Silvio Seno Chibeni
O Espiritismo representa um
patrimônio intelectual de alto valor. Comprova, por meio de suas investigações
científicas, a natureza espiritual e imortal do ser humano e as leis que
regulam sua evolução. Elaborado filosoficamente, esse conhecimento possibilita
a fundamentação de um corpo de princípios morais capazes de colocar o homem no
caminho seguro de sua felicidade. Um exame do Movimento Espírita atual revela,
no entanto, que ainda falta muito para que a atuação espírita reflita, de forma
mais fiel e completa, a nobreza do Espiritismo.
Os objetivos do Movimento –
estudo, desenvolvimento, divulgação e vivência do Espiritismo – encontram-se
parcialmente comprometidos por aberrações da prática espírita, propagação de
teses incompatíveis com os fundamentos teóricos do Espiritismo, divulgação de
material de má qualidade, assim como pelas polêmicas irracionais, pelos ataques
a pessoas e instituições, e, de um modo geral, por comportamentos
anti-fraternos entre os próprios espíritas.
Nós, espíritas, precisamos fazer
uma reflexão isenta, madura e aprofundada sobre essa situação, contribuindo
para que o Movimento se torne verdadeiramente digno do Espiritismo. Apresentamos
em seguida algumas sugestões preliminares para direcionar essa reflexão.
Aspectos Intelectuais:
Preservação do núcleo teórico espírita. O Espiritismo, como toda disciplina científica, tem
um núcleo de princípios teóricos básicos que fornece os elementos essenciais
para a explicação dos fenômenos de que a teoria trata. Esse núcleo foi
estabelecido por Allan Kardec. É em torno desse núcleo que o natural
desenvolvimento da teoria deve realizar-se, por complementações e ajustes na
parte menos central da malha teórica.
Estudar, divulgar e
priorizar as obras básicas de Allan Kardec, eis nossa diretriz metodológica
central.
Tolerância intelectual. Por definição, o espírita é alguém que, recorrendo à
evidência racional e experimental fornecidas pelo Espiritismo, já se convenceu
acerca da verdade dos aludidos princípios básicos. No entanto, à semelhança do
que ocorre com as disciplinas acadêmicas, o Espiritismo tem áreas de fronteira,
onde estão se dando os desenvolvimentos teóricos.
Nessas áreas há,
naturalmente, questões ainda não resolvidas, que aguardam o concurso do tempo e
dos esforços de pesquisa para o seu esclarecimento. Faz parte essencial de toda
atividade de pesquisa, tanto na ciência como na filosofia, a pluralidade de vistas
acerca dessas questões em aberto. Sem tolerância intelectual, a criatividade
científica e filosófica ficaria impedida de contribuir para o avanço das
disciplinas. No meio espírita, há que se cultivar essa tolerância,
aprendendo-se a conviver pacífica e construtivamente com opiniões divergentes
acerca de problemas teóricos periféricos. O direito ao livre exame deve ser respeitado
sempre.
Prudência intelectual. Por outro lado, as pesquisas nas áreas de fronteira devem
ser conduzidas com grande prudência e equilíbrio, a exemplo do que fez Kardec,
a fim de que o desenvolvimento teórico assente em bases seguras. Muitas das
questões debatidas no Movimento revelam-se, à luz de análises filosóficas
rigorosas, serem questões mal formuladas, que não são, portanto, passíveis de
solução. Quanto às genuínas, seu esclarecimento é importante, porém não
apressado. Temos de ser pacientes intelectualmente, e não apenas em nossa vida
comum. O máximo cuidado deve ser exercido para se separar aquilo que já possui evidência
cabal daquilo que constitui mera especulação ou opinião pessoal. A exemplo dos
fundadores de nossa tradição intelectual, os filósofos gregos da Antiguidade,
devemos isentar nossas investigações de qualquer interesse pessoal; o único
interesse legítimo deve ser a busca da verdade como um fim em si.
Aspectos Morais:
Fraternidade.
Nenhum espírita poderia, sob pena de agir de forma incompatível com seu
conhecimento, resvalar para o campo da ironia, da indiferença, da
discriminação, e muito menos da inveja, do ciúme, da rudeza e da calúnia contra
quem quer que seja, e especialmente contra companheiros de ideal espírita. A
necessidade de uma elevação no padrão comportamental espírita é imperiosa e
urgente, para que o valioso patrimônio intelectual de que somos guardiães não
seja dilapidado.
Embora a correção de nossos
velhos hábitos não seja tarefa fácil, a abstenção de agir com animosidade e
desamor relativamente aos espíritas que não pensam exatamente como nós está ao
alcance de todos, com um pouco de reflexão e esforço. Fraternidade já! Paz no
Movimento Espírita!
Tratar todo e qualquer
espírita como um irmão querido, independentemente de existir ou não
divergências entre suas ideias e ações e as deles; perdoar unilateralmente toda
ofensa recebida; exercitar a indulgência. Esses são nossos lemas morais de
aplicação urgente.
Sinceridade.
A falta de sinceridade é um dos fatores mais danosos ao relacionamento humano.
Especialmente aqueles que partilham um ideal superior, como nós os espíritas,
temos de ser inteiramente transparentes relativamente às nossas preocupações,
motivos e intenções. Cada um poderá,
assim, agir com maior segurança, e os projetos coletivos poderão ser
desenvolvidos com racionalidade e previsibilidade. Deve inspirar-nos aqui o
exemplo de Paulo de Tarso, que adotou para si essa regra de conduta e
esforçou-se sempre para que vigorasse na comunidade cristã.
Humildade.
Complemento indispensável a essa regra de transparência é a humildade com que
devemos receber toda apreciação de nossas ideias e atos partida de
co-idealistas que interagem conosco com espírito de sinceridade plena. Partindo
do fato inconteste de nossas imensas limitações intelectuais e morais, devemos
receber as opiniões de nossos companheiros de doutrina com atenção e tranquilidade,
aproveitando-as no que tiverem de bom para o aperfeiçoamento de nós próprios e
de nossa obra coletiva. Quanto ao que não houver consenso, confiemos no concurso
do tempo e do desenvolvimento natural do conhecimento espírita para o devido
esclarecimento. Temos suficientes pontos em comum para nos unir. Melindre
nunca! Eis outro princípio fundamental para aplicação imediata.
Sugestões de leitura:
Sobre os primeiros tempos do Movimento Espírita e a
postura de Kardec diante de suas dificuldades:
• Thiesen, F. e Wantuil. Z. Allan Kardec (3
vols.) 1ª ed., Rio, FEB, 1979/80.
• Kardec, A. Obras
Póstumas. Trad. L. O. Guillon Ribeiro, 18ª ed., Rio, FEB, 1981.
• –––––. Viagem Espírita em
1862. Trad. W. L. Rodrigues, 2ª ed., Matão, O Clarim, 1981.
Sobre o cuidado com as publicações espíritas:
• Kardec, A. “Deve-se
publicar tudo o que dizem os Espíritos?” Revista Espírita, novembro 1959.
• –––––. “Exame das
comunicações mediúnicas que nos são endereçadas” Revista Espírita, maio 1863.
• Cintra, J. C. A. e
Castilho, J. A. “Deve-se publicar tudo? E divulgar tudo o que se publica?”
Reformador, abril de 1988, pp. 104-106.
• Nazareth, J. Z.
“Critérios de seleção e divulgação do livro espírita” Anuário Espírita 2002,
pp. 17-21.
Sobre a ciência espírita, suas relações com as
ciências acadêmicas e suas implicações morais:
• Chibeni, S. S. “A
excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, pp.
328-333, e dezembro de 1988, pp. 373-378.
• –––––. “O paradigma
espírita”, Reformador, junho de 1994, pp. 176-80.
• –––––. “O Espiritismo em
seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso”, Reformador, agosto
2003, pp. 315-319, setembro 2003, pp. 356-359, outubro 2003, pp. 397-399.
Sobre a nossa condição de
espírita:
• Chibeni, S. S. “Ser
espírita”, Mundo Espírita, julho 2003, caderno especial.
Sobre as personalidades e missões singulares de
Francisco Cândido Xavier e Yvonne Pereira, bem como suas relações de estima e
colaboração com instituições espíritas que desempenharam papel histórico
importante na consolidação e preservação do Espiritismo:
• Schubert, S. C.
Testemunhos de Chico Xavier. 1ª Ed., Rio, FEB, 1986.
• Pereira, Y. A. À Luz do
Consolador. 1ª ed., Rio, FEB, 1997.
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