Experimento reaquece
o debate ético
Em um experimento inédito no
mundo, cientistas chineses relataram ter editado genomas de embriões humanos.
Os resultados, publicados em 18
de abril no periódico científico on-line Protein & Cell[2],
confirmam os amplos boatos de que experimentos desse tipo haviam sido
realizados.
No mês passado, esses mesmos
rumores deflagraram um acirrado debate sobre as implicações éticas de um
trabalho desse gênero[3].
No mais recente artigo,
cientistas liderados por Junjiu Huang, pesquisador de função gênica na
Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou, tentaram minimizar essas preocupações
ao utilizarem embriões “inviáveis”, que não podem resultar em um feto/bebê
nativivo, obtidos de clínicas de fertilidade assistida locais.
A equipe tentou modificar o gene
responsável pela β-talassemia (talassemia beta), uma doença sanguínea
potencialmente fatal, usando uma técnica de edição gênica conhecida como
CRISPR/Cas9.
Os pesquisadores salientaram que
seus resultados revelaram sérios obstáculos à utilização do método em
aplicações médicas.
“Acredito que esse é o primeiro
relato de CRISPR/Cas9 aplicada a embriões humanos pré-implantação e, como tal,
o estudo é um marco histórico, além de um alerta”, observa George Daley,
biólogo de células-tronco na Harvard Medical School, em Boston.
“O estudo deles deveria ser uma
dura advertência para qualquer profissional médico que pensa que a tecnologia
está pronta para ser testada como meio de erradicar doenças genéticas”.
Há quem sustente que a edição
gênica em embriões poderia ter um futuro brilhante porque permitiria erradicar
doenças devastadoras antes de um bebê nascer.
Outros defendem que esse tipo de
trabalho cruza uma linha ética.
Em março, pesquisadores
advertiram na Nature que, como alterações gênicas em embriões, conhecidas como
modificação da linha germinal, são hereditárias, elas poderiam ter um efeito
imprevisível em gerações futuras.
Eles também manifestaram receio
de que qualquer pesquisa de edição gênica em embriões humanos poderia ser uma
“ladeira escorregadia” rumo a utilizações inseguras ou antiéticas da técnica.
O artigo da equipe de Huang
parece destinado a reaquecer o debate sobre edição de embriões humanos e há
relatos de que outros grupos na China também estão fazendo experimentos nesse
sentido.
Gene problemático
A técnica empregada pela equipe
de Huang envolve injetar em embriões a enzima complexo CRISPR/Cas9, que corta
(ou remove) e emenda (processo conhecido como splicing) DNA em locais
específicos.
Esse complexo pode ser
programado para visar um gene problemático, que então é substituído ou reparado
(consertado) por outra molécula introduzida ao mesmo tempo.
O sistema é bem estudado em
células humanas adultas e em embriões de animais, mas até agora não havia
relatos publicados de sua utilização em embriões humanos.
Huang e seus colegas decidiram
verificar se o procedimento poderia substituir um gene em embrião humano no
estágio de uma única célula fertilizada.
Em princípio, todas as células
produzidas durante o seu desenvolvimento deveriam ter o gene reparado.
Os embriões que obtiveram de
clínicas de fertilidade assistida haviam sido criados para utilização em
fertilização in vitro (FIV), mas tinham um conjunto extra de cromossomos após
terem sido fertilizados por dois espermatozoides.
Isso impede que resultem em
fetos nativivos, embora passem pelos primeiros estágios evolutivos.
O grupo de Huang estudou a
capacidade do sistema CRISPR/Cas9 de editar o gene chamado HBB, que codifica a
proteína beta-globina (β-globina) humana.
Mutações nesse gene são
responsáveis pela beta-talassemia.
Sérios obstáculos
A equipe injetou 86 embriões e
esperou 48 horas; tempo suficiente para o sistema CRISPR/Cas9 e as moléculas
que substituem o DNA que está faltando agirem, e para cada embrião evoluir para
cerca de oito células.
Dos 71 embriões que sobreviveram
54 foram geneticamente testados.
Esse procedimento revelou que [o
DNA de] somente 28 deles foi cortado e emendado (spliced) com êxito e que
apenas uma fração desses 28 continha o material genético substituto.
“Se você quiser fazer isso em
embriões normais, precisa estar perto de 100%”, explica Huang, e acrescenta: “É
por isso que paramos. Continuamos pensando que ainda é muito imaturo”.
Sua equipe também encontrou um
número surpreendente de mutações “fora do alvo”, que se presume terem sido
introduzidas pela atuação do complexo CRISPR/Cas9 em outras partes do genoma.
Esse efeito é uma das principais
preocupações de segurança que cercam a edição gênica de linha germinal, porque
essas mutações não intencionais poderiam ser prejudiciais.
Suas taxas foram muito mais
elevadas que as observadas em estudos de edição gênica de embriões de
camundongos ou células humanas adultas.
Huang salienta que sua equipa
provavelmente só detectou um subconjunto das mutações involuntárias porque seu
estudo só analisou uma porção do genoma, conhecida como o exoma.
“Se tivéssemos analisado a
sequência completa do genoma, teríamos uma quantidade maior [de mutações desse
tipo]”, argumenta ele.
Questões éticas
Huang alega que o artigo foi
rejeitado pela Nature e pela Science em parte por causa de objeções éticas.
As duas publicações científicas
preferiram não comentar sua explicação. (A equipe noticiosa da Nature é
editorialmente independente de sua equipe de pesquisa editorial)
Huang também disse que os
críticos do artigo salientaram que a baixa eficiência e o elevado número de
mutações “fora do alvo” poderiam ser específicos dos embriões anormais
utilizados no estudo.
Ele reconhece a crítica, mas
como não existem exemplos de edição gênica em embriões normais, sustenta que
não há como saber se a técnica funciona de maneira diferente neles.
Ainda assim, o pesquisador
insiste que os embriões permitem obter um modelo mais significativo, e mais
próximo de um embrião humano normal, que um modelo animal ou um que utiliza
células humanas adultas.
“Queríamos mostrar nossos dados
ao mundo para que as pessoas soubessem o que realmente aconteceu com esse
modelo, em vez de só ficarem falando sobre o que aconteceria sem dados”,
justifica.
Mas Edward Lanphier, um dos
cientistas que soou o alarme/advertência em Nature no mês passado, se mostra
inflexível:
“Isso [o estudo] sublinha o que
dissemos antes: precisamos interromper essa pesquisa e garantir que tenhamos
uma discussão de base ampla e abrangente sobre que direção estamos seguindo
aqui”.
Lanphier é presidente da Sangamo
Biosciences, em Richmond, na Califórnia, que aplica técnicas de edição gênica
em células humanas adultas.
Agora, Huang pretende descobrir
como diminuir o número de mutações indesejadas (“fora do alvo”) utilizando
células humanas adultas ou modelos animais.
Para isso, ele está considerando
algumas estratégias diferentes: ajustar as enzimas para guiá-las com mais
precisão até o local desejado; introduzi-las em um formato diferente, que
poderia ajudar a regular suas sobrevidas e permitir que sejam desativadas antes
que mutações se acumulem; ou variar as concentrações das enzimas e moléculas
reparadoras introduzidas.
De acordo com Huang, outras
técnicas de edição gênica também podem ajudar.
O método CRISPR/Cas9 é
relativamente eficaz e fácil de usar, mas outro sistema, chamado TALEN, é
conhecido por provocar menos mutações indesejadas, não intencionais.
De qualquer modo, o debate sobre
edição de embriões humanos certamente prosseguirá por algum tempo.
A técnica CRISPR/Cas9 é
conhecida por sua facilidade de uso e Lanphier teme que agora mais cientistas
comecem a trabalhar visando aprimorar o artigo de Huang.
“O acesso ubíquo a CRISPRs e a
simplicidade de criá-las, constituem oportunidades para cientistas em qualquer
parte do mundo fazerem todos os tipos de experimentos que desejarem”, advertiu.
Uma fonte chinesa familiarizada
com os desenvolvimentos nesse campo informou que pelo menos quatro grupos estão
se dedicando à edição gênica em embriões humanos na China.
Publicado em Nature.com em 22 de abril de 2015. [A Scientific American integra o Nature Publishing
Group].
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