Richard Simonetti
O ditado popular “O homem propõe
e Deus dispõe” pode ser aplicado a penosos processos obsessivos, sustentados
por recíproca animosidade.
Ainda que os obstinados
adversários pretendam loucamente continuar a se agredir um ao outro, tais
vendetas contrariam os princípios de harmonia que sustentam o Universo.
O ódio é a negação do Amor, lei
suprema de Deus.
Infalivelmente, sempre chega o
momento de mudar.
As bênçãos do tempo acabam por
esgotar o fel de seus corações. Exaustos de tantos rancores, sedentos de paz,
os “duelistas” acabam por desejar ardentemente uma trégua, uma possibilidade de
renovar seus caminhos.
E um dia, após longo sono,
ei-los reencarnados nas experiências em comum, ligados agora por laços de consanguinidade.
Ontem inimigos, hoje irmãos.
Ontem verdugo e vítima, hoje pai
e filho.
Ontem obsessor e obsidiado, hoje
marido e mulher.
Assim a Justiça Divina exige a
reparação.
Assim a Divina Misericórdia
promove a reconciliação.
Assim a Sabedoria do Eterno
transforma o ódio em amor.
É uma metamorfose difícil,
sofrida, porquanto, embora as bênçãos do esquecimento e os elos familiares,
eles conservam, inconscientemente, indelével ressentimento.
Daí a ausência de afinidade, a
dificuldade de relacionamento, a mágoa indefinível, a animosidade e, não raro,
a aversão que experimentam entre si.
Para os mais esclarecidos isso
tudo é motivo de aflitivos padecimentos, em duras experiências que somente à
custa de abnegação e sacrifício poderão vencer.
É como se enxergasse nele um
velho perseguidor disfarçado, uma ameaça.
A convivência com
minha mãe é complicada.
Nutro por ela sentimentos contraditórios de amor filial e
rancor figadal que revolve minhas entranhas.
Brigamos eu e meu
irmão como gato e cachorro. Quando adolescentes era até natural.
Agora que somos adultos é inexplicável. Ao menor
desentendimento sinto-me possuído de ódio por ele, tentado a ofendê-lo e
agredi-lo.
Até hoje não sei
como casei com minha mulher. Uma atração física irresistível talvez, mas foi
só. Passado o fogo da paixão, resta invencível animosidade. Simplesmente não
nos entendemos.
Vivemos às turras, com intermináveis cobranças. Uma
situação insustentável.
Amo extremadamente
meu filho mais novo.
Quanto ao mais velho, não há nenhuma afinidade entre nós.
Ele me desrespeita e eu não consigo ser carinhosa com ele. Há momentos em que
me parece um estranho. É recíproco. Ele simplesmente me ignora.
Parece sadismo de Deus promover
esses “desencontros” no lar para que as pessoas vivam a brigar.
Tais problemas, entretanto,
relacionam se muito mais com a ausência de compreensão, tolerância e respeito
no presente e muito menos à presença de inimigos do passado.
Embora se trate de uma situação
desconfortável e complicada, é preciso lutar pelo pleno aproveitamento da
experiência. Não podemos perder a oportunidade de corrigir os desvios de ontem,
habilitando-nos a transitar amanhã com maior conforto e segurança pelos
caminhos da Vida.
Imperioso não esquecer, em
relação aos nossos desafetos do pretérito, transvestidos possivelmente em
familiares de convivência difícil, que as lições serão repetidas tantas vezes
quantas forem necessárias, até aprendermos todos que somos irmãos.
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