Não há quem não tenha notado
quanto as coisas mudam de aspecto, conforme o ponto de vista sob o qual são consideradas.
Não é apenas o aspecto que se modifica, mas, também, a própria importância da
coisa. Coloquemo-nos no centro de um meio qualquer: ainda que pequeno, nos
parecerá imenso; do lado de fora, contudo, será outra coisa. Quem vê algo do
cimo de uma montanha o acha insignificante ao passo que lhe parecerá gigantesco
quando visto de baixo.
Isto é um efeito de óptica, mas
que se aplica igualmente às coisas morais. Um dia inteiro de sofrimento nos
parecerá eterno.
À medida que esse dia se nos
afasta, admiramo-nos de haver entrado em desespero por tão pouco. Os pesares da
infância também têm uma importância relativa, sendo tão amargos para a criança
quanto para os que alcançaram a maturidade. Por que, então, nos parecem tão
fúteis? Por que não mais os sentimos, ao passo que a criança os sente
completamente e nada vê além de seu pequeno círculo de atividades? Ela os vê do
interior; nós, do exterior. Suponhamos um ser colocado, em relação a nós, na posição
em que estamos em relação à criança: ele julgará as nossas preocupações do
mesmo ponto de vista, e as achará pueris.
Um carroceiro é insultado por
outro; discutem e se batem. Se um grão-senhor for injuriado por um carroceiro
não se sentirá ofendido e não se baterá com ele. Por quê? Porque se coloca fora
de sua esfera; julga-se de tal modo superior que a ofensa não o pode atingir.
Entretanto, se descer ao nível do adversário, colocar-se-á, pelo pensamento, no
mesmo meio e se baterá.
O Espiritismo nos mostra uma
aplicação deste princípio, mas de importância diversa nas suas consequências.
Faz-nos ver a vida terrena como de fato é, colocando-nos no ponto de vista da
vida futura; pelas provas materiais que nos fornece, pela intuição clara,
precisa, lógica que nos dá, pelos exemplos postos aos nossos olhos,
transporta-nos pelo pensamento: nós a vemos e a compreendemos; não é mais essa
noção vaga, incerta, problemática, que nos ensinavam do futuro e que,
involuntariamente, deixava dúvidas; para o espírita é uma certeza adquirida,
uma realidade.
Faz ainda mais: mostra-nos a
vida da alma, o ser essencial, porque é o ser pensante, remontando no passado a
uma época desconhecida e se estendendo indefinidamente pelo futuro, de tal
sorte que a vida terrena, mesmo de um século, não passa de um ponto nesse longo
percurso. Se a vida inteira é tão pouca coisa comparada com a vida da alma, que
serão, pois, as dificuldades da vida? Entretanto o homem, colocado no centro da
vida, preocupa-se como se ela fosse durar sempre; para ele tudo assume proporções
colossais: a menor pedra que o fere parece-lhe um rochedo; uma decepção o
desespera; um revés o abate; uma palavra o enfurece. Tendo a visão limitada ao
presente, àquilo que toca imediatamente, exagera a importância dos menores
incidentes; um negócio que falha lhe tira o apetite; uma questão de precedência
é um negócio de Estado; uma injustiça o põe fora de si. Triunfar é o fim de
seus esforços, o objetivo de todas as suas combinações; mas, para a maioria, o
que é triunfar? Será, se não se tem do que viver, criar por meios honestos uma
existência tranquila? Será a nobre emulação de adquirir talento e desenvolver a
inteligência? Será o desejo de deixar, depois de si, um nome justamente honrado
e realizar trabalhos úteis para a Humanidade? Não. Triunfar é suplantar o
vizinho, eclipsá-lo, afastá-lo, derrubá-lo mesmo, para lhe tomar o lugar. E
para tão belo triunfo, que talvez a morte não deixe gozar vinte e quatro horas,
quantas preocupações, quantas tribulações! Quanto talento por vezes despendido
e que poderia ter sido mais bem empregado! Depois, quanta raiva, quanta insônia
se não se triunfar! Que febre de inveja causa o sucesso de um rival!
Então, culpam a má estrela, a
sorte, a chance fatal, ao passo que a má estrela as mais das vezes é a
inabilidade e a incapacidade. Dir-se-ia, na verdade, que o homem assume a
tarefa de tornar tão penosos quanto possíveis os poucos instantes que deve
passar na Terra e dos quais não é o senhor, pois jamais tem certeza do dia
seguinte.
Como tudo isto muda de aspecto
quando, pelo pensamento, sai o homem do vale estreito da vida terrestre e se eleva
na radiosa, esplêndida e incomensurável vida de além-túmulo!
Como então tem piedade dos
tormentos que se criou voluntariamente! Como então lhe parecem mesquinhas e
pueris as ambições, a inveja, as susceptibilidades, as vãs satisfações do orgulho!
É como se, na idade madura, considerasse as brincadeiras da infância; do cume
de uma montanha contemplasse os homens no vale. Partindo deste ponto de vista,
tornar-se-á de vontade própria o joguete de uma ilusão? Não. Estará, ao
contrário, na realidade, no verdadeiro e para ele a ilusão é ver as coisas do
ponto de vista terreno. Efetivamente, ninguém há na Terra que não ligue mais
importância àquilo que, para si, deve durar muito mais do que dura um dia; que
não prefira uma felicidade durável a uma felicidade efêmera. Inquietamo-nos
pouco com uma contrariedade passageira; o que interessa, acima de tudo, é a
situação normal. Se, pois, elevarmos o pensamento de modo a abranger a vida da
alma chegaremos forçosamente a essa consequência: ver a vida terrena como uma
estação passageira; a vida espiritual como a vida real, porque é infinita; que
é ilusão tomar a parte pelo todo, isto é, a vida do corpo, apenas transitória,
pela vida definitiva. O homem que só considera as coisas do ponto de vista
terreno é como aquele que, estando dentro de uma casa, não pode julgar a forma
nem a importância do edifício: julga sob falsas aparências porque não vê tudo,
ao passo que aquele que vê de fora, porque julga o conjunto, julga mais
sensatamente.
Dir-se-á que para ver as coisas
desta maneira é preciso uma inteligência invulgar, um espírito filosófico que
não se poderia encontrar nas massas; donde forçoso seria concluir que a Humanidade,
com poucas exceções, arrastar-se-á sempre no terra-a-terra. É um erro. Para se
identificar com a vida futura não é preciso uma inteligência excepcional, nem
grandes esforços da imaginação, porquanto cada um traz consigo a intuição e o
desejo; a maneira, porém, como geralmente a apresentam é muito pouco sedutora,
porque oferece como alternativa as chamas eternas ou a contemplação perpétua, o
que leva muitos a preferir o nada. Daí a incredulidade absoluta de uns e a
dúvida no maior número. O que faltou até agora foi a prova irrecusável da vida
futura, prova que vem dar o Espiritismo não mais por uma vaga teoria, mas por provas
patentes. Mais ainda: ele a mostra tal qual a razão mais severa a pode aceitar,
porque tudo explica, tudo justifica e resolve todas as dificuldades. Porque é
claro e lógico, está ao alcance de todos; por isso o Espiritismo reconduz à
crença tanta gente que dela se havia afastado. A experiência demonstra todos os
dias que simples operários e camponeses sem instrução compreendem sem esforço
esse raciocínio; colocam-se tanto mais à vontade nesse novo ponto de vista,
quanto mais nele acham, como todas as pessoas infelizes, uma imensa consolação,
e a única compensação possível em sua penosa e laboriosa existência.
Se essa maneira de encarar as
coisas terrestres se generalizasse, não teria como consequência senão destruir
a ambição, estimulante dos grandes empreendimentos, dos trabalhos mais úteis,
mesmo das obras de gênio? Se a Humanidade inteira apenas pensasse na vida
futura tudo não periclitaria neste mundo?
Que fazem os monges nos
conventos, a não ser ocupar-se exclusivamente do Céu? Ora, em que se
transformaria a Terra se todos se fizessem monges?
Um tal estado de coisas seria
desastroso e os inconvenientes maiores do que se supõe, porque, com isso, os homens
perderiam na Terra e nada ganhariam no Céu; mas o resultado do princípio que
expomos é completamente outro para quem quer que não o compreenda pela metade,
conforme vamos explicar.
A vida corporal é necessária ao
Espírito, ou à alma, o que é a mesma coisa, para que possa realizar neste mundo
material as funções que lhe são designadas pela Providência: é uma das engrenagens
da harmonia universal. A atividade que, mal grado seu, é forçado a desenvolver
nas funções que exerce, crendo agir por si mesmo, auxilia o desenvolvimento de
sua inteligência e lhe facilita o adiantamento. Sendo a felicidade do Espírito
na vida espiritual proporcional ao seu progresso e ao bem que pôde fazer como
homem, resulta que, quanto maior importância adquire a vida espiritual aos
olhos do homem, mais ele sente a necessidade de fazer o que é necessário para
se garantir o melhor lugar possível. A experiência dos que viveram vem provar
que uma vida terrena inútil ou mal-empregada não tem proveito para o futuro, e
que aqueles que aqui só buscarem satisfações materiais as pagam muito caro,
seja por sofrimentos no mundo dos Espíritos, seja pela obrigação de recomeçar a
tarefa em condições mais penosas que as do passado; tal é o caso dos que sofrem
na Terra. Assim, considerando as coisas deste mundo do ponto de vista
extracorpóreo, o homem, longe de ser estimulado à despreocupação e à
ociosidade, compreende melhor a necessidade do trabalho.
Partindo do ponto de vista
terreno, essa necessidade é uma injustiça aos seus olhos, quando se compara aos
que podem viver sem nada fazer: tem ciúme deles; inveja-os. Partindo do ponto
de vista espiritual, essa necessidade tem a sua razão de ser, sua utilidade, e
ele a aceita sem murmurar, pois compreende que sem o trabalho ficará
indefinidamente na inferioridade e privado da felicidade suprema a que aspira e
que não poderá alcançar, caso não se desenvolva intelectual e moralmente. A
esse respeito parece que muitos monges compreendem mal o objetivo da vida
terrena e, menos ainda, as condições da vida futura. Pelo enclausuramento, eles
se privam dos meios de se tornarem úteis aos semelhantes e muitos dos que hoje
se acham no mundo dos Espíritos confessaram-nos que se enganaram redondamente e
que sofrem as consequências de seu erro.
Para o homem, tal ponto de vista
tem outra imensa e imediata consequência: é a de tornar-lhe mais suportáveis as
tribulações da vida. Que procure o bem-estar e se esforce por tornar o seu
tempo na Terra o mais agradável possível: isto é muito natural e ninguém lhe
proíbe. Mas, sabendo que está aqui apenas momentaneamente, que um futuro melhor
o aguarda, pouco se atormenta com as decepções que experimenta e, vendo as
coisas do alto, aceita os reveses com menor amargura; fica indiferente aos aborrecimentos
de que é vítima, por parte dos invejosos e dos ciumentos; reduz a seu justo
valor os objetos de sua ambição e se coloca acima das pequenas
susceptibilidades do amor-próprio.
Liberto das preocupações criadas
pelo homem que não sai de sua esfera limitada, pela perspectiva grandiosa que
se desdobra à sua frente, é mais livre para se entregar a um trabalho
proveitoso, para si próprio e para os outros.
Para ele, as humilhações, as diatribes
e as maldades de seus inimigos não passam de nuvens imperceptíveis num vasto horizonte;
não se inquieta por elas mais do que pelas moscas que zumbem aos ouvidos,
porque sabe que logo estará livre. Assim, todas as pequenas misérias que lhe
suscitam deslizam por ele como a água sobre o mármore. Colocando-se do ponto de
vista terreno, irritar-se-ia e talvez se vingasse. Do ponto de vista
extraterreno, ele as despreza como os salpicos de lama de um caminhante
desatento.
São espinhos lançados no caminho
e pelos quais passa, sem sequer se dar ao trabalho de os afastar, a fim de não
moderar a marcha para um objetivo mais sério que se propõe atingir. Longe de malquerer
os seus inimigos, é-lhes grato por fornecerem oportunidade para exercitar a
paciência e a moderação em benefício de seu progresso futuro, ao passo que
perderia seus frutos se descesse a represálias. Ele os lamenta por se
entregarem a tantos trabalhos inúteis e diz que são aqueles próprios que caminham
sobre espinhos, com as preocupações que tomam para fazer o mal. Tal é o
resultado da diferença do ponto de vista sob o qual se encara a vida: um nos dá
aborrecimento e ansiedade; o outro, calma e serenidade. Espíritas que
experimentais decepções, ainda que em pensamento, deixai a Terra por alguns
instantes; subi às regiões do infinito e olhai-as do alto: vereis o que elas
serão.
Por vezes dizem: Vós, que sois
infelizes, olhai para baixo e não para cima e vereis ainda mais infelizes. Isto
é verdade.
Mas muitos dizem que o mal
alheio não nos cura. Nem sempre o remédio está na comparação e para alguns não
é difícil olhar para cima sem dizerem: “Por que têm estes o que não tenho?” No entanto,
se se colocassem no ponto de vista de que falamos, a que em pouco seremos
forçados, ficariam naturalmente acima daqueles aos quais poderíamos invejar,
porque, vistos dali, os maiores pareceriam muito pequenos.
Lembramo-nos de ter assistido no
Odeon, há cerca de quarenta anos, a uma peça em um ato, intitulada “Os Efêmeros”,
já não sabemos de que autor. Embora ainda jovem, ela nos causou viva impressão.
A cena se passava no país dos Efêmeros, cujos habitantes vivem apenas vinte e
quatro horas. No espaço de um ato a gente os vê passar do berço à adolescência,
à juventude, à maturidade, à velhice, à decrepitude e à morte. Nesse intervalo realizam
todos os atos da vida: batismo, casamento, negócios civis e governamentais
etc.; mas como o tempo é curto e as horas contadas, é preciso pressa; tudo se
faz com prodigiosa rapidez, o que não os impede de se ocuparem com intrigas e
de se darem ao trabalho para satisfazer as ambições e suplantar os outros. Como
se vê, a peça encerrava um pensamento profundamente filosófico; e involuntariamente
o espectador, que num instante via desenrolarem-se todas as fases de uma
existência bem cheia, punha-se a dizer: Como
essa gente é tola! Fazer tanto mal, quando dispõe de tão pouco tempo para
viver! Que é que lhes resta dessa confusão de uma vida de algumas horas? Não
seria melhor viver em paz?
Eis, por alto, um quadro
perfeito da vida humana.
Entretanto, a peça não
sobreviveu mais que seus heróis: não a compreenderam. Se o autor ainda vivesse,
o que ignoramos, provavelmente hoje fosse espírita.