Nubor Orlando Facure[2]
A visão
- O nosso olhar é uma das propriedades mais ativas do cérebro. Nós mobilizamos
dois terços (70%) do córtex cerebral quando estamos olhando para uma criança
correndo. Existem 30 áreas cerebrais que estarão atuantes nessa visão
trabalhando nos seus detalhes. Precisamos saber quem é, sua localização, com
que velocidade se locomove, para onde se dirige, que roupa usa, suas cores, o
risco que corre, o parentesco que tem conosco, se vem até nós para dizer alguma
coisa e se precisamos abrir os braços para abraçá-la ou acudir de um perigo de
queda.
Nosso registro visual não é do
tipo fotográfico, ele é interpretativo, constrói uma paisagem com aquilo que
vê. O que vemos cria uma “representação” do que “pensamos” estar vendo. Disso
decorre que mais de noventa por cento dessa atividade se processa na mente, e é
isso que permite que cada um veja conforme lhe pareça e não como a coisa é.
Por que vemos? - Só há visão humana com a luz. Tudo começa com uma
onda de energia vibratória que atinge nossa retina refletindo nela a imagem dos
objetos. Aqui a luz atua sobre cones e bastonetes produzindo milhares de
combinações em branco e preto ou coloridas, numa mistura de três cores
fundamentais: vermelho, verde e azul – a cor é quase um milagre, e é bom saber
que ela existe em nós e não nos objetos. Quando a energia luminosa é convertida
em impulso nervoso, ele percorre o cérebro produzindo uma série de outros
fenômenos que nos vão permitir “qualificar” o que vemos, dando-lhes
propriedades:
A
mansidão do luar
A
quietude dos vales
A
algazarra dos pássaros
A
correria das fontes
O
brilho das estrelas
O
sorriso farto das crianças
O
vermelho forte dos morangos
O
vermelho brilhante do pôr do sol
O
vermelho suave das rosas.
A visão
e a linguagem - Nossa mente cria
representações simbólicas para aquilo que estamos vendo. Damos-lhes qualidades
para compreender sua existência.
As propriedades dos objetos e
cenários acima descritos não são qualidades primárias, são “imaginações” que
criamos para relatar, interpretar e explicar como essas coisas são para nós.
Aprendemos a usar as nossas representações com seus significados para que
possam fazer parte da nossa linguagem corriqueira, dispensando a presença do
objeto visualizado.
Nossa infância é povoada de
imaginações que aprendemos a ouvir e criar para representar o mundo e aliviar
nossas angústias e medos. Criamos os anjinhos com asas, o homem que é metade
homem e metade cavalo, a fadinha que produz estrelinhas, os monstros, os
gigantes e os anõezinhos, as bruxas e os heróis. Entretanto, a maior invenção
que criamos para representar nossas imagens foi a escrita. Só o ser humano é
capaz de representar um objeto por um conjunto de letras, uma palavra, uma
frase ou um poema.
Conta-se que uma águia é capaz
de ver uma letra a 15 metros de distância, mas, seguramente ela não sabe ler,
dar significado a essa letra e compreender o que ela diz.
O capricho da anatomia – dividindo
a imagem - Quando a imagem atinge a
parte posterior do cérebro, na região occipital, ocorrem fenômenos anatômicos
importantes e curiosos. As informações se distribuem em camadas a partir de um
ponto central, no último giro do lobo occipital. Ali construímos o foco do
nosso olhar, a partir do qual alguns detalhes da imagem se esparramam como numa
casca de cebola. Uma parte será enviada ao lobo parietal no Giro Angular, outra
para a região temporal no Giro Medial e uma terceira via atinge, também no lobo
temporal, o Giro Fusiforme.
Vamos ver qual é o propósito
dessa tríplice divisão:
O Giro Angular e
suas vizinhanças - Situado no lobo
parietal, esse giro desempenha funções interessantíssimas – ele nos permite
dispor de um GPS no cérebro – nos localiza no espaço e permite que sejamos
informados “onde” – exatamente isto: onde – está determinado objeto. Imaginem
pegarmos uma xícara no meio de várias louças e copos, os desajeitados sempre
aprontam pequenos desastres caseiros.
No lobo parietal direito alguns experimentos cirúrgicos
conseguiram estimular as proximidades dessa área e o paciente referir que se
sentia fora do corpo – ocorre uma projeção da imagem corporal para fora do
corpo – semelhante aos conhecidos relatos metafísicos de “experiências fora do
corpo” que hoje contam com vastíssima comprovação na literatura médica.
O lobo temporal
- Aqui há regiões que nos permitem ter
noção “do que é” e dos movimentos das pessoas e dos objetos identificados –
para sabermos a importância dessa função basta circular pelo corredor de um
shopping onde várias pessoas andam apressadas em nossa direção, obrigando-nos a
desviarmos de um ou de outro. E aqui também os desastrados se dão mal, trombam
frequentemente.
O Giro Fusiforme
- Passa-se nele um fenômeno de extrema
importância – é uma área onde é projetado o rosto das pessoas, sendo assim
processada a identificação dos amigos e dos desconhecidos, uma distinção
fundamental para a sociabilidade e a sobrevivência. E, nesse particular, todos
nós tropeçamos, lembrando-nos daquele rosto, mas nos foge, com frequência, o
nome da pessoa.
Um breve resumo -
Concluímos, então, que logo após termos as imagens registradas no lobo
occipital elas esparramam suas conexões para áreas vizinhas a fim de podermos
tomar conhecimento da cor, da forma, do movimento e da localização precisa do
objeto visualizado – para cada uma dessas funções há um grupo particular de
neurônios executando essa tarefa. Diz a Neurologia que nós temos, sim, um
neurônio para nossa Avó e outro para a Angelina Jolie.
Entre o cérebro e a mente -
Ensina a Neurologia que a imagem que nos chega aos olhos não é
interpretada como um reflexo que se projeta em um espelho. Cérebro e mente vão
construir o que “pensam” estar vendo. Portanto, para tudo que vemos o cérebro e
a mente montam uma representação daquilo que imaginam ser o que está sendo
visto.
Vale a pena repetir com os
cientistas que nossa realidade é pura imaginação. Mais importante, ainda, é
saber que cada um de nós imagina o mundo a seu modo.
A Neurologia ensina que, ao
construirmos nossas imagens mentais, ajuntamos algumas peças que se conjugam
nessa imaginação. Primeiro, a expectativa – se espero ver um anjo devo dar-lhe
asas como uma de suas propriedades. Repetindo o que já aprendemos, a visão é um
processo ativo, nossa mente é quem põe nos objetos ou nas pessoas as
características que espera ver neles.
Depois, atuam as nossas memórias
– se já conheço o pequi do serrado, fica fácil identificar esse fruto quando o
encontro no meio da panela de arroz tingindo-o com sua cor amarelada. Ao ver um
rosto na multidão saberei de quem se trata caso minhas memórias detectem nosso
parentesco ou amizade.
Finalmente, interfere a nossa
cultura, pessoal e coletiva – o peão que reconhece os animais na roça, o
mecânico que trabalha com as peças do motor, o médico que manuseia os
instrumentos da cirurgia, o cozinheiro que escolhe os ingredientes da comida, o
mateiro que transita fácil pela floresta, o piloto que pousa o avião mesmo com
a névoa da tempestade – todos eles enxergam detalhes que seu conhecimento
possibilita compor.
As extravagâncias da patologia - Lesões, inflamações, tumores e
síndromes diversas são capazes de desencadear manifestações que deturpam nossa
visão. Fora dos quadros neurológicos clássicos de cegueiras e hemianopsias,
vale a pena apontar curiosidades que ocorrem com algumas pessoas.
Afetada a área que identifica o
movimento dos objetos ou das pessoas, o indivíduo relata curiosidades
inacreditáveis – um deles diz que não pode pôr seu leite no copo. Ao virar a
garrafa ele não percebe a descida do líquido que acaba entornando – não há como
perceber que o leite desceu da garrafa enchendo o copo. Outro diz que não há
como andar no shopping, ele nunca sabe
se as pessoas estão vindo em sua direção e é terrível tentar atravessar a rua
quando os carros estão passando. Um terceiro nota que aqueles pássaros que voam
ali por perto na verdade lhe parece estarem parados, mas eles aparecem ora num
lugar ora noutro, deixando-o confuso.
As cores mudam de tonalidade ou
desaparecem em pacientes com epilepsia – eles podem relatar “crises” visuais
nas quais percebem em seu campo de visão o desenrolar de uma cena como se fosse
um filme. Pode de início ser suas imagens em branco e preto, vindo depois o
colorido adequado preencher o cenário.
A mediunidade – vendo
Espíritos - A vidência é um tipo raro de mediunidade. Crianças costumam ver
muito, assim como os idosos nas fases finais da vida.
Os bons médiuns videntes fazem
relatos muito interessantes que podemos compreender melhor conhecendo o que nos
diz o cérebro conforme estamos estudando.
Precisa ser dito que o médium
não vê o Espírito, é o Espírito que se faz ver – usando a coparticipação de uma
fisiologia especial de que dispõe o médium vidente. A percepção de uma entidade
espiritual acontece por uma combinação de fenômenos – é preciso uma combinação
dos fluidos do encarnado com o desencarnado; ocorre uma sintonia fluídica com
assimilação pelo perispírito do médium daquilo que lhe projeta o Espírito
desencarnado.
E, finalmente, a imagem que o
Espírito quer mostrar tem sua expressão no cérebro físico do médium no qual
terá de submeter-se ao que estudamos sobre ele.
Podemos resumir algumas de
nossas afirmações anotadas acima:
O mundo visível é uma imaginação
da mente – a isso se chama percepção visual.
O estímulo visual atinge o
“cérebro”, mas, é a mente que constrói a representação do que vê – criamos uma
imagem mental do que pensamos estar vendo.
Cada um de nós constrói suas
imagens visuais conforme suas expectativas, suas memórias e sua cultura.
Há regiões diferenciadas no
cérebro situadas no entorno da região occipital, para percepção do espaço e o
que ele contém, a localização de objetos ou de pessoas, sua movimentação, sua
forma, sua cor e sua identidade facial.
Vamos aos exemplos nos relatos
dos médiuns:
O que podemos aprender -
1 – Em O Livro dos
Médiuns, Allan Kardec ensina que a vidência é um tipo de mediunidade rara e
que não se deve provocar seu desenvolvimento, deixando que ela siga seu curso
natural, evitando o risco de sermos iludidos por efeito da imaginação. O
cérebro é farto de informações e a mente é muito criativa, podendo fazer-nos
ver o que não existe.
2 – No mundo fantasioso da criança é comum ela conversar
com personagens construídas pela sua imaginação, mas nem tudo é fictício no
mundo da criança. No histórico de muitos médiuns eles relatam sua vidência
desde a infância e, nessa época, não tinham conhecimento suficiente para
identificarem que parte da conversa era mesmo com entidades espirituais.
3 – No idoso e nos pacientes terminais há relatos de
visitas de Espíritos familiares que se fazem ver pelo paciente – a veracidade
desses relatos merece crédito inquestionável – quanto a isso a Doutrina
Espírita é farta em comprovações.
4 – Na epilepsia, embora a Neurologia acadêmica ainda não
admita, é possível que certas crises sejam precipitadas por entidades
perturbadoras, e podemos conjecturar que as imagens visualizadas nas crises
tenham a ver com a dimensão espiritual. Nas palavras de Kardec, a vidência
geralmente é um episódio fugaz, lembrando muito uma “crise” cortical – segundo
pensamos, por excitação de neurônios na região occipital.
5 – A vidência não é um fenômeno contínuo, costuma ocorrer
em flashes, circunscritos,
frequentemente, a um foco, num determinado ponto do ambiente – às vezes o
Espírito aparece sistematicamente no mesmo lugar, ou ora aqui ora ali. Pelo que
estudamos, a fixação do Espírito numa determinada localização ocorre por
estímulo de neurônios localizatórios no cérebro do médium e não como fato real.
Não é, por exemplo, culpa do Espírito aparecer sempre ao lado do piano, é o
cérebro do médium que só consegue enxergá-lo ali.
6 – A aparência com que se apresenta o Espírito tem a ver
com a estimulação de neurônios da área occipito-tempral que nos permite
identificar as formas dos objetos. O conceito popular ensina que a descrição
das formas depende dos olhos de quem vê – atentem para o vestido da noiva no
seu casamento, cada convidado fará a descrição que mais o afeta. É por isso que
nas visões tanto podem ser descritos santos como demônios – asas, auréolas,
tridentes ou mantos de luz.
7 – Quando Wilder Penfield iniciou as primeiras
neurocirurgias para cura da epilepsia, o paciente era operado acordado, com o
cérebro exposto. Isso permitia que certas áreas do cérebro pudessem ser
estimuladas eletricamente pelo neurocirurgião. Dr. Penfield conseguia obter,
com essa técnica, que o paciente relatasse o que estava vendo ou sentindo ou
movimentando seus dedos. Ele podia,
também, emitir algumas palavras, gritos, ver cenas do seu passado, descrever
locais onde vivera ou onde se sentia projetado.
Allan Kardec ensina que nossa
alma, quando emancipada parcialmente do corpo, pode “enxergar” quadros ou
cenários arquivados em seu próprio cérebro físico. Isso significa que nossos
neurônios armazenam sinais que nos permitem recompor memórias de coisas vistas
ou vividas – pensamos nós que essa é uma vulnerabilidade muito apropriada para
atuação dos obsessores.
[2] Nubor Orlando Facure - é formado em Medicina, com
especialização em Neurologia e Neurocirurgia, trabalhou durante 30 anos na
UNICAMP, onde se tornou professor titular de Neurocirurgia. Em 1990, criou no
Departamento de Neurologia da universidade e o primeiro curso de pós-graduação
sobre "Cérebro e Mente", com enfoque espiritualista. Hoje é diretor
do Instituto do Cérebro de Campinas, que fundou em 1987. É conhecido no meio
espírita de Campinas como pesquisador e expositor de temas da Ciência Espírita,
tendo desenvolvido estudos pioneiros em Neurociência aplicada à Mediunidade.
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