segunda-feira, 7 de maio de 2018

Berthe Fropo[1]



Tão desconhecida de nós quanto Beaucoup de Lumière era a sua autora, a Madame Berthe Fropo. Corrijamos isso, fazendo jus a sua contribuição ao Espiritismo.
O que é de se lamentar, temos poucas informações sobre esta femme forte, como a qualificou o escritor Adriano Calsone.
O que apuramos até o momento é que ela nasceu Berthe Victoire Thierry de Maugras e herdou o último sobrenome ao casar-se com Augustin-Joseph Fropo (1820-1885).
Seu esposo era um condecorado médico e cirurgião militar, além de bacharel em letras e ciências psíquicas, com relevante papel durante dois grandes eventos históricos na França: durante a Guerra Franco-Prussiana de 1871, foi nomeado médico-chefe do Hospital militar de Versailles; e durante a Comuna de Paris agiu corajosamente em favor dos prisioneiros insurgentes. Tudo indica que eles não tiveram filhos, já que seus herdeiros foram dois sobrinhos.
No mais, sabemos o que encontramos na sua própria brochura. Fropo era uma espírita atuante, fiel aos ideais de Allan Kardec e, além de vizinha, a sustentação diária de Améllie Boudet depois da desencarnação do codificador do Espiritismo. Aliás, foi através de Beaucoup de Lumière que tomamos nota dos detalhes do acidente fatal que resultou no desencarne de Madame Kardec.
Como desdobramento de sua atuação na pugna às invigilâncias de Leymarie na direção do movimento espírita francês, Madame Berthe Fropo assumiu a vice-presidência da União Espírita Francesa, cuja fundação, em 24 de dezembro de 1882, foi instigada por mensagens mediúnicas conferidas ao Espírito Allan Kardec, através de subsequentes sessões mediúnicas realizadas na residência da viúva do codificador, em Villa Ségur.
Com a concordância de Améllie Boudet, Gabriel Delanne e Berthe Fropo são lançados em um plano doutrinário, marcando a revitalização dos projetos para a continuação das obras de Kardec, que, nesta altura, haviam sido adulterados por Leymarie, que jazia sob o guante da influência de ideologias imponderadas, como a do Roustainguismo e — ainda mais intimamente — a da emblemática seita teosófica de Madame Blavatsky e do Coronel Olcott.
Madame Berthe Fropo ficaria viúva um ano após o lançamento de seu colossal opúsculo. Sem filhos ou outra atribuição que se conheça, não lhe restaria senão empregar todas as suas energias à causa da sociedade da qual era diretora e ao seu órgão oficial de imprensa, o jornal O Espiritismo. E pela pujança com que a identificamos em Beaucoup de Lumière, ela seguramente o fez com ousadia e muita disposição.
Assim sendo, reiteramos o valor desta publicação e almejamos que nosso esforço em traduzi-la atenda aos ditames do apreço dos confrades espíritas a todos aqueles que tanto carinho e dedicação devotaram ao Espiritismo, motivando-nos a dar continuidade à superlativa obra codificada por Allan Kardec.
Um achado valioso
Apresentamos a todos um verdadeiro achado histórico, valiosíssimo especialmente para os espíritas mais atentos com a própria historiografia do Espiritismo: a brochura Beaucoup de Lumière, obra de Berthe Fropo. Publicada em Paris no ano de 1884, editada de forma independente e impressa pela casa Imprimerie Polyglotte, este pequeno livro parece não ter obtido a devida notoriedade e provavelmente deve ter caído no esquecimento já mesmo dos seus contemporâneos, inclusive sem alcançar a repercussão pretendida pela sua autora.
E é certo que passou totalmente despercebido pelas gerações subsequentes, assim permanecendo até recentemente, depois que a Biblioteca Nacional da França, através de seu portal Gallica, digitalizasse e o dispusesse online ao alcance de todos.
Foi por aí que esse tesouro acabou sendo garimpado por pesquisadores espíritas brasileiros e posto em análise, como subsídio ímpar para uma reinterpretação acerca da historiografia do movimento espírita, ensejando-nos destacar aqui duas obras recém-publicadas que colocaram a brochura de Madame Berthe Fropo em evidência: “Em Nome de Kardec”, de Adriano Calsone, e “Revolução Espírita: a teoria esquecida de Allan Kardec”, de Paulo Henrique de Figueiredo.
Beaucoup de Lumière, de fato, é uma preciosa fonte de informações que nos ajudam a compreender melhor o desenvolvimento — e os percalços — das atividades espíritas, principalmente nos primeiros anos após o desencarne do codificador da Doutrina Espírita, e o paradeiro do plano de continuação das obras de Allan Kardec para a propagação do Espiritismo.
Como se sabe, o kardecismo, que tão fortemente influenciou a França — e daí para o resto da Europa e outras partes do mundo —, não manteve aquela vertiginosa crescente alcançada nas décadas de 1850 e 1860, como Kardec registrava continuamente através da sua Revista Espírita.
Ao contrário, desfaleceu-se quase que abruptamente, entre o final do século XIX e o começo do século XX, até o ponto de — podemos dizer — dissolver-se de maneira quase absoluta, seja na sua terra natal, seja nos demais países europeus, vindo a encontrar sustentação somente muito distante, no cone sul das Américas, mormente em solo brasileiro. E a explicação para a derrocada daquele movimento espírita original, o francês, pode estar contida na brochura da qual tratamos — o que justifica o valor que hoje lhe atribuímos.
Dossie Leymarie & Cia
 Como veremos aqui, Fropo toca no ponto crucial do desvirtuamento doutrinário no qual incorreu aquele movimento espírita francês pós Kardec, comprometendo a continuação das obras do Mestre codificador da Doutrina. Ela denuncia, oferece nomes dos usurpadores e apresenta dados — em letras e cifras, já que o caso estava envolto em uma grave questão financeira.
 Nesse aspecto, Beaucoup de Lumière é uma espécie de dossiê, uma insinuação pública acusatória contra os dirigentes do Espiritismo de então e, ao mesmo tempo, um apelo entre os "espíritas sinceros" — no discurso da autora — para uma sublevação contra aqueles confrades desleais. No desígnio desta incriminação está Pierre-Gaëtan Leymarie, editor-chefe da Revista Espírita, e também, na prática, o "chefão" da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cuja presidência era formalmente ocupada pelo Sr. Vautier, que também ocupava o cargo de tesoureiro da instituição.
A partir de Leymarie, portanto, uma rede de nomes se associa a atividades das mais nocivas aos ideais do Espiritismo, minando-o pela base. O apelo insurgente de Fropo, confessadamente em oposição a Leymarie e Cia., transforma-se no lançamento de uma nova instituição — a União Espírita Francesa, da qual seria vice-presidente e o notável Gabriel Delanne seria o presidente — e um novo jornal — O Espiritismo — que representasse a "autêntica Doutrina dos Espíritos".
 A urgência dessa campanha fez com que Berthe Fropo se lançasse à publicação sem inquietação quanto ao estilo literário ou acabamento. É, realmente, um texto bastante modesto, especialmente se compararmos com o rigoroso padrão da época. Em determinado momento do seu conteúdo, ela admite não ser uma "escritora" e, além disso, erros gráficos comuns presentes na obra nos fazem concluir ter havido certo açodamento na sua publicação, até porque, as circunstâncias eram categoricamente graves e demandavam ações imediatas.
 No entanto, e não obstante diversos indícios posteriormente descobertos apontarem para a assertividade deste dossiê, devemos reconhecer que esta é tão somente uma das versões da história, oferecida por uma espírita que, além do louvável zelo pela doutrina professada, estava também declaradamente motivada por certa dose de indignação em face da prosperidade daqueles que ela considerava como usurpadores da bela Filosofia Espírita. 
Em razão disso, a publicação de Beaucoup de Lumière teve mesmo o propósito de causar furor e incitar os "espíritas sinceros" a uma resposta efetiva contra aqueles desvios. Por conseguinte, pedimos permissão para fazer esse ajuizamento: que o leitor precisa cultivar o senso crítico a tudo e ponderar prudente e racionalmente, como faz o historiador diante de fatos e fontes da História, e, ainda mais, como um autêntico espírita, sempre motivado pelo espírita da caridade.
Obra rara e a tradução
Pelo que sabemos até o momento, o único exemplar sobrevivente dessa brochura — que possivelmente não teve outra reedição — é aquele conservado pela Biblioteca Nacional da França. Há nele, inclusive, um rabisco anotando uma tiragem de 1200 exemplares. Portanto, por essa abreviada quantidade, o livro já nasceu uma raridade.
 Como não poderia ser de outra maneira, o exemplar sobrevivente não está em boas condições, afinal, trata-se de uma obra de 1884, e, ao que tudo indica, produzido com um material nada sofisticado — o que implica na sua conservação. A cópia digitalizada e disponibilizada online pela Gallica foi confeccionada a partir de fotocópias em borrão, ou seja, imagem bruta das páginas do exemplar físico arquivado pela Biblioteca; não é um texto digitado e copiável, como os livros digitais comuns. Nosso trabalho de tradução, portanto, teve como fonte exatamente as fotocópias desse exemplar da Gallica.
 Ocorre que, infelizmente, o conteúdo não está totalmente legível. Na verdade, muitas palavras e mesmo parágrafos inteiros estão borrados, acentuação e pontuação quase sempre apagados, e nos deparamos até com folhas com recortes nas margens, dificultando a compreensão do texto. Some-se a isso o peso de verter para nosso idioma de hoje um francês com suas expressões de um século e meio atrás, inclusive com a auto declarada limitação literária da autora.
 Em nossa tradução, procuramos ser o mais fiel possível ao texto original, ao ponto de conservarmos a literalidade de algumas expressões que possivelmente poderiam ser contextualizada — até para efeito de eufemismo, em ocasiões mais fortes, como no caso de "grosserias", que bem poderíamos substituir por "indelicadezas" — e até de construções frasais truncadas. Desta maneira, o leitor poderá ter uma percepção mais direta — ainda que um tanto crua — do que Fropo propôs através de sua brochura.
 Conservamos igualmente os destaques em itálico. Tivemos ainda o cuidado de respeitar a aplicação das iniciais em maiúsculo ou minúsculo, conforme as preferências da publicação genuína, de termos especiais — por exemplo, "espiritismo", "doutrina espírita", "espírito" etc., que normalmente escrevemos com iniciais maiúsculas (Espiritismo, Doutrina Espírita, Espíritos, etc.) — e de títulos, como os de entidades, revistas, jornais, livros — por exemplo: O Livro dos Espíritos, que na obra de Fropo aparece amiúde simplesmente como Livro dos espíritos.
 Com isso, de antemão, pedimos a compreensão de nossos leitores em relação a nossos razoáveis desacertos de tradução, e, aliás, na expectativa de que ela possa ser melhorada, julgamos por bem acrescentar nesta obra a digitação do que pudemos capturar do texto original em francês.
 Convém informar que mantivemos aqui as notas de rodapé contidas no original. E como julgamos por bem adicionar algumas explicações, contextualizando a narração de Berthe Fropo, acrescentamos nossas próprias notas de rodapé, que o leitor facilmente distinguirá pela inscrição final "N. T." correspondente a "Nota desta tradução".
A brochura Beaucoup de Lumière (Muita Luz), traduzida para o português pode ser baixado no endereço: http://luzespirita.org.br/leitura/pdf/L158.pdf




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