum meio de insistir. Todavia, M., que quis levar a
coisa até o fim, disse à sua mulher:
– Pois bem, minha
boa amiga, permita-me acompanhá-la até lá.
– Como! Mas é então
uma aposta?
– Precisamente,
senhora, uma aposta entre a senhora e eu, e que certamente ganharei, embora a
senhora tenha jurado me fazer perder...
A Sra. Hortense olha-nos
alternadamente e permanece bem distante de adivinhar.
– Uma aposta entre
os dois? – ela repete... – Vamos, não
compreendo nada; mas não importa... Veremos.
Ela aceita o braço que o marido
lhe oferece e sai morrendo de rir.
Eu também ria, e entretanto
experimentava um pressentimento de que o momento decisivo havia chegado. Era
tão verdadeiro que essa ideia me preocupava, que pensava em entrar no aposento
do senhor e da senhora durante sua ausência, e fiquei como um porteiro na porta
da sala de espera, onde não tinha nada para fazer.
De repente, um grito estridente
se fez ouvir, e o barulho de um corpo que cai ressoou na escadaria exterior.
Subo correndo. À porta do banheiro, M. traz nos seus braços sua mulher
desvairada, agonizante.
Foi ela mesma que gritou; o
barulho que chocou meu ouvido foi bem o de sua queda. No momento em que acabava
de deixar o braço do seu marido para entrar no banheiro, um rato (a Sra.
Hortense tem um horror incrível desses animais), ali, onde há 20 anos jura-se
não se ter visto um único, apresentara-se à sua vista e causara-lhe um terror
tão vivo e tão repentino que ela caíra de costas, sem que houvesse
possibilidade de segurá-la. Eis o fato tal como se passou, e juro pela minha
honra.
O primeiro ponto da predição
tinha-se realizado; o resto se efetuaria com a mesma exatidão. A Sra. Hortense
teve sua fraqueza, suas dores, sua perda, seu delírio, seu dia calmo e seus
três dias de alienação. Não faltou nada; nem a natureza dos fenômenos
anunciados, nem a ordem em que se sucederiam. O Dr. Amédée Latour e vários amigos
de M. seguiram com interesse as diferentes fases dessa miraculosa doença, que,
graças a Deus, não deixou hoje nenhum traço.
Quem ousaria, depois de
semelhantes fatos, impor ainda limites ao possível e definir a vida humana?
Quando, em 1901, reproduzi este
caso na Revue d’Etudes Psychiques,
Myers objetou com razão que, apesar do caráter notável sob outros aspectos, ele
não oferecia nenhuma evidência precisa premonitória; e continuava assim: “O
sonâmbulo não soube indicar precedentemente a causa do seu medo... Na ausência
do rato, o eu subliminal da senhora
Hortense saberia descobrir, provavelmente, alguma outra causa, real ou
imaginária, do seu medo, e seus efeitos seriam seguidos na ordem estabelecida
com antecedência”.
É inegável que as pesquisas
modernas sobre os fenômenos hipnóticos provam o bom fundamento das observações
de Myers; será necessário ouvir, portanto, que o mesmo curioso incidente do
rato não basta para conferir um valor precognitivo ao caso em questão; isso não
exclui, naturalmente, a possibilidade de que seja realmente, em parte,
premonitório; porém em matéria científica as probabilidades não contam.
Observarei, entretanto, que em
matéria de sugestão e autossugestão é preciso distinguir entre os estados superficiais de hipnose, nos
quais a mentalidade do indivíduo encontra-se muito diminuída, as faculdades de
discernimento abolidas, as condições de credulidade – em virtude das quais são
determinadas as sugestões – aumentadas em proporção, e os estados profundos de hipnose, em que a mentalidade do indivíduo
torna-se, ao contrario, maravilhosamente aumentada, onde as faculdades de
discernimento estão disfarçadas e as condições de credulidade inexistentes, o
que torna consequentemente impossível qualquer forma de sugestão e de
autossugestão, como o sabem muito bem os hipnólogos modernos.
Ora, encontrando-se o eu do Dr. Teste evidentemente em
condições de “sonambulismo lúcido”, o que equivale a um dos estados profundos de hipnose, seria
difícil de conciliar esse fato com a explicação autossugestiva; inconciliáveis
pareceriam também as circunstâncias de uma personalidade sonambúlica que, de um
lado, exprime-se com bastante bom senso para manifestar suas condições
perfeitas de integridade mental, e de outro mostra-se privada de razão a ponto
de maltratar cegamente a parte consciente de si mesma. Os casos de lutas intestinas, elas próprias
designadas pela expressão de personalidades
por contraste, não poderiam ser adiantadas para contradizer minha
afirmativa, pois estes últimos são fundamentalmente diferentes; e,
realizando-se em condições de desagregação espontânea ou provocada da
personalidade consciente, não podem criar – e não criam – senão personalidades subconscientes dotadas de
mentalidade mais ou menos rudimentar, anormais e amorais, isto é, em perfeita
harmonia com as ações que elas efetuam, o que não se produz justamente no caso
oposto.
Em matéria de hipnose e de
sugestão, minha opinião é de que sobra muito para perscrutar e para modificar
nas teorias em voga, que pecam pelo seu amor transbordante pela generalização. Os estados profundos de hipnose esperam
ainda pelo homem de ciência que tentará esclarecê-los como convém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário