quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O ENOBRECIMENTO DO MOVIMENTO ESPÍRITA[1]



Silvio Seno Chibeni

O Espiritismo representa um patrimônio intelectual de alto valor. Comprova, por meio de suas investigações científicas, a natureza espiritual e imortal do ser humano e as leis que regulam sua evolução. Elaborado filosoficamente, esse conhecimento possibilita a fundamentação de um corpo de princípios morais capazes de colocar o homem no caminho seguro de sua felicidade. Um exame do Movimento Espírita atual revela, no entanto, que ainda falta muito para que a atuação espírita reflita, de forma mais fiel e completa, a nobreza do Espiritismo.
Os objetivos do Movimento – estudo, desenvolvimento, divulgação e vivência do Espiritismo – encontram-se parcialmente comprometidos por aberrações da prática espírita, propagação de teses incompatíveis com os fundamentos teóricos do Espiritismo, divulgação de material de má qualidade, assim como pelas polêmicas irracionais, pelos ataques a pessoas e instituições, e, de um modo geral, por comportamentos anti-fraternos entre os próprios espíritas.
Nós, espíritas, precisamos fazer uma reflexão isenta, madura e aprofundada sobre essa situação, contribuindo para que o Movimento se torne verdadeiramente digno do Espiritismo. Apresentamos em seguida algumas sugestões preliminares para direcionar essa reflexão.
Aspectos Intelectuais:
Preservação do núcleo teórico espírita. O Espiritismo, como toda disciplina científica, tem um núcleo de princípios teóricos básicos que fornece os elementos essenciais para a explicação dos fenômenos de que a teoria trata. Esse núcleo foi estabelecido por Allan Kardec. É em torno desse núcleo que o natural desenvolvimento da teoria deve realizar-se, por complementações e ajustes na parte menos central da malha teórica.
Estudar, divulgar e priorizar as obras básicas de Allan Kardec, eis nossa diretriz metodológica central.
Tolerância intelectual. Por definição, o espírita é alguém que, recorrendo à evidência racional e experimental fornecidas pelo Espiritismo, já se convenceu acerca da verdade dos aludidos princípios básicos. No entanto, à semelhança do que ocorre com as disciplinas acadêmicas, o Espiritismo tem áreas de fronteira, onde estão se dando os desenvolvimentos teóricos.
Nessas áreas há, naturalmente, questões ainda não resolvidas, que aguardam o concurso do tempo e dos esforços de pesquisa para o seu esclarecimento. Faz parte essencial de toda atividade de pesquisa, tanto na ciência como na filosofia, a pluralidade de vistas acerca dessas questões em aberto. Sem tolerância intelectual, a criatividade científica e filosófica ficaria impedida de contribuir para o avanço das disciplinas. No meio espírita, há que se cultivar essa tolerância, aprendendo-se a conviver pacífica e construtivamente com opiniões divergentes acerca de problemas teóricos periféricos. O direito ao livre exame deve ser respeitado sempre.
Prudência intelectual. Por outro lado, as pesquisas nas áreas de fronteira devem ser conduzidas com grande prudência e equilíbrio, a exemplo do que fez Kardec, a fim de que o desenvolvimento teórico assente em bases seguras. Muitas das questões debatidas no Movimento revelam-se, à luz de análises filosóficas rigorosas, serem questões mal formuladas, que não são, portanto, passíveis de solução. Quanto às genuínas, seu esclarecimento é importante, porém não apressado. Temos de ser pacientes intelectualmente, e não apenas em nossa vida comum. O máximo cuidado deve ser exercido para se separar aquilo que já possui evidência cabal daquilo que constitui mera especulação ou opinião pessoal. A exemplo dos fundadores de nossa tradição intelectual, os filósofos gregos da Antiguidade, devemos isentar nossas investigações de qualquer interesse pessoal; o único interesse legítimo deve ser a busca da verdade como um fim em si.
Aspectos Morais:
Fraternidade. Nenhum espírita poderia, sob pena de agir de forma incompatível com seu conhecimento, resvalar para o campo da ironia, da indiferença, da discriminação, e muito menos da inveja, do ciúme, da rudeza e da calúnia contra quem quer que seja, e especialmente contra companheiros de ideal espírita. A necessidade de uma elevação no padrão comportamental espírita é imperiosa e urgente, para que o valioso patrimônio intelectual de que somos guardiães não seja dilapidado.
Embora a correção de nossos velhos hábitos não seja tarefa fácil, a abstenção de agir com animosidade e desamor relativamente aos espíritas que não pensam exatamente como nós está ao alcance de todos, com um pouco de reflexão e esforço. Fraternidade já! Paz no Movimento Espírita!
Tratar todo e qualquer espírita como um irmão querido, independentemente de existir ou não divergências entre suas ideias e ações e as deles; perdoar unilateralmente toda ofensa recebida; exercitar a indulgência. Esses são nossos lemas morais de aplicação urgente.
Sinceridade. A falta de sinceridade é um dos fatores mais danosos ao relacionamento humano. Especialmente aqueles que partilham um ideal superior, como nós os espíritas, temos de ser inteiramente transparentes relativamente às nossas preocupações, motivos e intenções. Cada um  poderá, assim, agir com maior segurança, e os projetos coletivos poderão ser desenvolvidos com racionalidade e previsibilidade. Deve inspirar-nos aqui o exemplo de Paulo de Tarso, que adotou para si essa regra de conduta e esforçou-se sempre para que vigorasse na comunidade cristã.
Humildade. Complemento indispensável a essa regra de transparência é a humildade com que devemos receber toda apreciação de nossas ideias e atos partida de co-idealistas que interagem conosco com espírito de sinceridade plena. Partindo do fato inconteste de nossas imensas limitações intelectuais e morais, devemos receber as opiniões de nossos companheiros de doutrina com atenção e tranquilidade, aproveitando-as no que tiverem de bom para o aperfeiçoamento de nós próprios e de nossa obra coletiva. Quanto ao que não houver consenso, confiemos no concurso do tempo e do desenvolvimento natural do conhecimento espírita para o devido esclarecimento. Temos suficientes pontos em comum para nos unir. Melindre nunca! Eis outro princípio fundamental para aplicação imediata.
Sugestões de leitura:
Sobre os primeiros tempos do Movimento Espírita e a postura de Kardec diante de suas dificuldades:
• Thiesen, F. e Wantuil. Z. Allan Kardec (3 vols.) 1ª ed., Rio, FEB, 1979/80.
• Kardec, A. Obras Póstumas. Trad. L. O. Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio, FEB, 1981.
• –––––. Viagem Espírita em 1862. Trad. W. L. Rodrigues, 2ª ed., Matão, O Clarim, 1981.
Sobre o cuidado com as publicações espíritas:
• Kardec, A. “Deve-se publicar tudo o que dizem os Espíritos?” Revista Espírita, novembro 1959.
• –––––. “Exame das comunicações mediúnicas que nos são endereçadas” Revista Espírita, maio 1863.
• Cintra, J. C. A. e Castilho, J. A. “Deve-se publicar tudo? E divulgar tudo o que se publica?” Reformador, abril de 1988, pp. 104-106.
• Nazareth, J. Z. “Critérios de seleção e divulgação do livro espírita” Anuário Espírita 2002, pp. 17-21.
Sobre a ciência espírita, suas relações com as ciências acadêmicas e suas implicações morais:
• Chibeni, S. S. “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, pp. 328-333, e dezembro de 1988, pp. 373-378.
• –––––. “O paradigma espírita”, Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.
• –––––. “O Espiritismo em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso”, Reformador, agosto 2003, pp. 315-319, setembro 2003, pp. 356-359, outubro 2003, pp. 397-399.
Sobre a nossa condição de espírita:
• Chibeni, S. S. “Ser espírita”, Mundo Espírita, julho 2003, caderno especial.
Sobre as personalidades e missões singulares de Francisco Cândido Xavier e Yvonne Pereira, bem como suas relações de estima e colaboração com instituições espíritas que desempenharam papel histórico importante na consolidação e preservação do Espiritismo:
• Schubert, S. C. Testemunhos de Chico Xavier. 1ª Ed., Rio, FEB, 1986.
• Pereira, Y. A. À Luz do Consolador. 1ª ed., Rio, FEB, 1997.



Nenhum comentário:

Postar um comentário