terça-feira, 13 de junho de 2017

O DESPERTAR DO ESPÍRITO[1]


 
Médium – Sra. Costel


“Quando o homem abandona os despojos mortais, experimenta um espanto e um deslumbramento que o deixam por algum tempo indeciso quanto ao seu estado real; não sabe se está morto ou vivo e suas sensações, muito confusas, demoram bastante para aclarar-se. Pouco a pouco, os olhos do Espírito ficam deslumbrados por diversas claridades que o cercam e ele acompanha toda uma ordem de coisas, grandes e desconhecidas, que de início tem dificuldade em compreender, mas em breve reconhece que não passa de um ser impalpável e imaterial; procura seus despojos e se surpreende de não os encontrar; passa-se algum tempo antes que lhe venha à memória do passado e o convença de sua identidade.
Olhando a Terra, que acaba de deixar, vê os parentes e amigos que o pranteiam, como vê o corpo inerte. Finalmente seus olhos se destacam da Terra e se elevam para o Céu; se a vontade de Deus não o retém no solo, ele sobe lentamente e se sente flutuar no espaço, o que é uma sensação deliciosa. Então a lembrança da vida que deixa lhe aparece com uma clareza às mais das vezes desoladora, mas outras vezes consoladora. Falo-te aqui do que experimentei, eu que não sou um Espírito mau, mas que não tenho a felicidade de ocupar uma posição elevada. Nós nos despojamos de todos os preconceitos terrenos; a verdade aparece em toda a sua luz; nada atenua as faltas, nada oculta as virtudes; vemos nossa alma tão claramente quanto num espelho; procuramos entre os Espíritos os que foram conhecidos, porque o Espírito se apavora no seu isolamento, mas eles passam sem se deterem; não há relações amistosas entre os Espíritos errantes; aqueles mesmos que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam; as comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores, que intercambiam seus pensamentos. Quanto a nós, nosso estado transitório só serve para o nosso adiantamento, tendo em vista que nada nos distrai; as únicas comunicações que nos são permitidas são com os humanos, porque têm um fim de mútua utilidade, que Deus prescreve.
Os Espíritos maus também contribuem para a melhoria humana: servem para as provas; quem lhes resiste, conquista méritos. Os Espíritos que dirigem os homens são recompensados por um grande abrandamento de suas penas. Os Espíritos errantes não sofrem a ausência de comunicações entre si, pois sabem que se encontrarão; têm apenas mais ardor para chegar ao momento em que as provas realizadas lhes darão o objeto de sua afeição, que não pode ser expressa, mas que neles jaz latente. Nenhum dos laços que contraímos na Terra se desfaz; nossas simpatias serão restabelecidas na ordem em que tiverem existido, mais ou menos vivas conforme o grau de calor ou de intimidade que tiverem tido”.

Georges

 

Relações Afetuosas dos Espíritos[2]

Comentário sobre o ditado espontâneo publicado na Revista do mês de outubro de 1860, sob o título de: O Despertar do Espírito [ditado postado acima].
São geralmente admiradas as belas comunicações do Espírito que assina Georges; mas, em razão mesmo da superioridade de que esse Espírito dá prova, várias pessoas viram com surpresa o que ele diz em sua comunicação O Despertar do Espírito, a propósito das relações de além-túmulo. Ali se lê o seguinte:
“Quando nos despojamos de todos os preconceitos terrenos, a verdade aparece em toda a sua luz. Nada atenua as faltas, nada oculta as virtudes. Vemos nossa alma tão claramente como num espelho; procuramos entre os Espíritos os que foram conhecidos, porquanto o Espírito se apavora no seu isolamento, embora passem sem se deter. Não há comunicações amigáveis entre os Espíritos errantes; mesmo aqueles que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam; as comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores”.
O pensamento do reencontro após a morte e da comunicação com os que amamos é uma das mais doces consolações do Espiritismo, e a ideia de que as almas não possam ter entre si relações de amizade seria dolorosa, se fosse absoluta; por isso não nos surpreendemos com o sentimento penoso que ela produziu. Se Georges tivesse sido um desses Espíritos vulgares e sistemáticos, que manifestam as próprias ideias sem se inquietarem com a sua exatidão ou falsidade, não lhe teríamos dado a menor importância. Em razão de sua sabedoria e de sua profundeza habituais, poder-se-ia imaginar que no fundo dessa teoria houvesse algo de verdadeiro, mas que o pensamento não tivesse sido expresso completamente. É, com efeito, o que resulta das explicações que pedimos. Temos, pois, uma prova a mais de que nada se deve aceitar sem o haver submetido ao controle da razão; e aqui a razão e os fatos nos dizem que essa teoria não podia ser absoluta.
Se o isolamento fosse uma propriedade inerente à erraticidade, tal estado seria um verdadeiro suplício, tanto mais penoso quanto pode prolongar-se por muitos séculos. Sabemos, por experiência, que a privação da vista dos que amamos é uma punição para certos Espíritos; mas também sabemos que muitos são felizes por se encontrarem; que, ao sairmos desta vida, os nossos amigos do mundo espírita nos vêm receber e nos ajudam a nos desembaraçarmos das vestes materiais, e que nada é mais penoso do que não encontrar nenhuma alma benevolente nesse momento solene. Esta doutrina consoladora seria uma quimera?
Não, não pode ser, porquanto não é apenas o resultado de um ensino: são as próprias almas, felizes ou sofredoras, que vêm descrever a sua situação. Sabemos que os Espíritos se reúnem e combinam entre si para agir de comum acordo, com mais força em certas ocasiões, tanto para o mal, quanto para o bem; que os Espíritos que não possuem os necessários conhecimentos para responder às perguntas que lhes são dirigidas, podem ser assistidos por Espíritos mais esclarecidos; que estes têm por missão ajudar com seus conselhos o progresso dos Espíritos mais atrasados; que os Espíritos inferiores agem sob o impulso de outros Espíritos, dos quais são instrumentos; que recebem ordens, proibições ou permissões, circunstâncias essas que não ocorreriam se os Espíritos fossem entregues a si mesmos. O simples bom-senso nos diz, pois, que a situação da qual ele falou é relativa e não absoluta; que pode existir para alguns em dadas circunstâncias, mas não poderia ser geral, porque, do contrário, seria o maior obstáculo ao progresso do Espírito e, por isso mesmo, não seria conforme a justiça de Deus, nem à sua bondade. Evidentemente, o Espírito Georges não considerou senão uma fase da erraticidade, na qual, para melhor dizer, restringiu a acepção do termo errante a uma determinada categoria de Espíritos, em vez de aplicá-lo, como nós o fazemos indistintamente a todos os Espíritos não encarnados.
Pode, pois, acontecer que dois seres que se amaram não troquem sinais de reconhecimento; que nem mesmo possam ver-se e se falar, caso seja uma punição para um deles. Por outro lado, como os Espíritos se reúnem conforme a ordem hierárquica, dois seres que se amaram na Terra podem pertencer a ordens muito diferentes e, justamente por isso, encontrar-se separados até que o menos adiantado alcance o grau do outro. Essa privação pode ser, assim, uma consequência da expiação e das provas terrestres: compete a nós agir de modo a não merecê-la.
A felicidade dos Espíritos é relativa à sua elevação. Essa felicidade só é completa para os Espíritos depurados, e consiste principalmente no amor que os une; isto se concebe e é de toda justiça, porquanto a verdadeira afeição não pode existir senão entre seres que se despojaram de todo egoísmo e de toda influência material, pois somente neles ela é pura, sem segunda intenção, não podendo ser perturbada por nada. Daí se segue que suas comunicações devem ser, por isso mesmo, mais afetuosas e mais expansivas do que entre os Espíritos que ainda se acham sob o império das paixões terrenas. É preciso daí concluir que os Espíritos errantes não são forçosamente privados, mas podem ser privados dessas comunicações, se tal for a punição a eles imposta.
Como diz Georges em outra passagem: “Essa privação momentânea lhes dá mais ardor para atingirem o momento em que as provas realizadas lhes devolverão o objeto de sua afeição”.
Portanto, essa privação não é o estado normal dos Espíritos errantes, mas uma expiação para os que a mereceram, uma das mil e uma variedades que nos esperam na outra vida, quando tivermos desmerecido nesta.



[1] Revista Espírita – Outubro/1860 – Allan Kardec
[2] Revista Espírita – Novembro/1860 – Allan Kardec

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