quarta-feira, 25 de abril de 2018

Cientistas chineses alteram embriões humanos[1]



David Cyranoski e Sara Reardon
 

Experimento reaquece o debate ético

Em um experimento inédito no mundo, cientistas chineses relataram ter editado genomas de embriões humanos.
Os resultados, publicados em 18 de abril no periódico científico on-line Protein & Cell[2], confirmam os amplos boatos de que experimentos desse tipo haviam sido realizados.
No mês passado, esses mesmos rumores deflagraram um acirrado debate sobre as implicações éticas de um trabalho desse gênero[3].
No mais recente artigo, cientistas liderados por Junjiu Huang, pesquisador de função gênica na Universidade Sun Yat-sen, em Guangzhou, tentaram minimizar essas preocupações ao utilizarem embriões “inviáveis”, que não podem resultar em um feto/bebê nativivo, obtidos de clínicas de fertilidade assistida locais.
A equipe tentou modificar o gene responsável pela β-talassemia (talassemia beta), uma doença sanguínea potencialmente fatal, usando uma técnica de edição gênica conhecida como CRISPR/Cas9.
Os pesquisadores salientaram que seus resultados revelaram sérios obstáculos à utilização do método em aplicações médicas.
“Acredito que esse é o primeiro relato de CRISPR/Cas9 aplicada a embriões humanos pré-implantação e, como tal, o estudo é um marco histórico, além de um alerta”, observa George Daley, biólogo de células-tronco na Harvard Medical School, em Boston.
“O estudo deles deveria ser uma dura advertência para qualquer profissional médico que pensa que a tecnologia está pronta para ser testada como meio de erradicar doenças genéticas”.
Há quem sustente que a edição gênica em embriões poderia ter um futuro brilhante porque permitiria erradicar doenças devastadoras antes de um bebê nascer.
Outros defendem que esse tipo de trabalho cruza uma linha ética.
Em março, pesquisadores advertiram na Nature que, como alterações gênicas em embriões, conhecidas como modificação da linha germinal, são hereditárias, elas poderiam ter um efeito imprevisível em gerações futuras.
Eles também manifestaram receio de que qualquer pesquisa de edição gênica em embriões humanos poderia ser uma “ladeira escorregadia” rumo a utilizações inseguras ou antiéticas da técnica.
O artigo da equipe de Huang parece destinado a reaquecer o debate sobre edição de embriões humanos e há relatos de que outros grupos na China também estão fazendo experimentos nesse sentido.
Gene problemático

A técnica empregada pela equipe de Huang envolve injetar em embriões a enzima complexo CRISPR/Cas9, que corta (ou remove) e emenda (processo conhecido como splicing) DNA em locais específicos.
Esse complexo pode ser programado para visar um gene problemático, que então é substituído ou reparado (consertado) por outra molécula introduzida ao mesmo tempo.
O sistema é bem estudado em células humanas adultas e em embriões de animais, mas até agora não havia relatos publicados de sua utilização em embriões humanos.
Huang e seus colegas decidiram verificar se o procedimento poderia substituir um gene em embrião humano no estágio de uma única célula fertilizada.
Em princípio, todas as células produzidas durante o seu desenvolvimento deveriam ter o gene reparado.
Os embriões que obtiveram de clínicas de fertilidade assistida haviam sido criados para utilização em fertilização in vitro (FIV), mas tinham um conjunto extra de cromossomos após terem sido fertilizados por dois espermatozoides.
Isso impede que resultem em fetos nativivos, embora passem pelos primeiros estágios evolutivos.
O grupo de Huang estudou a capacidade do sistema CRISPR/Cas9 de editar o gene chamado HBB, que codifica a proteína beta-globina (β-globina) humana.
Mutações nesse gene são responsáveis pela beta-talassemia.


Sérios obstáculos

A equipe injetou 86 embriões e esperou 48 horas; tempo suficiente para o sistema CRISPR/Cas9 e as moléculas que substituem o DNA que está faltando agirem, e para cada embrião evoluir para cerca de oito células.
Dos 71 embriões que sobreviveram 54 foram geneticamente testados.
Esse procedimento revelou que [o DNA de] somente 28 deles foi cortado e emendado (spliced) com êxito e que apenas uma fração desses 28 continha o material genético substituto.
“Se você quiser fazer isso em embriões normais, precisa estar perto de 100%”, explica Huang, e acrescenta: “É por isso que paramos. Continuamos pensando que ainda é muito imaturo”.
Sua equipe também encontrou um número surpreendente de mutações “fora do alvo”, que se presume terem sido introduzidas pela atuação do complexo CRISPR/Cas9 em outras partes do genoma.
Esse efeito é uma das principais preocupações de segurança que cercam a edição gênica de linha germinal, porque essas mutações não intencionais poderiam ser prejudiciais.
Suas taxas foram muito mais elevadas que as observadas em estudos de edição gênica de embriões de camundongos ou células humanas adultas.
Huang salienta que sua equipa provavelmente só detectou um subconjunto das mutações involuntárias porque seu estudo só analisou uma porção do genoma, conhecida como o exoma.
“Se tivéssemos analisado a sequência completa do genoma, teríamos uma quantidade maior [de mutações desse tipo]”, argumenta ele.


Questões éticas

Huang alega que o artigo foi rejeitado pela Nature e pela Science em parte por causa de objeções éticas.
As duas publicações científicas preferiram não comentar sua explicação. (A equipe noticiosa da Nature é editorialmente independente de sua equipe de pesquisa editorial)
Huang também disse que os críticos do artigo salientaram que a baixa eficiência e o elevado número de mutações “fora do alvo” poderiam ser específicos dos embriões anormais utilizados no estudo.
Ele reconhece a crítica, mas como não existem exemplos de edição gênica em embriões normais, sustenta que não há como saber se a técnica funciona de maneira diferente neles.
Ainda assim, o pesquisador insiste que os embriões permitem obter um modelo mais significativo, e mais próximo de um embrião humano normal, que um modelo animal ou um que utiliza células humanas adultas.
“Queríamos mostrar nossos dados ao mundo para que as pessoas soubessem o que realmente aconteceu com esse modelo, em vez de só ficarem falando sobre o que aconteceria sem dados”, justifica.
Mas Edward Lanphier, um dos cientistas que soou o alarme/advertência em Nature no mês passado, se mostra inflexível:
“Isso [o estudo] sublinha o que dissemos antes: precisamos interromper essa pesquisa e garantir que tenhamos uma discussão de base ampla e abrangente sobre que direção estamos seguindo aqui”.
Lanphier é presidente da Sangamo Biosciences, em Richmond, na Califórnia, que aplica técnicas de edição gênica em células humanas adultas.
Agora, Huang pretende descobrir como diminuir o número de mutações indesejadas (“fora do alvo”) utilizando células humanas adultas ou modelos animais.
Para isso, ele está considerando algumas estratégias diferentes: ajustar as enzimas para guiá-las com mais precisão até o local desejado; introduzi-las em um formato diferente, que poderia ajudar a regular suas sobrevidas e permitir que sejam desativadas antes que mutações se acumulem; ou variar as concentrações das enzimas e moléculas reparadoras introduzidas.
De acordo com Huang, outras técnicas de edição gênica também podem ajudar.
O método CRISPR/Cas9 é relativamente eficaz e fácil de usar, mas outro sistema, chamado TALEN, é conhecido por provocar menos mutações indesejadas, não intencionais.
De qualquer modo, o debate sobre edição de embriões humanos certamente prosseguirá por algum tempo.
A técnica CRISPR/Cas9 é conhecida por sua facilidade de uso e Lanphier teme que agora mais cientistas comecem a trabalhar visando aprimorar o artigo de Huang.
“O acesso ubíquo a CRISPRs e a simplicidade de criá-las, constituem oportunidades para cientistas em qualquer parte do mundo fazerem todos os tipos de experimentos que desejarem”, advertiu.
Uma fonte chinesa familiarizada com os desenvolvimentos nesse campo informou que pelo menos quatro grupos estão se dedicando à edição gênica em embriões humanos na China.
  

Publicado em Nature.com em 22 de abril de 2015. [A Scientific American integra o Nature Publishing Group].




[2] Liang, P. et al. Protein Cell, (2015)
[3] Lanphier, E. et al. Nature 519, 410–411 (2015) Article, PubMed, ISI, ChemPort; Baltimore, D. et al. Science 348, 36–38 (2015) Article, PubMed, em ingles

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