Jane Maiolo
E ele lhes disse: Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre
vós, e por que estais tristes?
Lucas 24:17
Realmente, atingíramos um
momento singular na história da sociedade contemporânea. Todos temos vozes.
O homem do século 21, além de
portador da voz, tem pressa. Tem desejos. Tem anseios. Tem sentimentos
contraditórios que o promove a um status de “ser” singular, ativo,
participativo, atuante e conectado. Entretanto, é notável que falamos demais e
não dizemos nada. Opinamos a respeito de tudo e não fundamentamos nossos
argumentos. Damos publicidade de nossos atos, gostos e opções, como se fôssemos
celebridades, porém, somos incógnitos.
De tanto falar, quase não nos
escutamos, afinal, barulho demais incita-nos à irritabilidade. Estamos no ponto
alto para um colapso no campo das relações sociais, sobejamente virtuais.
Na contramão desse ambíguo
comportamento social contemporâneo sabemos que existem realidades e situações
que precisariam ter sido denunciadas, escancaradas, divulgadas, todavia, o
silêncio fez-se e, ainda se faz presente, abundante e sádico.
A pedagogia do silêncio é
prática comum e recomendada em muitos ambientes, principalmente religiosos. O
silêncio, egóico, não é nunca foi ou será salutar. De tanto silenciar, as
pessoas desistem dos sonhos, das lutas, das realizações, dos ideais e perdem-se
em suas noites mudas e cruciantes. Enfraquecem-se.
Numa ocasião ou noutra,
defende-se o pressuposto mandatório do jargão: “O silêncio é uma prece”. Urge,
porém, uma reflexão: a pedagogia do silêncio infligido interessa a quem e para
quê?
De tanto emudecer, o homem de
bem jaz sem voz, taciturno, abatido e invisível. De tanto silenciar, fatos como
“O Horror de Abadiânia”, perpetuaram-se, sob inúmeras vistas e empedrados
lábios. Pela prática do silêncio, muitas instituições submetem-se a dirigentes
manipuladores e dirigidos mudos. De tanto silenciar, o homem adoece, somatiza
traumas, cristaliza emoções, materializa a enfermidade e extenua a vida física
até a morte.
A proposta terapêutica do Ancestral
Amigo é contemporânea: “Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre
vós, e por que estais tristes?”.
É importante, nas horas
apropriadas, dispormos de ombros amigos para verbalizarmos nossas
contrariedades, angústias, tristezas e insatisfações. Nós que sabemos articular
a voz, precisamos aprender a expressar nossas emoções, senão adoeceremos por
intoxicações afásicas. Nossas angústias precisam ser verbalizadas, caso
contrário não haverá cura!
Jesus, nas anotações de Lucas,
na passagem contida no capítulo 24, versículo 17, intitulado A caminho de
Emaús, posiciona-se como o Sublime Terapeuta, aquele que extrairia da boca dos
discípulos as angústias, fazendo-os falar e, posteriormente, consolando-os e
libertando-os de tais sentimentos.
É tempo de falar, é tempo de
curar, fale daquilo que te magoou, que te sufocou, que te oprimiu, visto que,
quando não encontramos palavras para aparelhar nosso anseio, possivelmente,
caminharemos para adoecer, pois a tristeza realimentada não é boa conselheira.
É a cronificação da tristeza que extingue toda a configuração de vida e o
alento que há nas criaturas. É a tristeza mórbida e continuada que nos mata.
Não estamos mencionando aqui sobre as eventuais tristezas, ou seja, as
temporárias, que todos experimentamos.
É inegável que existe em nós uma
intensa, constante e vigorosa atividade inconsciente. Calar as angústias não
significa que essas foram assentadas, porém, sabemos hoje que, nossas memórias
são arquivos das experiências que se alojam nas estratificações da consciência,
movimentando-nos fluxos e refluxos de emersões e submersões determinando nossas
escolhas.
Que saibamos dar vozes as nossas
reais percepções e optemos por construir uma consciência mais lúcida para
espelhar as nossas reais necessidades ante os desafios da vida.
Fonte: Agenda Espírita
Brasil
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