Apalpai-me e vede:
pois um Espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenha
LUCAS, XXIV, 39
Essas palavras são por Lucas
atribuídas a Jesus, quando se dirigia aos discípulos atemorizados, por ocasião
da aparição entre eles, no terceiro dia depois da crucificação.
Elas não são narradas por outros
Evangelistas, pois João diz apenas que Jesus lhes mostrou as mãos e os quadris.
Essas palavras também foram
citadas por Inácio[2],
um dos mais antigos e eminentes Pais Apostólicos, discípulo e amigo particular
dos Apóstolos, mas, em sua citação ele apresenta uma variante da de Lucas, pois
diz: Apalpai-me e vede, pois que não sou
um Espírito sem corpo (daimonion
asomaton). Creio ter sido esta a verdadeira expressão. Os fatos parecem
favorecer a opinião de ser o homem composto ‒ primeiro, de um corpo terreno ou
natural, visível a nós e que, sujeito imediatamente depois da transformação da
morte às leis químicas que governam a matéria inanimada, rapidamente se
decompõe; segundo, de um corpo que S. Paulo chama espiritual (perispírito), o
qual, como parece, penetra, durante a vida terrena, todo o corpo natural e dele
se retira no momento da morte; terceiro, de uma alma, que nada nos demonstra poder
aparecer ou existir, sem estar ligada ao corpo espiritual[3].
Assim, podemos considerar os
habitantes do outro mundo como homens desembaraçados do corpo natural; a alma e
o corpo espiritual sobrevivendo à morte corporal.
É uma opinião corrente,
fortificada por tudo o que ouvimos de origem ultramundana, que o corpo
espiritual mostra estreita semelhança de forma com o corpo natural. Parece,
pois, haver razões de sobra para admitir que nossos amigos, partidos da Terra,
não são sombras impalpáveis, mas personagens reais, individualizados, que
reconheceremos no outro mundo como os conhecemos neste, somente as formas
apresentando, talvez, a expressão mais calma de uma individualidade mais nobre.
Esse corpo espiritual não é
usualmente visível aos olhos humanos. Somente o podem ver aqueles que, segundo
S. Paulo, possuem o dom de distinguir os Espíritos. Por esse dom natural, os
videntes, sem dúvida vêm o corpo espiritual animado pela alma. Não nos
surpreendamos, pois, de ouvir John Stuart Mill dizer: Que os homens não devem tomar o limite de suas faculdades como
limitação inerente dos modos possíveis da existência do Universo.
Como, porém, esse dom de
distinguir os Espíritos é raro e essa prova só pode trazer convicção ao próprio
vidente, é claro que, para que as pessoas não videntes tenham a mesma
convicção, deve apresentar-se à sua vista alguma coisa mais material que o
corpo celestial, pois este pertence à fase seguinte da nossa vida.
A evidência por mim colhida
leva-me a declarar que um Espírito pode, em certas condições e provavelmente
ajudado por outros Espíritos, fabricar um corpo passageiro, assemelhando-se ao
que teve na terra, mas desaparecendo à vista, especialmente quando exposto à
luz terrena; estando assim em perfeita concordância com o caráter dos atuais
fenômenos, a seguinte expressão de um poeta: Ela sumiu-se ao cantar do galo.
Os que têm tido a ventura de
testemunhar essa produção da arte espiritual em suas várias fases, afirmam que,
quando as condições são favoráveis, ela se mostra às vezes maravilhosamente
perfeita e mesmo, transcendentalmente bela. O Doutor Gray, um dos observadores
mais meticulosos e desapaixonados, me disse que uma das ocasiões acima
referidas, em que a imagem do Doutor Franklin se apresentou, ele fixou firmemente
os olhos da figura e neles pôde notar sua vivacidade e expressão
características, e mesmo, a mudança dessa expressão, de conformidade com o que
se estava passando. O brilho vivaz desses
olhos, disse ele, produziu-me a
convicção de ser o velho filósofo mesmo e não um outro, que ali se achava
assentado à minha frente.
Por qual processo essa criação
temporária (se é correto dizermos criação), se efetua, ainda não conhecemos,
com certeza, e talvez não possamos conhecer, até que o aprendamos no outro
mundo, com esses artistas espirituais.
O que nos parece justificado,
como conjeturamos, é que há uma transpiração invisível [assista
o vídeo Ectoplasma], no organismo humano, no de todos os seres, mas
principalmente no corpo dos sensitivos espirituais, transpiração essa que os
Espíritos podem condensar ou, por outra, modificar, de modo a produzir não
somente o que apresenta aos sentidos humanos uma forma visível e tangível, mas
ainda substâncias semelhantes às roupas terrenas e outros objetos inanimados.
Parece que eles podem do mesmo modo produzir o que podemos chamar
representações esculpidas de porções da figura humana, como mãos, partes de mão
etc.
Lembremo-nos, porém, sempre de
que a realidade de um fenômeno é independente da sua explicação.
Eu mesmo já tive uma
oportunidade de testemunhar os fenômenos supramencionados.
Aparecimento,
distintamente visível, de porções destacadas de uma figura humana
Na noite de 27 de julho de 1861,
estive em casa do Senhor Underhill. A Senhora Underhill[4]
propôs que em vez de efetuar ali a sessão, a transferíssemos para a residência
de sua mãe, no n° 66 da Rua 46 West, a fim de que sua irmã Kate pudesse fazer
parte do círculo. Assim o fizemos. Preparamo-nos para a sessão na sala inferior
e notando que as portas não eram fechadas a chave, propus fôssemos para a sala
superior, com o que todos concordaram.
Pelos golpezinhos, me disseram
que fechasse as portas, o que fiz, pondo as chaves no bolso. Examinei com
cuidado toda a sala, que não tinha armários nem lugar algum reservado. Depois,
convidaram-nos a apagar o gás. Dentro de poucos minutos, ouvimos três ou quatro
golpes violentos, como produzidos por pesada cachamorra[5]
batendo na mesa. Seguiu-se um intervalo de quietação de uns quinze minutos, ao
fim do qual apareceu, de súbito, entre a senhorita Kate e a Senhora Underhill,
a figura de um ombro. A mão não era distinta, mas o braço era bem formado e
parecia ser de mulher de proporções medianas, com o cotovelo dobrado e a parte
inferior voltada para cima. Acima da figura havia uma luz, cujo ponto de
emanação não era distinto e cuja claridade assemelhava-se à de uma lâmpada ou candeeiro.
O braço se mostrava claramente a essa luz, do pulso até o ombro; mas os
contornos não eram bem definidos, apresentando-se esbatidos, como se vê nas
gravuras não coloridas. Desse braço pendia a manga que descia até cinco ou seis
polegadas e assemelhava-se a uma gaze semitransparente. Braço e ombro se
aproximaram, movendo-se por cima da mesa e passando pela frente da Senhora
Underhill, até à distância de sete ou oito polegadas, balançando-se a manga com
o movimento do braço. Aí se conservou cerca de um minuto; depois, desapareceu e
reapareceu por três vezes, com intervalos de quatro a cinco minutos, de modo a
podermos observá-lo com segurança, pois a luz, qualquer que fosse o seu ponto
originário, se movia com a figura, aparecendo e desaparecendo com ela. Não pude
distinguir cabeça nem rosto algum acima desse braço, mas, contíguo a ele, havia
alguma coisa mal definida, que parecia a pequena porção de uma forma humana.
Depois de algum tempo, uma
aparição luminosa mais brilhante que a primeira mostrou-se sobre a mesa e
deteve-se a uma distância de quatro ou cinco polegadas da minha face
Assemelhava-se a um cilindro iluminado do interior, com altura de cinco ou seis
polegadas e o calibre aparentemente de uma polegada. Sobre ele viam-se alguns
traços escuros. Por golpezinhos, disseram-nos : Cabelos.
Perguntei se me podiam tocar e
logo ele moveu-se para frente e tocou-me na testa com uma certa distinção; o
contato se assemelhava ao do cabelo humano. Depois de alguns minutos
desapareceu. A descrição feita pelos outros assistentes sobre o que haviam
visto, combinou perfeitamente com o que foi visto por mim.
Apenas levantou-se a sessão,
examinei as portas e achei-as fechadas. A sala em que nos reunimos, convém
lembrar, foi escolhida por mim mesmo.
Alguns anos depois, a 5 de maio
de 1868, o Doutor Gray falando das sessões que tivera com o Senhor Livermore,
me disse que em uma delas, apareceu sobre a mesa, diante de si, um cilindro com
as dimensões do que eu vi; porém, mais felizes que eu, eles tiveram a
oportunidade de segurá-lo. Parecia-me, disse o Doutor Gray, ser de cristal de
rocha ou de algum outro material duro, perfeitamente transparente, e cheio de
um fluido incandescente que luzia fracamente quando o cilindro repousava, porém
que, quando agitado espargia uma luz muito brilhante. Enquanto o viram e
examinaram, não havia na sala outra luz, além da que ele emitia. Por golpezinhos
lhes foi dito que o cilindro era a luz empregada pelos Espíritos para iluminar
suas efêmeras produções, sendo ela tão efêmera quanto estas.
Na mesma ocasião, o Doutor Gray
afirmou-me que tinha visto uma mão isolada aparecer e desaparecer por quatro ou
cinco vezes.
A princípio tinha a cor escura
do bronze; depois, essa cor foi cada vez mais clareando, até que na última
exibição o aspecto era o de mão caucásica.
Noutra ocasião, levaram-lhe os
óculos e depois os restituíram.
Pediu-lhe mostrassem como o
tinham feito, e, logo viu dois dedos imperfeitos, assemelhando-se quase a
garras, presos a um pedaço de mão que aparecia na sombra. Eles pareciam
animados ou, pelo menos, obedecendo a alguma vontade, porque, como tenazes
vivas, segurar os óculos, levaram-nos, e depois trouxeram-nos. O Senhor Livermore
notou, pelo tato, que esses dedos eram sólidos.
À pergunta do Doutor Gray sobre
o motivo pelo qual não se mostrava toda a mão em vez dos dedos somente,
responderam que muitos se assustariam ou sentiriam repugnância, à vista de uma formação
amorfa.
Outra ocasião, uma massa que
parecia de carne foi posta sobre o pé do Doutor Gray, que para essa experiência
se tinha descalçado.
Deixada ali, a seu pedido, por
algum tempo, ela tornou-se intoleravelmente quente e ele supõe mesmo que, se
continuasse, queimá-lo-ia. Daí lhe veio a sugestão de haver sido o fósforo um
dos ingredientes empregado: o que talvez explique as histórias de espectros
segurando o pulso e as mãos de pessoas atemorizadas, deixando a impressão de
dedos de fogo.
O Doutor Gray relatou-me uma
observação ainda mais importante. Em uma das últimas ocasiões em que se
apresentou a figura do Doutor Franklin, o rosto mostrou-se a princípio
imperfeitamente formado, com um só olho, havendo no lugar do outro e do lado da
face uma cavidade escura que lhe dava um aspecto horrendo. Contemplando-o, Kate
Fox deu um grito de terror, causando a extinção temporária da luz que aclarava
a figura.
Criança tola! - exclamou o Doutor, segurando-lhe as mãos. Não vês que estás interrompendo uma das mais
interessantes experiências que se têm feito no mundo, a da gradual formação de uma
aparição?
Essa apreciação filosófica do
caso, acalmou gradualmente os nervos excitados de Kate e expeliu seus terrores
supersticiosos, de modo que, quando depois de um intervalo de menos de cinco minutos,
a face do sábio reapareceu com as suas feições perfeitas e a expressão de calma
e bondade, foi ela a primeira que exclamou: Bonito!
Isso deu-se em uma das últimas sessões a que o Doutor Gray assistiu. Em
muitas ocasiões anteriores a essa, como ele mesmo informou, a face ainda que
distintamente apresentada, parecia, às vezes, enrugada e como feita de massa de
trigo; e outras vezes assemelhava-se à face de um cadáver. Omito outros
detalhes e menores incidentes, pois tudo o que sabemos ainda nos não fornece uma
base suficiente para estabelecer uma teoria a respeito do verdadeiro caráter e
processo de formação das aparições. Não duvido que, mesmo neste mundo, possamos
algum dia saber muito mais sobre essa matéria. Esses eidolas[6]
parece tornarem-se gradualmente mais comuns e pode entrar nas vistas de Deus
fazer que no futuro esses fenômenos sejam o fundamento de uma crença universal
na imortalidade. Considero-o muito provável, pelo fato de nos tempos modernos o
progresso moral e espiritual não acompanhar o intelectual e material. A
capacidade mental ou física, porém, tem um valor duvidoso, se o elemento ético
ou religioso lhe não der uma benéfica direção. Não vejo como um tal elemento civilizador
se possa manifestar em pleno poder, prevalecer contra o erro e o vício e
dominar a nossa raça, sem o auxílio, não de uma crença vaga, adotada em credos
escritos, mas de uma viva, fume e ardente convicção, como a que fornece a
evidência dos sentidos, da existência de um mundo melhor, onde todos os
pensamentos e atos terrenos, por mais que aqui se ocultem, produzirão
infalivelmente seus fritos, de modo que os sentimentos e os atos maus têm
sempre como inevitável consequência às penas e sofrimentos, e os bons uma vida
de venturas, que ainda não nos é dado conceber.
[1] Região em Litígio
– entre este mundo e o outro – Robert
Dale Owen - FEB
[2] Acredita-se ter sido discípulo de Pedro, e foi bispo de
Antióquia por volta do ano 70. Sofreu o martírio ao tempo de Trajano, em idade
avançada, no ano 107.
[3] Chamo Espírito à alma presa ao corpo espiritual.
[4] Liah Fox, uma das irmãs Fox.
[6] Eidola é uma palavra que se relaciona com a teoria
sobre a visão criada pelo filósofo Leucipo de Mileto, que viveu em meados de
500 anos antes de Cristo. O significado de eidola
é um tipo de partícula hipotética de sua teoria. Ele acreditava que todos
os objetos realizassem a emissão de partículas (as eidolas), e essas partículas
é que continham as informações absorvidas pelos olhos humanos, que faziam as
pessoas enxergar as cores e as formas. https://brainly.com.br/tarefa/3652516#readmore
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