Todos podem aperceber-se da
grande importância teórica dos casos de que nos vamos ocupar. Se chegássemos a
recolher-lhes um número suficiente, representariam preciosa contribuição em
favor da tese espiritualista. Essa possibilidade está, entretanto, ainda bem
longe; os fatos em questão são dos mais raros; isso não pode espantar, dadas as
condições excepcionais que são necessárias para que eles se possam produzir.
Caso 55 – O caso seguinte, que tiro do vol. V, pág, 422, dos
Proceedings of the S. P. R[2].,
é também o único que conheço.
Agosto, 1886. No
sábado, 24 de outubro de 1868, despedimo-nos de nossos amigos (os Marqueses de
Lys) – com os quais permanecêramos em Malvern Well –, para irmos a Cheltenham,
residência de um cunhado de meu marido, Georges Copeland.
Desde algum tempo já
este estava doente, em consequência de um ataque de paralisia, que o havia
reduzido à imobilidade, ficando, no entanto, perfeitamente sãs suas faculdades
mentais.
Esta última
circunstância fazia que seus amigos ficassem perto do doente, a fim de
adoçar-lhe a desventura, tanto quanto possível.
Aproveitando a pouca
distância que nos separava, resolvemos, por nossa vez, fazer outro tanto.
Fomos, porém, informados de que o doente já tinha outras pessoas em sua casa;
decidimos, então, ir para Cheltenham, sem o prevenir, a fim de alugar um
apartamento, antes que ele no-lo impedisse de fazer, por um convite.
Tomamos vários
quartos situados na vizinhança da habitação de Copeland.
Feito isso,
estávamos prontos para nos ausentar do hotel, quando muitos frascos de
remédios, dispostos em uma mesa, atraíram o nosso olhar. Perguntamos se havia
doentes na casa e nos informaram que certa Sra. R..., hóspede no hotel com sua
filha, estava doente desde algum tempo; era coisa de pouca importância e não
havia perigo. Depois dessa ocasião não pensamos mais no assunto.
Logo após fomos à
casa de Copeland e, no correr da tarde, veio a pronunciar-se o nome dos nossos
vizinhos de hotel. Copeland disse, então, que conhecia a Sra. R...; explicou
que ela era viúva de um doutor, ex-clínico em Cheltenham, e que uma de suas
filhas se casara com um professor de colégio, um certo Sr. V... Lembrei-me
então de ter conhecido a Sra. V... por ocasião de uma recepção em casa do Dr.
Barry, e ter nela feito reparo por causa de sua grande beleza, enquanto ela
conversava com a dona da casa. Era tudo o que eu sabia a respeito dessas
senhoras.
Na manhã de domingo,
à hora do almoço, observei que meu marido parecia preocupado. Terminado que foi
o repasto, perguntou-me ele:
– Ouviste arrastar
uma cadeira, há pouco? A velha que mora embaixo morreu na própria cadeira, esta
noite; arrastaram esse móvel, trouxeram-na para o quarto.
Fiquei muito
impressionada; era a primeira vez que me encontrava nas proximidades de um
cadáver; desejei, pois, mudar sem demora, de apartamento. Muitos de nossos amigos,
sabendo do fato, nos tinham gentilmente oferecido hospitalidade; mas meu marido
se opusera, lembrando que uma mudança é sempre um aborrecimento, que meus terrores
eram tolos, que ele não achava nenhum prazer em deslocar-se num dia de domingo,
que não era generoso partir porque uma pessoa havia morrido e que, enfim, se
assim procedessem para conosco, não nos deixaríamos de aborrecer.
Em suma, tivemos que
ficar.
Passei o dia em companhia
do cunhado e das sobrinhas e só voltamos ao hotel à hora de ir para a cama.
Depois de haver
adormecido, acordei de repente, como de hábito, alta noite, sem causa aparente
e vi distintamente, ao pé da cama, um velho fidalgo, de rosto gordo, rosado e
sorridente, com um chapéu na mão.
Estava vestido com
um casaco azul-celeste, de talhe antigo, guarnecido de botões de metal; tinha
um colete claro e calças da mesma cor.
Quanto mais o
encarava, melhor lhe discernia os menores detalhes do rosto e das vestes.
Não me senti muito
impressionada; depois de algum tempo ensaiei fechar os olhos durante um ou dois
minutos; quando os reabri, o velho fidalgo tinha desaparecido.
Dormi algum tempo
depois. Vindo a manhã, propus-me nada dizer a ninguém do que me tinha acontecido,
até que tivesse visto uma de minhas sobrinhas, à qual queria expor o fato, a
fim de saber se, por acaso, não haveria nenhuma semelhança entre o Dr. R... e o
fidalgo da minha visão. Apesar de me parecer absurda essa ideia, queria
certificar-me.
Encontrei minha
sobrinha, Maria Copeland (hoje Senhora Brandling), de volta da igreja, e logo
lhe perguntei:
– O Dr. R... não
tinha o aspecto de velho fidalgo, de rosto cheio, rosado e sorridente etc.
etc.?...
Ela estremeceu de
espanto.
– Quem te disse? –
perguntou – Nós dizíamos, de fato, que ele se assemelhava mais a um bom feitor
de fazenda do que a um doutor. Como é estranho que um homem de aspecto tão
vulgar tivesse por filha tão bela criatura!
Tal é a narrativa
rigorosamente exata do que me aconteceu. Minhas duas sobrinhas estão ainda
vivas e devem lembrar-se exatamente de tudo isso. Naturalmente, não estou em
condições de explicar o fato. O corpo da velha senhora jazia no quarto que
ficava imediatamente abaixo do nosso.
O que me surpreende,
sobretudo, é que eu tivesse ficado tão pouco impressionada e que pudesse dormir
alguns instantes depois, sem incomodar ninguém. (Assinado: D. Bacus)
O marido da Senhora Bacus confirma o acontecimento:
Leamington, 27 de
setembro de 1886.
Li a narração de minha
mulher a respeito do que sucedeu em Cheltenham, quando nós aí estivemos em
1868. Ela responde exatamente ao que minha mulher contou de viva voz, na manhã
que se seguiu ao fato do qual perfeitamente me recordo. Também me lembro de que
nessa manhã mesma ela contou todos os detalhes do acontecimento à sua sobrinha.
(Assinado: Henry Bacchus)
Para mais amplos detalhes e
outros testemunhos, envio o leitor aos Proceedings, no lugar citado.
No fato que precede, o detalhe
mais importante, sob o ponto de vista teórico, é o da declaração da percipiente
de não ter nunca conhecido e não haver tido nunca ideia do aspecto do defunto
Dr. R... – o que levaria a admitir a realidade objetiva da aparição, afastando
a hipótese de um fenômeno de autossugestão alucinatória provocada na Sra.
Bacchus pelo pensamento desagradável de ter perto de si o cadáver da Senhora
R...; salvo se se quiser encontrar a causa da visão num fenômeno de transmissão
de pensamento, vindo da filha da Sra. R..., pensamento que podia estar voltado
para a recordação do pai, ou bem a transmissão de uma imagem análoga percebida
em sonho pela mesma pessoa – interpretação que não é preciso rejeitar, porque
ela parece assaz gratuita.
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