Os fenômenos pelos quais os
Espíritos podem manifestar sua presença são de duas naturezas, que se designam
pelos nomes de manifestações físicas e manifestações inteligentes.
Pelas primeiras, os Espíritos
atestam sua ação sobre a matéria; pelas segundas, revelam um pensamento mais ou
menos elevado, conforme seu grau de depuração. Umas e outras podem ser espontâneas
ou provocadas. São provocadas quando solicitadas pelo desejo e obtidas com o
auxílio de pessoas dotadas de uma aptidão especial, isto é, dos médiuns. São
espontâneas quando ocorrem naturalmente, sem nenhuma participação da vontade e,
muitas vezes, na ausência de qualquer conhecimento e mesmo de qualquer crença
espírita. É a esta ordem que pertencem certos fenômenos que não podem ser
explicados pelas causas físicas ordinárias. Entretanto, não nos devemos
apressar, como já temos dito, em atribuir aos Espíritos tudo quanto é insólito
e não se compreende. Nunca insistiríamos demais neste ponto, a fim de nos precavermos
contra os efeitos da imaginação e, muitas vezes, do medo.
Repetimos:
Quando um fenômeno
extraordinário se produz, o primeiro pensamento deve ser o de que tenha uma
causa natural, por ser a mais frequente e a mais provável; tais são, sobretudo,
os ruídos e mesmo certos movimentos de objetos. O que se precisa fazer, neste
caso, é buscar a causa, sendo provável que a encontremos muito simples e muito
vulgar.
Dizemos mais:
O verdadeiro e, por
assim dizer, único sinal de intervenção dos Espíritos é o caráter intencional e
inteligente do efeito produzido, quando a impossibilidade de uma intervenção
humana esteja perfeitamente demonstrada. Nessas condições, raciocinando
conforme o axioma de que todo efeito tem uma causa, e que todo efeito
inteligente deve ter uma causa inteligente, torna-se evidente que, se a causa
não estiver nos agentes ordinários dos efeitos materiais, estará fora desses
mesmos agentes; que se a inteligência que age não for humana, é preciso que se encontre
fora da Humanidade. Haverá, então, inteligências extrahumanas?
Isso parece provável. Se certas
coisas não são e não podem ser obra dos homens, devem ser obra de alguém. Ora,
se esse alguém não for um homem, parece que, necessariamente, deve estar fora
da Humanidade; se não o vemos deve ser invisível. É um raciocínio tão
peremptório e de tão fácil compreensão quanto o do Sr. de La Palisse.
Quais são, então, essas
inteligências? Anjos ou demônios? E de que modo inteligências invisíveis podem
agir sobre a matéria visível?
– É o que sabem perfeitamente
aqueles que se aprofundaram na ciência espírita, ciência que, como as outras,
não é aprendida num piscar de olhos, nem pode ser resumida em algumas linhas.
Aos que fazem tal pergunta, diremos apenas isto: Como o vosso pensamento, que é
imaterial, move à vontade o vosso corpo, que é material? Acreditamos que eles
não se embaraçarão na solução deste problema e que, se rejeitarem a explicação
dada pelo Espiritismo desse fenômeno tão vulgar, é que têm outra muito mais
lógica a opor. Mas até agora não a conhecemos.
Vamos aos fatos que motivaram
estas observações.
Vários jornais, entre outros o
Opinion Nationale, de 14 de fevereiro último, e o Journal de Rouen, de 12 do
mesmo mês, relatam o seguinte fato, conforme o Vigie de Dieppe. Eis o artigo do
Journal de Rouen:
O Vigie de Dieppe
publica a seguinte carta, de seu correspondente de Grandes-Ventes. Em nosso
número de sexta feira já assinalamos uma parte dos fatos hoje relatados neste
jornal; mas a emoção provocada na comuna por esses extraordinários acontecimentos
nos leva a dar novos detalhes, contidos nesta correspondência.
Hoje sorrimos das histórias mais ou menos
fantásticas dos velhos tempos que se foram, não desfrutando os pretensos feiticeiros
da atualidade de grande veneração. Não são mais acreditados em Grandes-Ventes
que alhures. Contudo, nossos velhos preconceitos ainda têm alguns adeptos entre
os aldeões, de modo que a cena verdadeiramente extraordinária, que acabamos de testemunhar,
é bem adequada para fortalecer a sua crença supersticiosa.
Ontem pela manhã, o
Sr. Goubert, um dos padeiros da nossa vila, seu pai, que lhe serve de operário,
e um jovem aprendiz de dezesseis a dezessete anos, iam começar o trabalho rotineiro,
quando perceberam que vários objetos deixavam espontaneamente seu lugar para se
lançarem na masseira. Tiveram, assim, que refugar sucessivamente a farinha que
trabalhavam, vários pedaços de carvão, dois pesos de tamanhos diversos, um cachimbo
e uma vela. Apesar de sua extrema surpresa, continuaram a tarefa e tinham
chegado a virar o pão, quando, de repente, uma porção de massa de dois quilos,
escapando das mãos do jovem auxiliar, foi lançada a alguns metros de distância.
Isto foi o prelúdio e como que a senha da mais estranha desordem. Então eram
cerca de nove horas e, até o meio-dia, foi positivamente impossível ficar no
forno e no aposento vizinho. Tudo foi posto em grande desordem, derrubado e
quebrado. Os pães, atirados no meio da sala com as pranchas que lhes serviam de
base, entre restos de toda sorte, foram completamente perdidos. Mais de trinta
garrafas repletas de vinho quebraram-se sucessivamente e, enquanto o bolinete
da cisterna rodava sozinho com extrema velocidade, as brasas, as pás, os
cavaletes e os pesos saltavam no ar e executavam as mais diabólicas evoluções.
Em torno do meio-dia
o tumulto cessou pouco a pouco e, algumas horas depois, quando tudo entrou em
ordem e os utensílios repostos em seus lugares, o chefe da casa pôde retomar os
trabalhos habituais.
Este bizarro
acontecimento causou ao Sr. Goubert um prejuízo de no mínimo 100 francos.
A este mesmo relato o Opinion
Nationale acrescenta as seguintes reflexões:
Reproduzindo esta
história singular, seria uma injúria aos nossos leitores preveni-los contra os
fatos sobrenaturais que ela relata. Sabemos perfeitamente não se tratar de uma
história do nosso tempo e que poderá escandalizar alguns dos doutos leitores do
Vigie. No entanto, por mais inverossímil que pareça, não é menos verdadeira e,
se necessário, cem pessoas poderão certificar-lhe a exatidão.
Confessamos não compreender bem
as reflexões do jornalista, que parece contradizer-se. Por um lado, diz aos
leitores que se previnam contra os fatos sobrenaturais que a carta relata, e
termina dizendo que “por mais inverossímil que pareça, essa história não é menos
verdadeira e, se necessário, cem pessoas poderiam certificar-lhe a exatidão”.
De duas, uma: ou é verdadeira, ou é falsa. Se falsa, tudo está dito; mas se é
verdadeira, como atesta o Opinion Nationale, o fato revela uma coisa muito grave
para ser tratada um tanto levianamente. Ponhamos de lado a questão dos
Espíritos e nela não vejamos senão um fenômeno físico. Não é bastante
extraordinária para merecer a atenção de observadores sérios? Que, pois, os sábios
se ponham à obra e, perscrutando os arquivos da Ciência, nos deem uma
explicação racional, irrefutável, apontando a razão de todas as circunstâncias.
Se não o podem, somos obrigados a admitir que não conhecem todos os segredos da
Natureza. E se apenas a ciência espírita dá a solução, é preciso optar entre a
teoria que explica e a que nada explica.
Quando fatos desta natureza são
relatados, nosso primeiro cuidado, antes mesmo de inquirir da realidade, é o de
examinar se são ou não possíveis, conforme o que conhecemos da teoria das manifestações
espíritas. Citamos alguns, demonstrando-lhes a absoluta impossibilidade,
notadamente a história que narramos no número de fevereiro de 1859, segundo o Journal
des Débats, sob o título de Meu amigo Hermann, à qual certos pontos da Doutrina
Espírita poderiam ter dado uma aparência de probabilidade. Sob este ponto de
vista, os fenômenos que se passaram com o padeiro dos arredores de Dieppe nada
têm de mais extraordinário que muitos outros, perfeitamente verificados, cuja solução
completa é dada pela ciência espírita. Aos nossos olhos, portanto, se o fato
não fosse verdadeiro, seria possível. Pedimos a um de nossos correspondentes de
Dieppe, em quem temos plena confiança, que verificasse a realidade do fato. Eis
o que nos responde:
Hoje posso vos dar todas
as informações que desejais, pois me informei em boa fonte. O relato do Vigie é
a exata verdade; inútil relatar todos os fatos. Parece que vários homens de
ciência vieram de muito longe para se darem conta desses fatos extraordinários,
que não poderão explicar se não tiverem nenhuma noção da ciência espírita.
Quanto aos nossos camponeses, estão confusos. Uns dizem que são feiticeiros;
outros, que é porque o cemitério mudou de lugar e sobre o antigo sítio fizeram construções;
e os espertalhões, que passam entre os seus por tudo saber, sobretudo se são
militares, terminam dizendo: “Palavra de honra! Não sei como isso pode
acontecer”. Inútil dizer que não falta quem atribua grande parte de tudo isso
ao diabo. Para fazer com que a gente do povo compreenda todos esses fenômenos, seria
necessário iniciá-los na verdadeira ciência espírita, único meio de arrancar
dentre eles a crença nos feiticeiros e todas as ideias supersticiosas, que
ainda por muito tempo representarão o maior obstáculo à sua moralização.
Terminaremos com uma última
observação.
Ouvimos algumas pessoas dizerem
que não queriam ocupar-se de Espiritismo, com receio de atrair os Espíritos e provocar
manifestações do gênero da que acabamos de relatar.
Não conhecemos o padeiro
Goubert, mas cremos poder afirmar que nem ele, nem seu filho, nem seu ajudante
jamais se ocuparam com os Espíritos. É mesmo de notar que as manifestações
espontâneas se produzem preferencialmente entre pessoas que nenhuma ideia
possuem do Espiritismo, prova evidente de que os Espíritos vêm sem ser
chamados. Dizemos mais: O conhecimento esclarecido dessa ciência é o melhor
meio de nos preservarmos dos Espíritos importunos, porque indica a única maneira
racional de os afastar.
Nosso correspondente está
perfeitamente certo ao dizer que o Espiritismo é um remédio contra a
superstição. Não será, com efeito, uma ideia supersticiosa, a crença de que
esses fenômenos estranhos se devem ao deslocamento do cemitério? A superstição
não consiste na crença em um fato, quando é verificado, mas na causa irracional
atribuída ao fato. Está, sobretudo, na crença em pretensos meios de
adivinhação, no efeito de certas práticas, na virtude dos talismãs, nos dias e
horas cabalísticos etc., coisas cujo absurdo e ridículo o Espiritismo demonstra.
[1] Revista
Espírita – Março/1860 – Allan Kardec
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