quarta-feira, 6 de março de 2019

O Despertar do Princípio Inteligente[1]





Paulo Henrique Figueiredo

O Espiritismo explica como tudo se encadeia no universo, desde o átomo até o arcanjo. A variedade infinita dos seres forma uma imensa escala em completa harmonia. Charles Darwin chocou o mundo, em 1859, ao publicar a primeira edição de A Origem das Espécies. Nela, Darwin demonstrou que a origem da espécie humana está na evolução de um simples ser unicelular.
Assim como Copérnico, Galileu e Giordano Bruno, Darwin foi acusado de charlatanismo. Mas sua pesquisa se comprovou através de fósseis e estudos mais aprofundados. Estava desvendada a origem do corpo humano como animal que desenvolveu a razão. Mas ainda restava um grande enigma. Faltava explicar a origem da alma racional, a qual dá a vida ao último elo de animalidade na Terra. A filosofia espírita diverge da doutrina da criação da alma no instante do nascimento, defendida pela concepção dogmática. A pré-existência da alma é uma consequência natural do princípio básico da reencarnação. Mas se, num exercício de imaginação, recuarmos no passado de um espírito até sua primeira encarnação na humanidade, o que ele era antes disso? Qual sua origem, seu momento inicial?
“Como foi que se completou essa gênese da alma? Por quais metamorfoses terá passado o princípio inteligente antes de atingir a humanidade?”, questionou Gabriel Dellane, no livro Evolução Anímica. De acordo com a doutrina espírita, iniciada dois anos antes da publicação do trabalho de Darwin, o espírito não entra para a sua fase de desenvolvimento na humanidade sem antes passar pelos reinos inferiores da criação.

A Jornada
Do mineral à planta da planta ao animal, do animal ao homem, do homem aos espíritos superiores. O princípio inteligente vai despertando todas as suas potencialidades no decorrer de suas experiências na matéria.
A expressão de Léon Denis, o continuador de Kardec, define poeticamente essa ascensão: “A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e desperta no homem”.
O princípio inteligente não é influenciado pelo tempo em sua caminhada. Ao iniciar sua jornada, num aprendizado contínuo, ele domina a estabilidade e a simetria do mineral. O cristal, acredita Gabriel Dellane, está situado entre dois reinos. “É quase um ser vivente, visto que difere completamente da matéria amorfa, tendo as moléculas orientadas por uma ordem geométrica fixa. Portanto, uma tal individualidade”.  Em seguida, numa lenta transição caminha para as primeiras estruturas básicas da vida nos simples vírus e nos seres unicelulares. Em sua passagem pelas espécies vegetais, domina os princípios do momento, da reprodução, sente o passar da seiva que lhe garante vida orgânica. A vida animal oferece incontáveis circunstâncias de aprendizado, e, nos diversos orbes do universo, desperta os embriões dos sentimentos que um dia vão guiar sua existência humana. “Tudo se encadeia na Natureza por liames que não podeis ainda perceber, e as coisas aparentemente mais disparatadas têm pontos de contato que o homem jamais chegará a compreender, no seu estado atual[2]”. Um lanço invisível une todos universos e todas almas, em todos os tempos. As formas e os seres, desde as menores partículas até as maiores inteligências, trazem em si um princípio espiritual imortal que lhe sustentam as individualidades. Esse princípio estrutura a matéria esparsa pelo espaço infinito. Sem o princípio inteligente a matéria será algo “inerte, sem objetivo, sem inteligência, sem outro motor além das forças materiais. Ficaria dispersa no espaço cósmico, pois ela não é dotada de impulso para se organizar por si. Nem a estrutura atômica, assim, chegaria a existir”, afirma Allan Kardec, em A Gênese.
Esse sistema foi anteriormente desenvolvido pelo filósofo alemão Leibniz, em sua teoria das mônadas. “As mônadas seriam partículas infinitesimais do pensamento divino que, como as sementes, trazem em si mesmas o plano secreto daquilo que vai ser criado”, explicou Herculano Pires na obra Curso Dinâmico de Espiritismo.

Humanização
Depois dessa passagem da alma pelos reinos inferiores da natureza, num dado momento concebido por Deus, o princípio inteligente torna-se espírito. Recebe então “a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos[3]”.
Desperta para o mundo espiritual e, a cada vez que deixa um corpo físico no fenômeno da morte, permanece lúcido, no plano espiritual, iniciando sua gradual evolução, agora consciente, sem perda de continuidade.
A alma imortal está, então, mergulhada no espaço e no tempo. Conhecedora de seus destinos, olha para o infinito acima de sua fronte e almeja as conquistas da razão e do sentimento. Inicia essa nova fase, simples e ignorante, mas com o potencial de todas as qualidades e capacidades contidas na centelha de sua alma.
A sua caminhada evolutiva passa a ser conduzida por sua própria vontade e livre-arbítrio, transcorrer das reencarnações educativas.
A partir desse instante, o homem se insere na humanidade. Estágio no qual sua adaptação às leis naturais se dá pelo exercício pleno de sua liberdade, de acordo com os planos traçados pelo Criador. Todos possuímos as fontes ocultas das capacidades, dons, virtudes e potências infindáveis em nosso íntimo. Os trabalhos da alma nos reinos da natureza despertaram esse potencial. O homem precisa acordar a justiça presente em sua consciência, o gérmen das leis divinas presente em todas as almas. Mesmo as mais persistentes no mal. Fará isso por meio da solidariedade, a conquista coletiva daqueles que expressam o amor em suas ações.
Ao estudar a si mesmo, o homem encontra os recursos necessários para remover qualquer sombra das paixões que momentaneamente, o desviam de seu inevitável e sublime destino.
Mas a caminhada da alma, a partir da ínfima partícula, não termina em sua fase hominal. A atual condição no planeta não é a final. Sem pressa, contudo evoluindo, o homem ascende para a angelitude. Numa síntese, os espíritos afirmam:
É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na natureza desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode aprender em seu conjunto.

Conclusão
Numa terceira fase de seu desenvolvimento, o espírito, consciente de sua capacidade e de seus desígnios, age como co-criador da obra de Deus. Liberto de todo egoísmo e orgulho desprendido da matéria bruta pode habitar os mundos superiores. Trabalha para o estabelecimento da harmonia universal ao orientar seus inferiores.
Oportunamente, seu desenvolvimento atinge tal grau que a reencarnação não lhe é mais necessária. Passa a fazer uso de suas conquistas trabalhando nas falanges do bem, com bondade, justiça e sabedoria.
Na medida em que desenvolve suas potencialidades, suas faculdades e seus sentimentos, o espírito se torna cada vez mais apto para agir no Plano da Criação, na condição de co-criador, até atingir seu grau superlativo, onde a vida se desdobra em nuanças inimagináveis. Dando maior vazão à sua característica fundamental de agente transformador, o espírito superior afina-se convenientemente ao pensamento e à vontade de Deus.

Passa à direção de mundos, de sistemas estelares e de conjunto galácticos, polvilhados ao infinito no espaço sem fim. E, ainda, ostenta o tipo de perfeição ideal ao progresso de uma humanidade, afirma Manuel O. Portásio, na obra Deus, Espírito e Matéria.





[1] Universo Espírita, nº 4.
[2] O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
[3] O Livro dos Espíritos – Allan Kardec

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