quarta-feira, 5 de junho de 2019

O que são as aparições e como se formam[1]




Apalpai-me e vede: pois um Espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenha

LUCAS, XXIV, 39

 

Essas palavras são por Lucas atribuídas a Jesus, quando se dirigia aos discípulos atemorizados, por ocasião da aparição entre eles, no terceiro dia depois da crucificação.

Elas não são narradas por outros Evangelistas, pois João diz apenas que Jesus lhes mostrou as mãos e os quadris.

Essas palavras também foram citadas por Inácio[2], um dos mais antigos e eminentes Pais Apostólicos, discípulo e amigo particular dos Apóstolos, mas, em sua citação ele apresenta uma variante da de Lucas, pois diz: Apalpai-me e vede, pois que não sou um Espírito sem corpo (daimonion asomaton). Creio ter sido esta a verdadeira expressão. Os fatos parecem favorecer a opinião de ser o homem composto ‒ primeiro, de um corpo terreno ou natural, visível a nós e que, sujeito imediatamente depois da transformação da morte às leis químicas que governam a matéria inanimada, rapidamente se decompõe; segundo, de um corpo que S. Paulo chama espiritual (perispírito), o qual, como parece, penetra, durante a vida terrena, todo o corpo natural e dele se retira no momento da morte; terceiro, de uma alma, que nada nos demonstra poder aparecer ou existir, sem estar ligada ao corpo espiritual[3].

Assim, podemos considerar os habitantes do outro mundo como homens desembaraçados do corpo natural; a alma e o corpo espiritual sobrevivendo à morte corporal.

É uma opinião corrente, fortificada por tudo o que ouvimos de origem ultramundana, que o corpo espiritual mostra estreita semelhança de forma com o corpo natural. Parece, pois, haver razões de sobra para admitir que nossos amigos, partidos da Terra, não são sombras impalpáveis, mas personagens reais, individualizados, que reconheceremos no outro mundo como os conhecemos neste, somente as formas apresentando, talvez, a expressão mais calma de uma individualidade mais nobre.

Esse corpo espiritual não é usualmente visível aos olhos humanos. Somente o podem ver aqueles que, segundo S. Paulo, possuem o dom de distinguir os Espíritos. Por esse dom natural, os videntes, sem dúvida vêm o corpo espiritual animado pela alma. Não nos surpreendamos, pois, de ouvir John Stuart Mill dizer: Que os homens não devem tomar o limite de suas faculdades como limitação inerente dos modos possíveis da existência do Universo.

Como, porém, esse dom de distinguir os Espíritos é raro e essa prova só pode trazer convicção ao próprio vidente, é claro que, para que as pessoas não videntes tenham a mesma convicção, deve apresentar-se à sua vista alguma coisa mais material que o corpo celestial, pois este pertence à fase seguinte da nossa vida.

A evidência por mim colhida leva-me a declarar que um Espírito pode, em certas condições e provavelmente ajudado por outros Espíritos, fabricar um corpo passageiro, assemelhando-se ao que teve na terra, mas desaparecendo à vista, especialmente quando exposto à luz terrena; estando assim em perfeita concordância com o caráter dos atuais fenômenos, a seguinte expressão de um poeta: Ela sumiu-se ao cantar do galo.

Os que têm tido a ventura de testemunhar essa produção da arte espiritual em suas várias fases, afirmam que, quando as condições são favoráveis, ela se mostra às vezes maravilhosamente perfeita e mesmo, transcendentalmente bela. O Doutor Gray, um dos observadores mais meticulosos e desapaixonados, me disse que uma das ocasiões acima referidas, em que a imagem do Doutor Franklin se apresentou, ele fixou firmemente os olhos da figura e neles pôde notar sua vivacidade e expressão características, e mesmo, a mudança dessa expressão, de conformidade com o que se estava passando. O brilho vivaz desses olhos, disse ele, produziu-me a convicção de ser o velho filósofo mesmo e não um outro, que ali se achava assentado à minha frente.

Por qual processo essa criação temporária (se é correto dizermos criação), se efetua, ainda não conhecemos, com certeza, e talvez não possamos conhecer, até que o aprendamos no outro mundo, com esses artistas espirituais.

O que nos parece justificado, como conjeturamos, é que há uma transpiração invisível [assista o vídeo Ectoplasma], no organismo humano, no de todos os seres, mas principalmente no corpo dos sensitivos espirituais, transpiração essa que os Espíritos podem condensar ou, por outra, modificar, de modo a produzir não somente o que apresenta aos sentidos humanos uma forma visível e tangível, mas ainda substâncias semelhantes às roupas terrenas e outros objetos inanimados. Parece que eles podem do mesmo modo produzir o que podemos chamar representações esculpidas de porções da figura humana, como mãos, partes de mão etc.

Lembremo-nos, porém, sempre de que a realidade de um fenômeno é independente da sua explicação.

Eu mesmo já tive uma oportunidade de testemunhar os fenômenos supramencionados.

 

Aparecimento, distintamente visível, de porções destacadas de uma figura humana

Na noite de 27 de julho de 1861, estive em casa do Senhor Underhill. A Senhora Underhill[4] propôs que em vez de efetuar ali a sessão, a transferíssemos para a residência de sua mãe, no n° 66 da Rua 46 West, a fim de que sua irmã Kate pudesse fazer parte do círculo. Assim o fizemos. Preparamo-nos para a sessão na sala inferior e notando que as portas não eram fechadas a chave, propus fôssemos para a sala superior, com o que todos concordaram.

Pelos golpezinhos, me disseram que fechasse as portas, o que fiz, pondo as chaves no bolso. Examinei com cuidado toda a sala, que não tinha armários nem lugar algum reservado. Depois, convidaram-nos a apagar o gás. Dentro de poucos minutos, ouvimos três ou quatro golpes violentos, como produzidos por pesada cachamorra[5] batendo na mesa. Seguiu-se um intervalo de quietação de uns quinze minutos, ao fim do qual apareceu, de súbito, entre a senhorita Kate e a Senhora Underhill, a figura de um ombro. A mão não era distinta, mas o braço era bem formado e parecia ser de mulher de proporções medianas, com o cotovelo dobrado e a parte inferior voltada para cima. Acima da figura havia uma luz, cujo ponto de emanação não era distinto e cuja claridade assemelhava-se à de uma lâmpada ou candeeiro. O braço se mostrava claramente a essa luz, do pulso até o ombro; mas os contornos não eram bem definidos, apresentando-se esbatidos, como se vê nas gravuras não coloridas. Desse braço pendia a manga que descia até cinco ou seis polegadas e assemelhava-se a uma gaze semitransparente. Braço e ombro se aproximaram, movendo-se por cima da mesa e passando pela frente da Senhora Underhill, até à distância de sete ou oito polegadas, balançando-se a manga com o movimento do braço. Aí se conservou cerca de um minuto; depois, desapareceu e reapareceu por três vezes, com intervalos de quatro a cinco minutos, de modo a podermos observá-lo com segurança, pois a luz, qualquer que fosse o seu ponto originário, se movia com a figura, aparecendo e desaparecendo com ela. Não pude distinguir cabeça nem rosto algum acima desse braço, mas, contíguo a ele, havia alguma coisa mal definida, que parecia a pequena porção de uma forma humana.

Depois de algum tempo, uma aparição luminosa mais brilhante que a primeira mostrou-se sobre a mesa e deteve-se a uma distância de quatro ou cinco polegadas da minha face Assemelhava-se a um cilindro iluminado do interior, com altura de cinco ou seis polegadas e o calibre aparentemente de uma polegada. Sobre ele viam-se alguns traços escuros. Por golpezinhos, disseram-nos : Cabelos.

Perguntei se me podiam tocar e logo ele moveu-se para frente e tocou-me na testa com uma certa distinção; o contato se assemelhava ao do cabelo humano. Depois de alguns minutos desapareceu. A descrição feita pelos outros assistentes sobre o que haviam visto, combinou perfeitamente com o que foi visto por mim.

Apenas levantou-se a sessão, examinei as portas e achei-as fechadas. A sala em que nos reunimos, convém lembrar, foi escolhida por mim mesmo.

Alguns anos depois, a 5 de maio de 1868, o Doutor Gray falando das sessões que tivera com o Senhor Livermore, me disse que em uma delas, apareceu sobre a mesa, diante de si, um cilindro com as dimensões do que eu vi; porém, mais felizes que eu, eles tiveram a oportunidade de segurá-lo. Parecia-me, disse o Doutor Gray, ser de cristal de rocha ou de algum outro material duro, perfeitamente transparente, e cheio de um fluido incandescente que luzia fracamente quando o cilindro repousava, porém que, quando agitado espargia uma luz muito brilhante. Enquanto o viram e examinaram, não havia na sala outra luz, além da que ele emitia. Por golpezinhos lhes foi dito que o cilindro era a luz empregada pelos Espíritos para iluminar suas efêmeras produções, sendo ela tão efêmera quanto estas.

Na mesma ocasião, o Doutor Gray afirmou-me que tinha visto uma mão isolada aparecer e desaparecer por quatro ou cinco vezes.

A princípio tinha a cor escura do bronze; depois, essa cor foi cada vez mais clareando, até que na última exibição o aspecto era o de mão caucásica.

Noutra ocasião, levaram-lhe os óculos e depois os restituíram.

Pediu-lhe mostrassem como o tinham feito, e, logo viu dois dedos imperfeitos, assemelhando-se quase a garras, presos a um pedaço de mão que aparecia na sombra. Eles pareciam animados ou, pelo menos, obedecendo a alguma vontade, porque, como tenazes vivas, segurar os óculos, levaram-nos, e depois trouxeram-nos. O Senhor Livermore notou, pelo tato, que esses dedos eram sólidos.

À pergunta do Doutor Gray sobre o motivo pelo qual não se mostrava toda a mão em vez dos dedos somente, responderam que muitos se assustariam ou sentiriam repugnância, à vista de uma formação amorfa.

Outra ocasião, uma massa que parecia de carne foi posta sobre o pé do Doutor Gray, que para essa experiência se tinha descalçado.

Deixada ali, a seu pedido, por algum tempo, ela tornou-se intoleravelmente quente e ele supõe mesmo que, se continuasse, queimá-lo-ia. Daí lhe veio a sugestão de haver sido o fósforo um dos ingredientes empregado: o que talvez explique as histórias de espectros segurando o pulso e as mãos de pessoas atemorizadas, deixando a impressão de dedos de fogo.

O Doutor Gray relatou-me uma observação ainda mais importante. Em uma das últimas ocasiões em que se apresentou a figura do Doutor Franklin, o rosto mostrou-se a princípio imperfeitamente formado, com um só olho, havendo no lugar do outro e do lado da face uma cavidade escura que lhe dava um aspecto horrendo. Contemplando-o, Kate Fox deu um grito de terror, causando a extinção temporária da luz que aclarava a figura.

Criança tola! - exclamou o Doutor, segurando-lhe as mãos. Não vês que estás interrompendo uma das mais interessantes experiências que se têm feito no mundo, a da gradual formação de uma aparição?

Essa apreciação filosófica do caso, acalmou gradualmente os nervos excitados de Kate e expeliu seus terrores supersticiosos, de modo que, quando depois de um intervalo de menos de cinco minutos, a face do sábio reapareceu com as suas feições perfeitas e a expressão de calma e bondade, foi ela a primeira que exclamou: Bonito! Isso deu-se em uma das últimas sessões a que o Doutor Gray assistiu. Em muitas ocasiões anteriores a essa, como ele mesmo informou, a face ainda que distintamente apresentada, parecia, às vezes, enrugada e como feita de massa de trigo; e outras vezes assemelhava-se à face de um cadáver. Omito outros detalhes e menores incidentes, pois tudo o que sabemos ainda nos não fornece uma base suficiente para estabelecer uma teoria a respeito do verdadeiro caráter e processo de formação das aparições. Não duvido que, mesmo neste mundo, possamos algum dia saber muito mais sobre essa matéria. Esses eidolas[6] parece tornarem-se gradualmente mais comuns e pode entrar nas vistas de Deus fazer que no futuro esses fenômenos sejam o fundamento de uma crença universal na imortalidade. Considero-o muito provável, pelo fato de nos tempos modernos o progresso moral e espiritual não acompanhar o intelectual e material. A capacidade mental ou física, porém, tem um valor duvidoso, se o elemento ético ou religioso lhe não der uma benéfica direção. Não vejo como um tal elemento civilizador se possa manifestar em pleno poder, prevalecer contra o erro e o vício e dominar a nossa raça, sem o auxílio, não de uma crença vaga, adotada em credos escritos, mas de uma viva, fume e ardente convicção, como a que fornece a evidência dos sentidos, da existência de um mundo melhor, onde todos os pensamentos e atos terrenos, por mais que aqui se ocultem, produzirão infalivelmente seus fritos, de modo que os sentimentos e os atos maus têm sempre como inevitável consequência às penas e sofrimentos, e os bons uma vida de venturas, que ainda não nos é dado conceber.



[1] Região em Litígio – entre este mundo e o outro – Robert Dale Owen - FEB

[2] Acredita-se ter sido discípulo de Pedro, e foi bispo de Antióquia por volta do ano 70. Sofreu o martírio ao tempo de Trajano, em idade avançada, no ano 107.

[3] Chamo Espírito à alma presa ao corpo espiritual.

[4] Liah Fox, uma das irmãs Fox.

[5]  Pedaço cilíndrico de madeira que serve de arma. = CACETE, CACHAPORRA, CACHEIRA (Portugal).

 

 

[6] Eidola é uma palavra que se relaciona com a teoria sobre a visão criada pelo filósofo Leucipo de Mileto, que viveu em meados de 500 anos antes de Cristo. O significado de eidola é um tipo de partícula hipotética de sua teoria. Ele acreditava que todos os objetos realizassem a emissão de partículas (as eidolas), e essas partículas é que continham as informações absorvidas pelos olhos humanos, que faziam as pessoas enxergar as cores e as formas. https://brainly.com.br/tarefa/3652516#readmore

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