Tão desconhecida de nós quanto Beaucoup
de Lumière era a sua autora, a Madame Berthe Fropo. Corrijamos isso,
fazendo jus a sua contribuição ao Espiritismo.
O que é de se lamentar, temos poucas informações sobre esta femme
forte, como a qualificou o escritor Adriano Calsone.
O que apuramos até o momento é que ela nasceu Berthe Victoire Thierry
de Maugras e herdou o último sobrenome ao casar-se com Augustin-Joseph Fropo
(1820-1885).
Seu esposo era um condecorado médico e cirurgião militar, além de bacharel
em letras e ciências psíquicas, com relevante papel durante dois grandes
eventos históricos na França: durante a Guerra Franco-Prussiana de 1871, foi
nomeado médico-chefe do Hospital militar de Versailles; e durante a Comuna de
Paris agiu corajosamente em favor dos prisioneiros insurgentes. Tudo indica que
eles não tiveram filhos, já que seus herdeiros foram dois sobrinhos.
No mais, sabemos o que encontramos na sua própria brochura. Fropo era
uma espírita atuante, fiel aos ideais de Allan Kardec e, além de vizinha, a
sustentação diária de Améllie Boudet depois da desencarnação do codificador do
Espiritismo. Aliás, foi através de Beaucoup
de Lumière que tomamos nota dos detalhes do acidente fatal que resultou no
desencarne de Madame Kardec.
Como desdobramento de sua atuação na pugna às invigilâncias de Leymarie
na direção do movimento espírita francês, Madame Berthe Fropo assumiu a
vice-presidência da União Espírita Francesa, cuja fundação, em 24 de dezembro
de 1882, foi instigada por mensagens mediúnicas conferidas ao Espírito Allan
Kardec, através de subsequentes sessões mediúnicas realizadas na residência da
viúva do codificador, em Villa Ségur.
Com a concordância de Améllie Boudet, Gabriel Delanne e Berthe Fropo são
lançados em um plano doutrinário, marcando a revitalização dos projetos para a
continuação das obras de Kardec, que, nesta altura, haviam sido adulterados por
Leymarie, que jazia sob o guante da influência de ideologias imponderadas, como
a do Roustainguismo e — ainda mais intimamente — a da emblemática seita
teosófica de Madame Blavatsky e do Coronel Olcott.
Madame Berthe Fropo ficaria viúva um ano após o lançamento de seu
colossal opúsculo. Sem filhos ou outra atribuição que se conheça, não lhe
restaria senão empregar todas as suas energias à causa da sociedade da qual era
diretora e ao seu órgão oficial de imprensa, o jornal O Espiritismo. E pela pujança com que a identificamos em Beaucoup de Lumière, ela seguramente o
fez com ousadia e muita disposição.
Assim sendo, reiteramos o valor desta publicação e almejamos que nosso
esforço em traduzi-la atenda aos ditames do apreço dos confrades espíritas a
todos aqueles que tanto carinho e dedicação devotaram ao Espiritismo,
motivando-nos a dar continuidade à superlativa obra codificada por Allan
Kardec.
Um achado valioso
Apresentamos a todos um verdadeiro achado histórico, valiosíssimo
especialmente para os espíritas mais atentos com a própria historiografia do
Espiritismo: a brochura Beaucoup de
Lumière, obra de Berthe Fropo. Publicada em Paris no ano de 1884, editada
de forma independente e impressa pela casa Imprimerie Polyglotte, este pequeno
livro parece não ter obtido a devida notoriedade e provavelmente deve ter caído
no esquecimento já mesmo dos seus contemporâneos, inclusive sem alcançar a repercussão
pretendida pela sua autora.
E é certo que passou totalmente despercebido pelas gerações
subsequentes, assim permanecendo até recentemente, depois que a Biblioteca
Nacional da França, através de seu portal Gallica, digitalizasse e o dispusesse
online ao alcance de todos.
Foi por aí que esse tesouro acabou sendo garimpado por pesquisadores
espíritas brasileiros e posto em análise, como subsídio ímpar para uma
reinterpretação acerca da historiografia do movimento espírita, ensejando-nos
destacar aqui duas obras recém-publicadas que colocaram a brochura de Madame
Berthe Fropo em evidência: “Em Nome de Kardec”, de Adriano Calsone, e “Revolução
Espírita: a teoria esquecida de Allan Kardec”, de Paulo Henrique de Figueiredo.
Beaucoup de Lumière, de fato, é uma preciosa fonte de informações que
nos ajudam a compreender melhor o desenvolvimento — e os percalços — das
atividades espíritas, principalmente nos primeiros anos após o desencarne do
codificador da Doutrina Espírita, e o paradeiro do plano de continuação das
obras de Allan Kardec para a propagação do Espiritismo.
Como se sabe, o kardecismo, que tão fortemente influenciou a França — e
daí para o resto da Europa e outras partes do mundo —, não manteve aquela
vertiginosa crescente alcançada nas décadas de 1850 e 1860, como Kardec
registrava continuamente através da sua Revista
Espírita.
Ao contrário, desfaleceu-se quase que abruptamente, entre o final do
século XIX e o começo do século XX, até o ponto de — podemos dizer —
dissolver-se de maneira quase absoluta, seja na sua terra natal, seja nos
demais países europeus, vindo a encontrar sustentação somente muito distante,
no cone sul das Américas, mormente em solo brasileiro. E a explicação para a
derrocada daquele movimento espírita original, o francês, pode estar contida na
brochura da qual tratamos — o que justifica o valor que hoje lhe atribuímos.
Dossie Leymarie & Cia
Como veremos aqui, Fropo toca no
ponto crucial do desvirtuamento doutrinário no qual incorreu aquele movimento
espírita francês pós Kardec, comprometendo a continuação das obras do Mestre
codificador da Doutrina. Ela denuncia, oferece nomes dos usurpadores e
apresenta dados — em letras e cifras, já que o caso estava envolto em uma grave
questão financeira.
Nesse aspecto, Beaucoup de Lumière é uma espécie de
dossiê, uma insinuação pública acusatória contra os dirigentes do Espiritismo
de então e, ao mesmo tempo, um apelo entre os "espíritas sinceros" —
no discurso da autora — para uma sublevação contra aqueles confrades desleais. No
desígnio desta incriminação está Pierre-Gaëtan Leymarie, editor-chefe da Revista Espírita, e também, na prática,
o "chefão" da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cuja
presidência era formalmente ocupada pelo Sr. Vautier, que também ocupava o
cargo de tesoureiro da instituição.
A partir de Leymarie, portanto, uma rede de nomes se associa a
atividades das mais nocivas aos ideais do Espiritismo, minando-o pela base. O
apelo insurgente de Fropo, confessadamente em oposição a Leymarie e Cia.,
transforma-se no lançamento de uma nova instituição — a União Espírita
Francesa, da qual seria vice-presidente e o notável Gabriel Delanne seria o
presidente — e um novo jornal — O
Espiritismo — que representasse a "autêntica Doutrina dos
Espíritos".
A urgência dessa campanha fez
com que Berthe Fropo se lançasse à publicação sem inquietação quanto ao estilo
literário ou acabamento. É, realmente, um texto bastante modesto, especialmente
se compararmos com o rigoroso padrão da época. Em determinado momento do seu
conteúdo, ela admite não ser uma "escritora" e, além disso, erros
gráficos comuns presentes na obra nos fazem concluir ter havido certo
açodamento na sua publicação, até porque, as circunstâncias eram
categoricamente graves e demandavam ações imediatas.
No entanto, e não obstante
diversos indícios posteriormente descobertos apontarem para a assertividade
deste dossiê, devemos reconhecer que esta é tão somente uma das versões da
história, oferecida por uma espírita que, além do louvável zelo pela doutrina
professada, estava também declaradamente motivada por certa dose de indignação
em face da prosperidade daqueles que ela considerava como usurpadores da bela
Filosofia Espírita.
Em razão disso, a publicação de Beaucoup
de Lumière teve mesmo o propósito de causar furor e incitar os
"espíritas sinceros" a uma resposta efetiva contra aqueles desvios.
Por conseguinte, pedimos permissão para fazer esse ajuizamento: que o leitor
precisa cultivar o senso crítico a tudo e ponderar prudente e racionalmente,
como faz o historiador diante de fatos e fontes da História, e, ainda mais,
como um autêntico espírita, sempre motivado pelo espírita da caridade.
Obra rara e a tradução
Pelo que sabemos até o momento, o único exemplar sobrevivente dessa
brochura — que possivelmente não teve outra reedição — é aquele conservado pela
Biblioteca Nacional da França. Há nele, inclusive, um rabisco anotando uma
tiragem de 1200 exemplares. Portanto, por essa abreviada quantidade, o livro já
nasceu uma raridade.
Como não poderia ser de outra
maneira, o exemplar sobrevivente não está em boas condições, afinal, trata-se
de uma obra de 1884, e, ao que tudo indica, produzido com um material nada
sofisticado — o que implica na sua conservação. A cópia digitalizada e disponibilizada
online pela Gallica foi confeccionada a partir de fotocópias em borrão, ou
seja, imagem bruta das páginas do exemplar físico arquivado pela Biblioteca;
não é um texto digitado e copiável, como os livros digitais comuns. Nosso
trabalho de tradução, portanto, teve como fonte exatamente as fotocópias desse
exemplar da Gallica.
Ocorre que, infelizmente, o
conteúdo não está totalmente legível. Na verdade, muitas palavras e mesmo
parágrafos inteiros estão borrados, acentuação e pontuação quase sempre apagados,
e nos deparamos até com folhas com recortes nas margens, dificultando a
compreensão do texto. Some-se a isso o peso de verter para nosso idioma de hoje
um francês com suas expressões de um século e meio atrás, inclusive com a auto
declarada limitação literária da autora.
Em nossa tradução, procuramos
ser o mais fiel possível ao texto original, ao ponto de conservarmos a
literalidade de algumas expressões que possivelmente poderiam ser
contextualizada — até para efeito de eufemismo, em ocasiões mais fortes, como
no caso de "grosserias", que bem poderíamos substituir por
"indelicadezas" — e até de construções frasais truncadas. Desta
maneira, o leitor poderá ter uma percepção mais direta — ainda que um tanto
crua — do que Fropo propôs através de sua brochura.
Conservamos igualmente os
destaques em itálico. Tivemos ainda o cuidado de respeitar a aplicação das
iniciais em maiúsculo ou minúsculo, conforme as preferências da publicação
genuína, de termos especiais — por exemplo, "espiritismo",
"doutrina espírita", "espírito" etc., que normalmente
escrevemos com iniciais maiúsculas (Espiritismo, Doutrina Espírita, Espíritos,
etc.) — e de títulos, como os de entidades, revistas, jornais, livros — por
exemplo: O Livro dos Espíritos, que
na obra de Fropo aparece amiúde simplesmente como Livro dos espíritos.
Com isso, de antemão, pedimos a
compreensão de nossos leitores em relação a nossos razoáveis desacertos de
tradução, e, aliás, na expectativa de que ela possa ser melhorada, julgamos por
bem acrescentar nesta obra a digitação do que pudemos capturar do texto
original em francês.
Convém informar que mantivemos
aqui as notas de rodapé contidas no original. E como julgamos por bem adicionar
algumas explicações, contextualizando a narração de Berthe Fropo, acrescentamos
nossas próprias notas de rodapé, que o leitor facilmente distinguirá pela
inscrição final "N. T." correspondente a "Nota desta
tradução".
A brochura Beaucoup de Lumière
(Muita Luz), traduzida para o português pode ser baixado no endereço: http://luzespirita.org.br/leitura/pdf/L158.pdf
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