terça-feira, 17 de julho de 2018

SEDE SEVEROS CONVOSCO E INDULGENTES COM OS VOSSOS IRMÃOS[1]

(1a Homilia)
(Sociedade Espírita de Paris, 9 de janeiro de 1863 – Médium: Sr. d’Ambel)

É a primeira vez que venho entreter-me convosco, meus caros filhos. Gostaria de escolher outro médium, mais simpático aos sentimentos que foram o móvel de toda a minha vida terrena, e mais apto a me prestar um concurso religioso. Porém, como há muito tempo Santo Agostinho tomou conta do médium cujas matérias cerebrais teriam sido mais úteis para mim, e para o qual me sentia inclinado, dirijo-me a vós por este, de quem se servia meu excelente condiscípulo Jobard, para me apresentar à vossa sociedade filosófica. Terei, pois, muita dificuldade em expressar, hoje, o que vos quero dizer; primeiro, em razão da dificuldade que sinto em manipular a matéria mediana, pois ainda não tenho o hábito desta propriedade de meu ser desencarnado; depois, porque devo fazer que minhas ideias jorrem de um cérebro que não as admite todas. Dito isto, vou abordar o assunto.
Um espirituoso corcunda da Antiguidade dizia que os homens de seu tempo carregavam um duplo alforje, em cujo compartimento traseiro estavam os próprios defeitos e imperfeições, enquanto o dianteiro recebia todos os defeitos alheios. É o que lembraria mais tarde o Evangelho, na alegoria da palha e da trave no olho. Oh! Deus! Oh! Meus filhos! Como seria bom se os sacos do alforje mudassem de lugar! Cabe aos espíritas sinceros operar esta modificação, levando à frente o saco que contém suas próprias imperfeições, a fim de que, olhando-as continuamente, consigam corrigir-se; e pôr de lado o que contém os defeitos alheios, de modo a não lhes ligar nem ciúme nem malícia.
Ah! Como será digno da doutrina que confessais e que deve regenerar a Humanidade ver seus adeptos sinceros e convictos agirem com essa caridade que proclamam e lhes ordena não mais verem a palha que incomoda o olho de seu irmão, mas, ao contrário, ocupar-se com ardor em se desembaraçar da trave que os cega. Ah! Meus filhos, essa trave é formada pela reunião de vossas tendências egoístas, das vossas más inclinações e de vossas faltas acumuladas pelas quais tendes, até o presente, como todos os homens, professado uma tolerância paternal muito maior, enquanto que, na maior parte do tempo, só tivestes intolerância e severidade para com as fraquezas do próximo. Eu gostaria de vê-los de tal modo libertos dessa enfermidade moral do resto dos homens, ó meus caros espíritas, que vos exorto com todas as minhas forças a entrardes no caminho que vos indico. Bem sei que muitas de vossas tendências pecaminosas já se modificaram no sentido da verdade; mas ainda vejo tanta tibieza e tanta indecisão em vós para o bem absoluto, que a distância que vos separa do rebanho dos pecadores endurecidos e dos materialistas não é tão grande que a torrente não possa vos arrastar ainda. Ah! Resta-vos uma rude etapa a percorrer para atingirdes a altura da santa e consoladora doutrina que os Espíritos meus irmãos já vos revelam há vários anos.
Na vida militante – graças sejam dadas ao Senhor – da qual acabo de sair, vi tantas mentiras se afirmarem como verdades, tantos vícios alardeados como virtudes, que sou feliz por haver deixado um meio, onde quase sempre a hipocrisia encobria com seu manto as tristezas e as misérias morais que me cercavam. E não posso senão vos felicitar por ver que vossas fileiras não se abrem facilmente para os sectários dessa hipocrisia mentirosa.
Meus amigos, jamais vos deixeis apanhar por palavras douradas. Vede e sondai os atos antes de abrir vossas fileiras aos que solicitam esta distinção, pois muitos falsos irmãos procurarão misturar-se convosco, a fim de levar a perturbação e, sorrateiramente, semear a divisão. Ordena minha consciência que vos esclareça, e o faço com toda a sinceridade de meu coração, sem me preocupar com ninguém. Estais advertidos; doravante agi como convém. Mas para terminar como comecei, peço-vos uma graça, meus caros filhos: que vos ocupeis seriamente convosco, expulsando do coração todos os germes impuros que a ele ainda possam estar presos; que vos reformeis pouco a pouco, mas sem descanso, segundo a sã moral espírita; enfim, que sejais tão severos para convosco quanto deveis ser indulgentes para com as fraquezas dos vossos irmãos.
Se esta primeira homilia deixa algo a desejar quanto à forma, não a imputeis senão à minha inexperiência da mediunidade.
Farei melhor a próxima vez que me for permitido comunicar-me em vosso meio, onde agradeço ao meu amigo Jobard por me haver patrocinado. Adeus, meus filhos, eu vos abençô-o.

 François-Nicolas Madeleine




[1] Revista Espírita – Abril/1863 – Allan Kardec

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