Conhecemos pessoalmente uma
senhora, médium dotada de notável faculdade tiptológica: obtém facilmente e, o
que é bastante raro, quase constantemente, coisas de precisão, como nome de
lugares e de pessoas em diversas línguas, datas e fatos particulares, em
presença dos quais a incredulidade foi confundida mais de uma vez.
Essa senhora, inteiramente
devotada à causa do Espiritismo, consagra todo o tempo disponível ao exercício
de sua faculdade, com o objetivo de propaganda, e isto com um desinteresse
tanto mais louvável quanto a sua posição de fortuna chega muito perto da
mediocridade. Como o Espiritismo, para ela, é uma coisa séria, começa sempre
por uma prece, dita com o maior recolhimento, para atrair o concurso dos
Espíritos bons, rogar a Deus que afaste os maus, e termina assim: Se eu for tentada a abusar, seja no que for,
da faculdade que Deus houve por bem me conceder, peço-lhe que ma retire, antes
que seja desviada de seu objetivo providencial.
Certo dia, um rico estrangeiro –
foi ele mesmo que nos narrou o fato – procurou essa senhora para lhe pedir que
desse uma comunicação. Ele não tinha a menor noção do Espiritismo e ainda menos
a crença. Pondo a carteira sobre a mesa, disse-lhe: Senhora, eis aqui dez mil francos que vos dou, se disserdes o nome da
pessoa em quem estou pensando. Basta isto para mostrar aonde chegava o seu
conhecimento da doutrina. A respeito, fez-lhe a médium observações que todo
espírita verdadeiro faria em semelhante caso. Mesmo assim, tentou, mas nada
obteve. Ora, logo depois da partida desse senhor ela recebeu, para outras
pessoas, comunicações muito mais difíceis e complicadas do que a que ele lhe
havia pedido.
Para esse senhor o fato deveria
ser, conforme lhe dissemos, uma prova da sinceridade e da boa-fé da médium,
porque os charlatães sempre têm recursos à sua disposição, quando se trata de
ganhar dinheiro. Mas do fato resultam vários ensinamentos de outra gravidade.
Os Espíritos quiseram provar-lhe que não é com dinheiro que os fazem falar,
quando não querem; além disso, provaram que se não tinham respondido à
pergunta, não fora por impossibilidade da parte deles, já que disseram, depois,
coisas mais difíceis a pessoas que nada ofereciam. A lição era maior ainda para
o médium; era demonstrar-lhe sua absoluta impotência sem o concurso deles e lhe
ensinar a humildade, porque, se os Espíritos tivessem estado às suas ordens, se
bastasse a sua vontade para fazê-los falar, era o caso de exercer o poder agora
ou jamais.
Eis aí uma prova manifesta em
apoio do que dissemos na Revista Espírita
de fevereiro último, a propósito do Sr. Home, sobre a impossibilidade em que se
acham os médiuns de contar com uma faculdade que poderia faltar-lhes no momento
em que lhes fosse necessária. Aquele que possui um talento e que o explora está
sempre certo de tê-lo à sua disposição, porque é inerente à sua pessoa; mas a
mediunidade não é um talento; só existe pelo concurso de terceiros; se esses
terceiros se recusam, não há mais mediunidade. A aptidão pode subsistir, mas o
seu exercício está anulado. Um médium sem a assistência dos Espíritos é como um
violinista sem violino.
O senhor em questão admirou-se
que, tendo vindo para se convencer, os Espíritos não se tivessem prestado para
tanto; a isto lhe respondemos que, se pode ser convencido, sê-lo-á por outros
meios, que nada lhe custarão. Os Espíritos não quiseram que ele pudesse dizer
que fora convencido a peso de ouro, porque se o ouro fosse necessário para
convencer, o que fariam os que não podem pagar? É para que a crença possa
penetrar nos mais humildes redutos que a mediunidade não é um privilégio;
acha-se em toda parte, a fim de que todos, pobres e ricos, possam ter a consolação
de se comunicar com os parentes e amigos do além-túmulo.
Os Espíritos não quiseram que
ele fosse convencido dessa maneira, porque o barulho que isto tivesse provocado
teria falseado sua própria opinião e a de seus amigos quanto ao caráter essencialmente
moral e religioso do Espiritismo. Eles não o quiseram no interesse do médium e
dos médiuns em geral, cuja cupidez esse resultado teria superexcitado,
porquanto diriam que se tiveram êxito naquela circunstância, podiam tê-lo
igualmente em outras. Não é a primeira vez que foram feitas ofertas
semelhantes, que prêmios são oferecidos, mas sempre sem sucesso, levando-se em
conta que os Espíritos não dão o seu concurso nem se entregam a quem paga
melhor.
Se essa senhora tivesse tido
êxito, teria aceitado ou recusado? Ignoramos, porque dez mil francos são
bastante sedutores, sobretudo em certas posições. Em todo o caso, a tentação
foi grande. E quem sabe se a recusa não teria sido seguida de um pesar, que lhe
tivesse atenuado o mérito? Notemos que, em sua prece, ela pede a Deus que lhe
retire sua faculdade antes que seja tentada a desviá-la de seu objetivo
providencial. Pois bem! Sua prece foi atendida; a mediunidade lhe foi retirada
para esse caso especial, a fim de lhe poupar o perigo da tentação e todas as consequências
lamentáveis que se lhe teriam seguido, primeiro para ela própria, e depois pelo
efeito deletério que isto teria produzido.
Mas não é só contra a cupidez
que os médiuns devem resguardar-se. Como os há em todas as camadas da
sociedade, a maioria está acima desta tentação; mas há um perigo muito maior, pois
a ele todos estão expostos: o orgulho, que põe a perder tão grande número. É
contra esse escolho que as mais belas faculdades muitas vezes vêm aniquilar-se.
O desinteresse material não tem proveito se não for acompanhado pelo mais
completo desinteresse moral. Humildade, devotamento, desinteresse e abnegação são as qualidades do médium amado pelos
Espíritos bons.
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